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Histórias & Historinhas

 

     Pedro Malasartes

 

Malasartes fez o urubu falar

 

Quando o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens - uma casinha velha - entre os filhos; e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da casa, com o que ele ficou muito contente.

Pôs a porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho viu um bando de urubus sobre um burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna quebrada.

Apanhou-o, pôs a porta às costas e continuou viagem. Obra de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde sala fumaça, o que queria dizer que se estava preparando o jantar.

Pedro Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer.

Veio atendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.

A mulher mandou que o despachasse, que sua casa não era coito de malandros.

O marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!

Pedro Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.

Espiando pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as conversas e confidências da patroa e da negra.

Justamente na hora do jantar chegou o dono da casa que resolvera voltar inesperado da viagem que fazia.

Quando a mulher percebeu que ele se aproximava, mandou esconder os pratos do banquete e veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro queimando de raiva.

Vai dai mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne seca, dizendo:

- Por que não me avisou, marido? Sempre se havia de aprontar mais alguma coisa...

Sentaram-se à mesa.

Pedro Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.

O dono da casa levantou-se e foi ver quem era. O rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do pouco que havia. A mulher estava desesperada, desconfiando com a volta do Malasartes. Pedro tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de corda. Estavam os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado do bicho e este se pôs a gritar:

Uh! uh! uh!

O dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho. Pedro respondeu muito sério:

- Nada! São coisas. Está falando comigo.

- Falando! Pois o seu bicho fala?!

- Sim senhor, nós nos entendemos. Não vê como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.

- Gomo assim?

- Agora, por exemplo, está dizendo que a patroa teve aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa surpresa.

- Uma surpresa! Conte lá isso como é.

- É deveras! Uma excelente leitoa assada que está ali naquele armário...

- Pois é possível! Ó mulher, é verdade o que diz o urubu deste moço?

Ela com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa já de que Pedro sabia da marosca, apressou-se em responder:

- Pois então? Pura verdade! O bicho adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.

E gritou pela preta:

- Maria, traz a leitoa.

A negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa.

Daí a pouco Pedro Malasartes pisou outra vez no urubu que soltou novo grito. O dono da casa perguntou:

- O que é que ele está dizendo?

- Bicho intrometido! Está candongando outra boca, bicho!

- O que é?

- Outras surpresas...

- Outras!

- Sim senhor: um peru recheado...

- É verdade, mulher?

- Uma surpresa, maridinho do coração! Maria, traz o peru recheado que preparei para teu amo.

Veio o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.

Ao fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs comprá-lo a Pedro Malasartes que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher e a preta bufavam de raiva, crentes também no poder mágico do bicho, que assim seria um constante espião de tudo quanto fizessem.

Fechado o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.

 

De como Malasartes vendeu o urubu

 

O dono da casa vendo que o urubu de Pedro Malasartes era encantado e sabia descobrir todos os segredos, propôs-lhe comprá-lo.

Malasartes, pescando que estava em véspera de fazer um bom negócio, encareceu ainda mais as virtudes do urubu e pediu este mundo e o outro.

O homem vacilou em fechar o negócio, e Pedro, justamente quando uma preta velha veio trazer café a sala, disse ao dono da casa de modo que a mucamba ouvisse:

- Este bicho é deveras encantado, patrão. Ele é capaz de descobrir outras coisas que se passam em sua casa sem o senhor saber.

- Não me diga isto!

- É o que lhe digo. Mas, para que ele não emudeça e possa contar tudo que tenha visto, é preciso que haja o maior cuidado para que nenhuma mulher lhe verta água na cabeça. E, se quiser experimentar, deixe-o esta noite ficar no corredor, que amanha teremos que saber muitas novidades.

O homem aplaudiu a proposta e prometeu comprar o urubu se saísse certo o que lhe dizia o Malasartes.

Mas a preta que tinha ouvido a combinação mal saiu da sala foi contar tudo à senhora, que ficou muito assustada, pois que, naquela noite, havia de receber a visita do sacristão da vila, e não sabia como arranjar para que o urubu candongueiro não pusesse tudo a perder.

