|           BIBLIA    Asherah, a Deusa
  Proibida Ana Luísa Alves Cordeiro   Para a maioria das
  pessoas que lêem a Bíblia, a idéia de um único Deus de Israel, Yahweh, parece ser clara. No entanto, descobertas
  arqueológicas das últimas décadas vem demonstrando que Yahweh nem sempre esteve solitário. Antes da ascensão do
  monoteísmo em Israel, o Deus Yahweh fazia parte de
  um contexto politeísta onde havia um panteão de Deuses e Deusas, sendo que
  provavelmente foi adorado ao lado de sua consorte, Asherah.Reconstruir a presença da Deusa Asherah na vida de
  mulheres e homens no Antigo Israel é um esforço de, a partir de uma
  perspectiva feminista e de gênero, trazer elementos
  que nos ajudem numa maior aproximação do que foram os espaços religiosos e
  vitais deste povo. Esta reconstrução é algo necessário, uma vez que estamos
  diante de textos sagrados marcados pelo sistema patriarcal que projetou historicamente um Deus masculino, legitimando
  práticas e funções masculinas, com isso silenciando as mulheres, suas
  representações sagradas, tudo aquilo que pudesse lhes garantir espaço e voz.
  Por isso, faz-se necessário a nossa reflexão.
   “voltar
  a um ponto anterior ao monoteísmo patriarcal, até religiões nas quais uma
  Deusa era a imagem divina dominante ou então era emparelhada com a imagem
  masculina de uma forma que tornava a ambas modos equivalentes de aprender o
  divino" (Ruether, 1993, p.
  46). Carol Christ (2005, p.17)
  ressalta que “re-imaginar o poder divino como Deusa
  tem importantes conseqüências psicológicas e
  políticas”, como caminho de desconstrução do
  pensamento que naturaliza a dominação masculina. Segundo Schroer
  (1995, p. 40), o culto à Deusa era exercido tanto
  por homens como por mulheres, mas veio sobretudo ao encontro das necessidades
  das mulheres, pois lhes oferecia mais espaço no âmbito religioso.
 Através de uma “hermenêutica feminista de suspeita”, método proposto por
  Elisabeth Schüssler Fiorenza
  (1992, p. 89), queremos “re-imaginar”
  Asherah a partir de uma crítica ao patriarcado
  presente nos textos bíblicos, reconstruindo a memória da Deusa a partir dos
  dados arqueológicos e identificando na literatura bíblica a relação
  conflituosa que se estabelece com ela.
 As
  origens do monoteísmo no Antigo Israel
 Há uma grande problemática em torno do início do monoteísmo. Frank Crüsemann (2001, p. 780) aponta a época do profeta Elias (cf. 1Rs
  18,19-40) como o momento histórico em que se começa a falar da exclusividade
  do Deus de Israel, principalmente no embate com o Deus Baal
  e no processo de sincretismo onde Yahweh incorpora
  as características de Baal. Os escritos bíblicos do
  Primeiro Testamento teriam em si a tendência de mostrar, do início ao fim, a
  realidade do monoteísmo, “a proibição de se adorar outras divindades já é
  pressuposta em Gênesis e formulada claramente no
  Sinai (Ex 20,2)” (Crüsemann,
  2001, p. 781).
 Haroldo Reimer (2006,
  p.115) aponta, sobretudo o século V a.E.C como o
  momento histórico marcante, em que Yahweh vai se
  constituindo como Deus único de Israel, desencadeando um “processo de diabolização de outras divindades”.
 Num primeiro momento, a divindade Yahweh teria sido
  um elemento religioso que veio de fora do contexto cananeu.
  Nesta época, possivelmente era o Deus El que
  ocupava a cabeça do panteão divino. Yahweh passa a
  integrar o contexto israelita sem contudo negar a existência e diversidade de
  outras divindades.
 No entanto, os conflitos religiosos começam a acontecer,
  sobretudo no Reino do Norte, no período que vai dos séculos IX a VIII a.E.C, com o Deus Baal,
  ocorrendo a transferência dos atributos da fertilidade de Baal
  para Yahweh, o que Crüsemann
  também aponta. Já no Reino do Sul, do final do século VIII até o final do
  século VII a.E.C, “a fé monoteísta javista é afirmada em um contexto nacionalista, na medida
  em que se pode retrojetar a idéia de nação para
  aqueles tempos. A diversidade religiosa passa a ser objeto
  de ações perseguidoras oficiais” (Reimer, 2006, p. 117).