A preta teve uma luz, e disse que não havia perigo, pois ela se encarregaria de verter água na cabeça do urubu para que ele perdesse o encanto.

Às tantas da noite todos se foram acomodar, tendo Malasartes cuidado de deixar o bicho no corredor, fazendo de sentinela.

Lá para a virada da noite, a dona da casa, pé que pé, veio abrir a janela, por onde saltou para dentro o sacristão, enquanto a preta estava fazendo o que prometera na cabeça do urubu.

Quando o bicho se viu com a cabeça toda molhada, não teve mais conversa - tico! e deu uma bicada na preta lá onde quis e ela ficou segura, e vai então a negra soltou um grito.

A senhora, temendo que o marido despertasse, correu para arrancar a sua mucamba do bico do bicho. Agarrou-a pelo braço, mas não houve meio. A rapariga, então no auge do aperto, apegou-se no braço da senhora que se pôs também a gritar. O sacristão acudiu para ver se podia ajudar as duas a se desvencilharem. Mas, já a este tempo, Pedro Malasartes havia despertado o dono da casa. E os dois correram a ver o que era e encontraram aqueles três assim como estavam.

E vai então o dono da casa descobriu tudo, desancou o sacristão a pau, moeu os ossos tanto da senhora como da escrava e resolveu comprar o urubu.

Mas ai é que foi a história. Pedro Malasartes pediu pelo bicho cinco contos de réis. Abate que não abate, o homem teve mesmo de encorropichar o cobre, vintenzinho por vintenzinho, e Pedro Malasartes, deixando ficar o urubu, de quem se despediu chorando, pôs-se a caminho, mas vendo no pátio da fazenda uma carneirada, resolveu levá-la também e foi tocando como se fosse dono dela.

 

De como Malasartes fingiu que se matava

 

Vendo que a vitima vinha em sua perseguição, deu tudo quanto tinha e, ao aproximar-se de um riacho, encontrou uma mulher a lavar roupa. Estava perdido, porque a lavadeira daria ao perseguidor a sua direção.

Mais que depressa tocou a carneirada a atravessar o riacho, e tomando um dos carneiros, tirou-lhe as tripas e meteu-as debaixo da camisa. Quando a manada passou, ele arrancou da faca, fingiu que abriu o ventre e deixou cair na água as tripas do carneiro, que ali levou ocultas.

A lavadeira deu um grito, caiu desmaiada ao presenciar tal cena e Malasartes desapareceu.

Quando o perseguidor chegou à toda, e perguntou à lavadeira se tinha visto passar um homem tocando uma carneirada, ela respondeu, quase sem poder falar, que Pedro Malasartes havia feito o que ficou dito.

E, porque Pedro já estava longe com o rebanho, o homem voltou soltando um milhão de pragas.

 

De como Malasartes passa adiante a carneirada

 

Já muito longe, encontrou um porqueiro que vinha tocando também. Pedro Malasartes que já previa que o fazendeiro havia de vir no seu rasto, propôs troca dos carneiros, (que valiam menos, pelos porcos, que valiam mais).

Fecharam o negócio, tendo o porqueiro feito uma volta em dinheiro.

Malasartes seguiu com a porcada e o outro com os carneiros, em direção oposta.

O porqueiro foi pousar em casa do dono dos carneiros. Ao ver o seu rebanho, o homem avançou para o porqueiro, e exigiu entrega do que era seu. O porqueiro quis resistir, mas vendo que o homem estava armado até os dentes e tinha muitos capangas, não teve outro remédio senão fazer a restituição, ficando no prejuízo, e tocou pra trás a ver se encontrava o Malasartes que já estava longe, tendo tomado por um atalho que foi dar numa fazenda. E, vai então, vendeu a porcada por um precinho barato, mas com a condição de o comprador deixar que ele cortasse a ponta do rabo de cada porco.

Fecharam o negócio e Pedro Malasartes meteu no embornal os rabinhos dos porcos e bateu o pé na estrada.

 

De como Malasartes rouba as jóias de uma família.

 

E foi dar no castelo de um ricaço que era casado e tinha uma filha, e ofereceu-se para empregado. E foi aceito. Como era tempo de chuva, o chiqueiro estava que era mesmo um lameiro. E Malasartes teve logo uma idéia. De noite tocou para longe a porcada do ricaço e, voltando, espetou no lameiro as caudas dos porcos. E, quando de manhã o dono da casa veio ver a porcada, Malasartes lhe apontou o lameiro e disse-lhe que os porcos estavam atolados, apenas com os rabos de fora.

O dono da casa mandou-o logo que fosse em casa buscar duas enxadas a ver se podiam desenterrar os animais. Pedro Malasartes foi numa corrida e, lá chegando, viu a dona e a filha passeando no jardim e lhes disse:

- O patrão mandou que as senhoras me acompanhem. Elas duvidaram, mas Malasartes gritou, perguntando ao patrão que estava lá embaixo:

- As duas, patrão?

- Sim, as duas, e sem demora! As duas, pateta!

E, então, as senhoras não puseram mais diferença e acompanharam Pedro que tomou com elas outra direção. Já longe o velhaco amarrou-as numa árvore, tirou-lhes todas as jóias que eram de grande preço, fugiu e foi tocar a porcada que tinha ocultado no dito retiro.

E, quando o ricaço, cansado de esperar, foi a casa e não encontrou a mulher e a filha, bateu a procurá-las até que as achou amarradas onde Malasartes as havia deixado.

Quando voltou é que viu que dos porcos só havia os rabinhos, que ele é que era um pateta de marca.

A muitas léguas dali, o Malasartes negociou a porcada, recebeu o cobre, comprou um bom terno de roupa e foi parar em certa cidade, onde, logo na entrada, havia uma bonita chácara que era do dr. Juiz de Direito.

 

De como Malasartes faz mais uma que parecia duas

 

Eram já por umas dez da noite. O Malasartes bateu à porta e pediu pousada, dando o nome de doutor Fulano, que vinha visitar aquela terra. O Juiz costumava entrar tarde, pois ficava até à meia-noite fora de casa, jogando marimbo com um seu compadre. E vai então o filho do Juiz na sua simplicidade, mandou entrar o hóspede e, depois de um bom chá, deu-lhe pousada, no quarto da sala, onde o Juiz costumava se vestir. E quando o Juiz chegou, o filho lhe contou o que se tinha passado e o tolo ficou muito satisfeito daquela hospedagem.

E vai então lá pela madrugada o Malasartes começou a sentir umas coisas na barriga...Procurou o vaso e, não o encontrando, abriu a janela... mas lá fora havia uma cachorrada, que foi um barulho de latidos que nunca se viu.

O Malasartes estava suando frio: Mas nisto avistou na prateleira uma caixa. Abriu, havia dentro uma cartola de pelo. Estava salvo! Tirou a cartola, fez nela o que quis, pôs outra vez na caixa e esta no lugar onde antes estava.

De manhã, quando ouviu tropel dos criados saiu e... este mundo é meu!...

Quando vieram chamar o Malasartes para o café, não o acharam mais.

À hora do almoço, o Juiz saiu do quarto e foi para o cômodo em que se costumava vestir.

Era dia de júri. Vestiu a sobrecasaca, e, distraído, tirou a cartola que enterrou, de um golpe, na cabeça.

Para que tal fizeste! Ficou com a cara enlameada e sentiu um cheiro que quase o afogou. Começou então a gritar. A família veio toda, pensando que tinha acontecido alguma desgraça.

Ao vê-lo naquele estado, correram todos a buscar socorro. O filho trouxe-lhe um banho, a filha água florida, a mulher sabonete de cheiro.

E depois houve risada que não foi brinquedo, enquanto o Juiz bufava de raiva. E os jurados já estavam cansados de esperar por ele...