 A afirmação da exclusividade de Yahweh acarreta um
  processo de “diabolização” da própria Deusa Asherah, onde textos bíblicos serão instrumentos de
  justificação deste processo monoteísta. Frente a essa exclusividade de Yahweh, será impossível a
  sobrevivência de qualquer outra divindade, além de que a ênfase em Yahweh será critério de afirmação do sacerdócio masculino
  perpetuando uma sociedade patriarcal (Reimer, 2006,
  p. 117).
 Neste contexto, a existência de outras divindades masculinas e femininas foi
  sempre uma ameaça ao monoteísmo estabelecido, sendo que as reformas
  religiosas em Judá, de Josafá (870-848 a.E.C), de Ezequias (716-687 a.E.C), de Josias (640-609 a.E.C) e as legislações do Código da Aliança (Ex 20,22-23,19) e do Código Deuteronômico
  (Dt 12-26) agiram como instrumentos que visavam
  assegurar a fé monoteísta (Reimer, 2003, p. 968).
   A presença da Deusa em Israel (do
  Bronze ao Ferro) Conforme a pesquisadora Monika
  Ottermann (2004), que traça o panorama da presença
  da Deusa em Israel, da Idade do Bronze à Idade do Ferro, no Oriente Médio,
  datando a Idade do Bronze Médio (1800-1500 a.E.C),
  a representação da Deusa é caracterizada como “Deusa-Nua”,
  destacando o triângulo púbico, emergindo também representações em forma de
  ramos ou pequenas árvores estilizadas, combinação que vem a ser denominada “Deusa-Árvore”.
 Na Idade do Bronze Tardio (1550-1250/1150 a.E.C), a Deusa-Árvore
  apresenta duas mudanças, aparecendo em forma de uma árvore sagrada flanqueada
  por cabritos ou como um triângulo púbico, que substitui a árvore. Neste
  período, já se nota a tendência de substituição do corpo da Deusa pelos seus
  atributos, em especial a árvore.
 A Deusa continua perdendo representatividade na religião oficial, onde
  divindades masculinas ganham cada vez mais força, principalmente a partir de
  características dominadoras e guerreiras. Na Idade do Ferro I
  (1250/1150-1000), a forma corporal da Deusa-Árvore
  vai desaparecendo enquanto que formas de animais que amamentam filhotes, às
  vezes com a presença de uma árvore estilizada, ganham cada vez mais espaços
  na glíptica, significando a prosperidade e a fertilidade. A presença da Deusa
  fica relegada aos espaços de religiosidade das mulheres.
 Na Idade do Ferro IIA (1000-900 a.E.C),
  início da formação do javismo as Deusas passam a
  ser simbolizadas por seus atributos. A forma vegetal da Deusa confunde-se com
  seu símbolo, a árvore estilizada, sendo que muitas vezes é substituída por
  ele. Entendemos essas imagens como representações da Deusa Asherah.
 Na Idade do Ferro IIB (925-720/700 a.E.C), Israel e
  Judá apresentam diferenças no âmbito simbólico. Os documentos epigráficos de Kuntillet Adjrud e de Khirbet el-Qom destacam um
  vínculo estreito entre Asherah e Yahweh, o que acima de tudo demonstra um contexto
  politeísta, onde se adoravam a várias divindades femininas e masculinas.
 Na Idade do Ferro IIC (720/700-600 a.E.C), a Babilônia derruba a Assíria e passa a dominar Israel e
  Judá. Neste período encontramos o símbolo tradicional da Deusa, a árvore e o
  ramo. Vários selos ou impressões de selos que associam símbolos astrais com
  árvores estilizadas foram encontrados na Palestina e na Transjordânia,
  o que reforça interpretações sobre a existência de um culto a Deusa Asherah ao lado do Deus Yahweh.
  É principalmente na forma de árvore estilizada que, ao longo de séculos, Asherah esteve presente em Israel.
 Evidências arqueológicas
  da Deusa Asherah
 As primeiras evidências de Asherah
  aparecem em textos cuneiformes babilônicos (1830-1531
  a.E.C) e nas cartas de El
  Armana (século XIV a.E.C)
  (Neuenfeldt, 1999, p. 5).