Mas o Malasartes já estava longe. Até parecia que tinha parte com Beizebum.

 

De como Malasartes vende o cadáver da velha

 

Nisto ele soube no caminho que sua mãe tinha morrido, e, como era muito extremoso, foi logo ter em casa.

Lá encontrou os irmãos que se fingiam chorosos. Ele também derramou muitas lágrimas e resolveram logo fazer a partilha, pois que cada um' queria cuidar de sua vida.

A herança não era grande, mas sempre havia um sítio, umas colheitas, umas terras e uma casinha...

Os irmãos começaram a escolher o que havia de melhor: Mas Pedro Malasartes disse:

- Lá por isso não seja a dúvida. Eu quero somente três coisas: uma folha da porta da casa o corpo de minha mãe e o cavalo matungo.

Os outros estranharam aquilo, mas, como era fácil de contentar, combinaram na partilha.

Pedro amarrou o corpo da velha no selim do matungo, em posição de cavaleiro. E saiu, puxando o cavalo, prometendo voltar depois, em procura da porta.

Foi dar numa fazenda, já tarde da noite, e pediu pousada. A gente da casa já estava acomodada, mas a pessoa que veio abrir consentiu na hospedagem porque Pedro alegou o cansaço da velha, a doença dela, coitadinha!

Mostraram-lhe um quarto na entrada, onde os dois ficaram. A certa hora, Pedro Malasartes pegou no cadáver, enveredou com ele pelo corredor e foi colocá-lo encostado à porta do quarto do dono da casa.

Este quando, pela manhã, abriu a porta, levou um grande susto ao ver que um corpo pesado caiu dentro do quarto.

E havia no chão muito sangue pois a cabeça da defunta, quando o corpo caiu se tinha quebrado.

O homem fez um grande alarma, vindo logo Pedro, esfregando os olhos e fingindo ter-se acordado naquele momento.

Ao ver aquele quadro, lançou-se sobre o cadáver da velha e fez um grande choro, acusou o fazendeiro de haver sido o assassino de sua mãe e pediu grossa gratificação, sob pena de ir queixar-se à justiça.

O fazendeiro não teve outro remédio senão cair com o cobre e ainda fazer o enterro do corpo.

E Pedro Malasartes voltou para casa em procura da porta tendo ainda no caminho vendido o punga que logo, logo, causado da viagem, arriou na estrada e morreu. Pedro Malasartes, quando chegou com a porta onde ficara o cavalo, viu que sobre este estava um bando de urubus, atirou a porta sobre o bando, apanhou um urubu que ficou com a perna quebrada e seguiu viagem.

Esse dito urubu foi o mesmo que ele vendeu por cinco contos. Estão lembrados?

 

De como Malasartes evitou que o mundo desabasse...

 

Em certa altura deu-lhe vontade de verter água. Encostou-se a um grande paredão pertencente a uma bonita quinta. E, quando estava no melhor, apareceu o dono da chácara muito zangado a perguntar-lhe quem lhe tinha dado ordem para fazer aquilo ali.

Pedro disfarçou e respondeu:

- Ah! meu senhor desde manhã que estou aqui encostado sem comer, nem beber só por causa dos outros.

- Por causa dos outros? Então como é lá isso?

- Estou escorando o mundo.

- Você está doido!

- Pois é verdade patrão vinha eu caminhando no meu quieto mas, quando cheguei neste lugar me apareceu a figura de um anjo que veio descendo do céu e que me disse estas palavras:

- Por ordem do Senhor Deus o mundo vai acabar à meia-noite de hoje. Imagine o susto que não levei! Mas o anjo me aquietou: tem remédio para se evitar isto: é encontrar alguém que escore este muro desde este momento.

" Só por isso não seja a dúvida respondi vou cortar uma estaca...

- Não, não há tempo. Antes de um minuto o muro deve estar escorado. E me empurrou para aqui onde me acho, sem poder arredar pé, pois, se saio o mundo vem abaixo.

- Deveras!

- Ah! se o patrão me fizesse o favor de tomar o meu lugar enquanto eu vou ali no mato cortar uma escora, tudo estava arranjado mesmo porque se eu aqui ficar por mais tempo, não resistirei e com a minha morte o mundo virá abaixo e ninguém escapará.

O homem pensou e resolveu tomar o lugar de Pedro que prometeu voltar logo com a escora, e até hoje está sendo esperado.

 

De como Malasartes cozinha sem fogo

 

Quando chegou à cidade Pedro meteu-se em divertimentos com os estudantes e gastou todo o dinheiro. E antes que ficasse de todo limpo comprou uma panelinha de trempe uma matula e seguiu viagem.

Já havia caminhado muito quando avistou um rancho desocupado.

Resolveu descansar ali. Fez fogo, pôs a panela de três pés com a matula a aquecer.

Mas nisto vem chegando uma tropa. Pedro Malasartes mais que depressa pôs um monte de terra sobre o fogo e ficou muito quieto diante da panela que fumegava.

Os tropeiros, vendo aquilo ficaram muito espantados e perguntaram:

- Que moda é esta, patrício de cozinhar sem fogo?

Pedro respondeu logo:

- Isto não é para todos. Pois não vêem logo que a minha panela é mágica?

- Então cozinha sem fogo?

- E como estão vendo, e a qualquer hora. Mas, como a fada me disse que estou por poucos dias, posso negociá-la.

Os tropeiros viram naquilo um achado; provaram da comida e acharam tudo muito bom.

Compraram a panela pagando por ela quanto lhes fora pedido.

Quando à hora da ceia foram cozinhar sem fogo deram com a marosca mas já era tarde. O Malasartes tinha-se posto a muita distância...

 

De como Malasartes vendeu um passarinho

 

Malasartes ia viajando quando lhe deu vontade de dar de corpo. Agachou-se no meio da estrada e ali ficou. Nisto avistou um senhor que andava caçando.
Malasartes tirou o chapéu e colocou-o sobre o que havia feito.

O senhor quando se aproximou perguntou-lhe:

- Que está fazendo ai a segurar nesse chapéu com tanto cuidado?

- E um lindo passarinho que apanhei debaixo do chapéu. Canta que é um gosto. E eu não quero perdê-lo. Estou à espera de alguém que queira tomar conta dele, enquanto vou buscar uma gaiola.

O homem ficou muito curioso de ver o canário pois era grande apreciador de pássaros cantadores.

Propôs comprá-lo, mas com a condição de Malasartes ir buscar a gaiola.

Pedro, depois de muitas negaças fechou o negócio por bom dinheiro deixou o tolo a tomar conta, e foi buscar a gaiola. O tempo ia passando e Malasartes não voltava. Então o homem, já impaciente tomou o partido de apanhar o pássaro com a mão e levá-lo para casa. Com toda a cautela, meteu a mão debaixo do chapéu e, quando pensou que pegava o canário, agarrou uma coisa muito diferente.

Deu os pregos, soltou pragas enquanto Pedro já estava muito distante e se divertindo à custa do trouxa...

 

De como Pedro dá mingau a certa velha...

 

Foi então que Pedro se encontrou com um de seus irmãos, com quem gastou em pândegas muito dinheiro. Esvaziada a bolsa, seguiram de viagem juntos.
Depois de caminharem muitas léguas varados de fome, chegaram à casa de um casal de velhinhos, gente da lavoura e muito pobre.

Pediram pousada. Mas os velhos disseram que não tinham cômodo nem nada que lhes dar para matarem a fome...

- Só se quiserem dormir na salinha, no monte de palha...

Pedro aceitou logo a oferta.

Os velhos foram para seu quarto e os irmãos ficaram na palha.

Mas de madrugada o Malasartes sentiu um cheirinho bom e ouviu o chiado de uma panela lá na cozinha e perguntou ao irmão:

- Manuel, você não está ouvindo um chiado?... Quem sabe se na cozinha há alguma coisa que se coma?