 Para o pesquisador Ruth Hestrin (1991, p. 52-53), informações importantes sobre Asherah vêm dos textos ugaríticos
  de Ras Shamra (Costa
  Mediterrânea da Síria). Nestes textos, Asherah é
  chamada de Atirat, consorte de El,
  principal Deus do panteão cananeu no II milênio a.E.C, sendo mencionada
  também como ‘Elat, forma feminina de El. Nos textos ugaríticos, Asherah (ou seja, Atirat ou ‘Elat) é a mãe dos Deuses, simbolizando a Deusa do amor,
  do sexo e da fertilidade.
 Também foram escavados vários pingentes ugaríticos que retratam uma Deusa, provavelmente Atirat/ ‘Elat. A figura humana
  estilizada nestes pingentes contém o rosto, os seios e a região púbica e uma
  pequena árvore estilizada gravada acima do triângulo púbico.
 Em 1934, o arqueólogo britânico James L. Starkey encontrou o jarro de Lachish,
  datado aproximadamente no 13º século a.E.C,
  provavelmente ano 1220.
 O jarro é decorado e contém inscrições raras do antigo
  alfabeto semítico. Na decoração há o desenho de uma árvore flanqueada por
  duas cabras com longos chifres para trás, que, segundo Ruth Hestrin, representa Asherah.
  Uma inscrição que segue pela borda do jarro tem sido reconstruída e traduzida
  por Frank M. Cross, como:
  “Mattan. Um oferecimento para minha senhora 'Elat”.
 Não se sabe quem é Mattan, mas está claro que ele
  faz uma oferenda para 'Elat, que é o feminino para El, chefe do panteão cananeu no
  II milênio a.E.C,
  equivalente ao pré-bíblico Asherah. Nota-se um dado
  importante, o nome 'Elat está escrito logo acima da
  árvore, representação de 'Elat/ Asherah.
  Há uma possibilidade deste jarro e seu conteúdo terem sido uma oferenda à
  Deusa (Hestrin, 1991, p.
  54).
 No entanto, foi no templo de Arad,
  no Neguev, ao sul de Jerusalém, que se encontrou
  fortes evidências de Asherah. No santuário interno
  foram encontrados dois altares diante de um par de pedras verticais,
  possivelmente lugar de culto a Yahweh e Asherah. Um outro altar foi encontrado
  no pátio externo do templo com tigelas dos sacerdotes e cinzas de ossos de
  animais queimados, no canto uma irmandade local e altares com pedras duplas (Discovery, 1993). Segundo Elaine
  Neuenfeldt (1999, p. 6),
  o templo é datado aproximadamente da época do Bronze Recente, entre o 10º e 8º
  séculos a.E.C., quando possivelmente a reforma de Ezequias o extinguiu (2Rs 18).
 Em Khirbet el-Qom, ao
  oeste de Hebron, em 1967, outro arqueólogo
  encontrou um túmulo judaico da segunda metade do século VIII (Discovery, 1993), com uma inscrição na parede interior
  que Croatto (2001, p. 36)
  traduz como:
 “1. Urijahu
  [...] sua inscrição.
 2. Abençoado seja Urijahu
  por Javé (lyhwh)
 3. sua luz por
  Asherah, a que mantém sua mão sobre ele
 4. por sua rpy, que...”
 Segundo Hestrin, em 1975-1976,
  o arqueólogo israelita Ze’ev Meshel,
  em Kuntillet Adjrud, 50km
  ao sul de Qadesh-Barnea, na antiga estrada de Gaza
  a Elat, escavou uma pousada no deserto que continha
  várias inscrições. Controlado por Israel, este posto estatal encontrava-se em
  território de Judá, funcionando aproximadamente entre 800-775 a.E.C. No prédio principal, em sua entrada, duas jarras
  de armazenagem com desenhos e inscrições foram encontradas e identificadas
  como pithos A e pithos B.
  Na inscrição do pithos A se lê:
 “Diz... Diga a Jehallel...
  Josafa e...”:
 Abençoo-vos em YHWH de Samaria e sua Asherah”.
 
 No pithos B se lê:
 
 “Diz Amarjahu: Diga ao meu Senhor: Estás bem?”.
 Abençoo-te em YHWH de Teman e sua Asherah.
 Ele te abençoa e te guarde e com meu senhor ”.
 Neste pithos aparecem três figuras, duas masculinas
  retratos do Deus egípcio Bes e uma claramente
  feminina (seios em destaque) tocando uma lira.