O outro respondeu:

- É possível. Essa gente da lavoura costuma deixar a panela no fogo durante a noite para comerem de manhã, antes de irem para o trabalho.

Pedro, andando na ponta dos pés, levou o irmão para a cozinha, onde encontraram no fogo uma panela de mingau de fubá fumegando.

Comeram quanto quiseram até fartar-se e, como Pedro era um grande pândego e não podia passar sem fazer das suas, disse que estava com muita pena da velha e que lhe ia também dar um pouco de mingau.

Foram para o quarto e, enquanto o irmão segurava com muito medo a panela o Malasartes ia pondo com a colher o mingau onde supunha que era a boca da velha.
De vez em quando ouviam uns sopros e Pedro dizia baixinho:

- Está quente, avozinha? Sopra minha velha!

Depois de irem levar a panela à cozinha os dois irmãos puseram-se ao fresco logo ao amanhecer.

Já estavam longe quando o velho despertou furioso com a mulher, a quem acusava de ter desfeiteado a cama...

- Eu! seu tratante! eu!

- Não se faça de tola, que não foi outra senão você mesma!

Mas então a velha sentiu alguma coisa lá nela mesma. E os dois que nunca tinham brigado agarraram-se às unhadas, saltando fora da cama. E qual não foi o espanto deles, quando viram a cama toda cheia de mingau...
Correram para a cozinha e acharam a panela vazia, foram à sala e já lá não estavam os hóspedes.

Rogaram muitas pragas e juraram não dar mais pousada a ninguém salvante a Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Malasartes e as botijas de azeite

 

Um dia, Pedro Malasartes foi ter com o rei e lhe pediu três botijas de azeite, prometendo-lhe levar em troca três mulatas moças e bonitas. O rei aceitou o negócio. Pedro saiu e foi ter à casa de uma velha, ali pela noitinha; pediu-lhe um rancho, e que lhe botasse as botijas no poleiro das galinhas. A velha concordou com tudo. Alta noite, Pedro Malasartes levantou-se, foi de pontinha de pé ao poleiro, quebrou as botijas, derramou o azeite, lambuzando as galinhas. De manhã muito cedo Malasartes acordou a velha, e pediu-lhe as botijas de azeite. A velha foi buscá-las, e, achando-as quebradas, disse: "Pedro, as galinhas quebraram as botijas e derramaram o azeite".

– Não quero saber disso, - disse Pedro; - quero para aqui meu azeite, senão quero três galinhas.

A velha ficou com medo, deu-lhe as três galinhas. Malasartes partiu e foi à noite à casa de outra velha; pediu rancho e que agasalhasse aquelas três galinhas entre os perus. A velha, como tola, consentiu. Alta noite, Pedro se levantou, foi ao quintal, matou as três galinhas, besuntando de sangue os perus. No dia seguinte, bem cedo, acordou a velha, pedindo as suas galinhas, porque queria seguir viagem. A velha foi buscá-las e encontrou o destroço. Voltou aflita, contando a Malasartes.

Ele fez um grande barulho até levar seis perus em troca das galinhas. Na noite seguinte, foi ter à casa de um homem que tinha um chiqueiro de ovelhas, e pediu-lhe para passar a noite em sua casa e que lhe agasalhasse aqueles perus lá no chiqueiro das ovelhas, porque bicho com bicho se acomodavam bem. O homem assim fez.


Tarde da noite, Pedro foi ao lugar onde estavam os perus, e matou-os a todos, labreando de sangue as ovelhas. O homem, indo-os buscar, achou-os mortos, e voltou muito aflito, dizendo: "Pedro, não sabe, as ovelhas mataram os seus perus". Ouvindo isto, Malasartes fez um grande espalhafato, gritando que o homem tinha morto os perus do rei e recebeu seis ovelhas pelos perus. Largou-se, indo dormir na casa de um homem que tinha um curral de bois. Aí ele fez as mesmas artimanhas, até pegar seis bois pelas seis ovelhas.


Mais adiante, ele encontrou uns vendilhões de ouro e trocou os bois por ouro. Mais adiante encontrou uns homens que iam carregando uma rede com um defunto. Pedro perguntou quem era, disseram-lhe que era uma moça. Ele pediu para ir enterrá-la e eles deram.

Logo que os homens se ausentaram, ele tirou a moça da rede, encheu-a de bastante ouro e de enfeites, e foi ter com ela nas costas à casa de um homem rico que havia ali perto. Pediu rancho, disse às filhas do tal homem que aquela era a filha do rei que estava doente, e ele andava passeando com ela, e pediu que a fossem deitar.

Foram levar a moça para uma camarinha, indo Malasartes com ela, dizendo que só com ele ela se acomodava. Deitou a moça defunta na cama e retirou-se, dizendo às donas da casa: "Ela custa muito a dormir, ainda chora como se fosse uma criança; quando chorar, metam-lhe a correia."

Alta noite, Pedro foi e se escondeu debaixo da cama onde estava a moça e pôs-se a chorar como menino. As moças da casa, supondo ser a filha do rei, deram-lhe muito até ela se calar, que foi quando Pedro se calou. Depois ele escapuliu e foi para o seu quarto.

De manhã ele pediu a moça, que queria ir-se embora. Foram ver a filha do rei, e nada de a poderem acordar. Afinal conheceram que ela estava morta, e vieram dar parte a Malasartes. Ele pôs as mãos na cabeça dizendo: "Estou perdido; vou para a forca; me mataram a filha do rei!…"

Os donos da casa ficaram muito aflitos, e começaram a oferecer cousas pela moça, e Pedro sem querer aceitar nada, até que ele mesmo exigiu três mulatas das mais moças e bonitas. O homem rico as deu, e Pedro disse que dava uma desculpa ao rei sobre a morte de sua filha, e lhe dava de presente as três mulatas, para o rei não se agastar muito.

Malasartes largou-se e foi logo para o palácio, onde entregou o rei as três mulatas com este dito: "Eu não disse a vossa majestade que lhe dava três mulatas pelas três botijas de azeite? Aí estão elas". O rei ficou muito admirado.

Entrou por uma porta,
Saiu por outra;
Manda o rei, meu senhor,
Que me conte outra.

 

De como Malasartes entrou no céu

Quando Malasartes morreu e chegou ao céu, disse a S. Pedro que queria entrar.

O santo porteiro respondeu:

- Estas louco! Pois ainda tens coragem de querer entrar no céu depois que tantas fizeste, lá pelo mundo?!

- Quero, S. Pedro pois o céu é dos arrependidos e tudo quanto acontece é por vontade de Deus.

- Mas o teu nome não está no livro dos justos e portanto, não entras.

- Mas então eu desejava falar com o Padre Eterno.

S. Pedro zangou-se só com aquela proposta. E disse:

- Não, para falares a Nosso Senhor, precisavas entrar no céu e quem entra no céu Dele não pode mais sair.

Malasartes se pôs a lamentar e pediu que o santo ao menos o deixasse espiar o céu só pela frestinha da porta para que tivesse uma idéia do que fosse o céu, e lamentasse o que havia perdido por causa das más artes.

S. Pedro já amolado, abriu uma fresta da porta e Pedro meteu por ela a cabeça.

Mas de repente, gritou:

- Olha, S. Pedro Nosso Senhor que vem falar comigo. Eu não te dizia!!

S. Pedro voltou-se com todo o respeito para dentro do céu, a fim de render as suas homenagens ao Padre Eterno que supunha ali vir.

E Pedro Malasartes então pulou para dentro do céu.

O santo viu que tinha sido enganado. Quis pôr o Malasartes para fora, mas ele contrariou:

- Agora é tarde! S. Pedro lembre-se que me disse que do céu uma vez entrando, ninguém pode mais sair. É a eternidade!

E S. Pedro não teve outro remédio senão deixar o Malasartes lá ficar.

 

Malasartes no céu – II

 

Cansado de vagar pelo mundo, Malasartes resolveu dar um passeio ao céu, onde chegou com três dias de viagem. Bateu no portão do paraíso e esperou. Pouco depois ouviu a voz de São Pedro:

- Quem é?

- Sou eu.

– Eu quem?

- Pedro Malasartes.

– Que vem você fazer aqui no céu?

- Vim dar um passeiozinho. Quero ver essas belezas aí de dentro.

– Não pode ser, moço. No céu não entra ninguém vivo.

- Tenha piedade, São Pedro, só quero dar uma espiadinha…

- Nada, não é possível!

- Ora, abra, São Pedro, abra por favor… é só um instante… Deixe-me ao menos botar a cabeça aí dentro…

E tanto pediu e rogou, que São Pedro, já abalado, ou caceteado, entreabriu-lhe a porta para que espiasse.

Malasartes deitou-se, mais que depressa, de barriga para baixo, com os pés voltados para a porta, e foi-se deslizando para dentro do céu.

São Pedro protestou, mas o Malasartes retrucou-lhe que o santo se havia comprometido a deixá-lo meter a cabeça no céu, e era o que estava fazendo.. O chaveiro celeste não teve remédio senão conformar-se, porque palavra de santo é como a de rei, não volta atrás; e o caso é que quando a cabeça de Malasartes penetrou no céu já estava o corpo dele inteirinho…


Malasartes no céu – I
II

 

Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-se com um pobre, que lhe pediu esmola. Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor fez-lhe presente de um gorro vermelho, declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele objeto.

Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio ao céu. Para lá se encaminhou, e depois de três dias de viagem batia no portão de São Pedro.

O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu; perguntou o que desejava, e respondeu. O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto chorou que ele sempre consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco. Mal vê a fresta, Malasartes atira o gorro para dentro e começa a gritar:

- Quero o meu gorro, quero o meu gorro!

São Pedro prontifica-se a ir buscá-lo, mas o burlão protesta:

- Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro. Ninguém mais, só eu. São ordens de Nosso Senhor.

São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio a saber que Malasartes não mentia. Não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro.

Assim Malasartes conseguiu entrar no céu. Mas não se demorou lá muito tempo...

 

Malasartes no céu – IV

 

Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o outro mundo, e de nada lhe valeu a esperteza; teve que marchar. Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria e resolveu, em primeiro lugar, ir bater à porta do céu.

Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara. Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que surrava até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia e foi correndo avisar o seu rei.

Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos. O próprio Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar o hóspede. E disse-lhe:

- Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir aqui revolucionar a minha gente.

– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico.

– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita?

- Feito!

- Se você perder, irá direitinho para o caldeirão.

– Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma das almas que lá estão fervendo.

Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para passar a perna no outro. Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e assim outras. Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas, postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno.

Malasartes andou vagando como alma penada, muito tempo, sem saber onde havia de se aboletar.. Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu. Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito humildes, e bateu devagarinho. São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou:

- Quem bate a estas horas?

- Sou eu, meu santo…

- Eu, quem? Diga o que quer, e toca!

- Será possível que o meu santo padroeiro não me reconheça… Pois eu sou o Pedro Malasartes.

– Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o seu lugar não é aqui?

- Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei muito bem que nunca entrarei neste lugar de glória…

- Então vamos ver, o que quer?

Malasartes, com muita brandura e muita lábia, pediu ao santo que entreabrisse ao menos a porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu. Tanto pediu e tanto fez que São Pedro o atendeu. Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta.

São Pedro bufou e descompôs o patife, e tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos e de justos ali junto da porta.

Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu lhe podia tocar. Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar, não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse. E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso.

Mas o atrevimento não ficou sem castigo. Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho e mandaram-no contar os grãos um por um. Malasartes, que remédio! Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de tempo a amontoar os grãozinhos para um lado. Quando já estava acabando a contagem, veio um anjo e misturou tudo. E Malasartes teve de contar de novo… E até hoje lá está contando e recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.

 

 

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