 Em 1968, o arqueólogo americano Paul Lapp
  escavou um outro artefato muito famoso em Taanach, datando ao final do 10º século a.E.C (Hestrin, 1991, p. 57). Num dos quartos da instalação cúltica
  foram encontrados prensa de óleo, forma para fazer figuras de Asherah, sessenta pesos de tear e 140 ossos de
  articulações de ovelhas e cabras (Neuenfeldt, 1999,
  p. 7).
 Um quadrado oco de terracota, aberto na base, composto de quatro níveis ou
  róis também foi encontrado. Conforme Ruth Hestrin
  (1991, p. 57-58), no rol inferior, uma mulher nua
  flanqueada por dois leões é mais uma representação de Asherah,
  Deusa-mãe. No segundo rol temos uma abertura vazia no meio (provavelmente a entrada do templo) flanqueada por
  duas esfinges (corpo de leão, asas de pássaros e cabeça de mulher). O
  terceiro rol traz uma árvore sagrada da qual saem três pares de galhos,
  simbolizando a Deusa principal, Asherah, consorte
  de Baal e fonte da fertilidade, sendo flanqueada
  possivelmente por duas leoas. No rol superior temos um touro sem chifres, com
  um disco de sol em cima, o que simboliza o Deus supremo não só na Mesopotâmia
  e no panteão hitita, como também no panteão cananeu. O jovem touro representa Baal,
  principal Deus do panteão cananeu, que no II milênio substituiu El, cabeça
  do panteão.
 Em 1960, a arqueóloga inglesa Kathyn
  Kenyon descobriu centenas de estatuetas femininas
  quebradas em uma caverna perto do templo de Salomão em Jerusalém, para vários
  estudiosos essa descoberta sinalizou a existência do templo, para outros
  determinou o fim dos cultos pagãos pelo rei Josias,
  o qual ordenou a destruição de todos os vasos feitos para Baal
  e Asherah (Discovery,
  1993).
 Portanto, Asherah quase sempre foi adorada sob o
  corpo de uma árvore, seu culto era principalmente realizado ao redor de uma
  árvore natural ou estilizada, de um poste sagrado que podia estar ao lado de
  um altar seu ou de outra divindade.
 “Porém, seu culto foi realizado, de
  preferência, debaixo de uma árvore natural, nos chamados 'lugares
  altos', santuários ao ar vivo no topo das colinas e
  montanhas. Na maioria do tempo, uma imagem ou símbolo de Asherah
  estava também presente dentro do próprio templo de Jerusalém" (Ottermann, 2005, p. 49).
 Deusa Asherah: uma imagem a partir dos escritos bíblicos
 Conforme Ruth Hestrin (1991, p. 50), Asherah é mencionada
  cerca de 40 vezes na Bíblia Hebraica, de três formas diferentes, ora como uma
  imagem que representa a própria Deusa, ora como uma árvore ou como um tronco
  de árvore, que a simbolizam.
 O culto a Asherah foi muito popular em Israel e
  Judá. O rei Asa (912-871 a.E.C), que ficou no poder
  durante 41 anos em Judá, empreendeu uma restauração no culto a Yahweh e “chegou a retirar de sua mãe a dignidade de
  Grande Dama, porque ela fizera um ídolo para Aserá; Asa quebrou o ídolo e
  queimou-o no vale do Cedron” (1Rs 15,13; cf. 2Cr
  15,16). O ídolo remete na palavra hebraica mifleset,
  a algum objeto de culto, provavelmente de madeira.
  É interessante perceber que o culto se dá no palácio, em ambiente oficial (Croatto, 2001, p. 40-41). Já na
  passagem de 1Rs 16,33 “Acab erigiu também um poste
  sagrado...” demonstrando que Asherah também foi
  adorada em Israel.
 Em 2Cr 14,1-2, onde o rei Asa é lembrado como o rei que fez o que é “bom e
  justo aos olhos de Yahweh, seu Deus”, exatamente porque “eliminou os altares do estrangeiro e
  os lugares altos, despedaçou as estelas, destruiu as aserás...”
  ordenando o povo a praticar a lei e os mandamentos de Yahweh
  (cf. Jz 3,7).
 Refletindo sobre os textos bíblicos que mencionam a
  Deusa Asherah teremos como pano de fundo o contexto
  que Silvia Schroer tão
  bem elucida,
 “os/as repatriados/as da Babilônia tinham integrado a questão da culpa de tal
  maneira que consideravam sobretudo o culto às deusas como motivo da ruína de
  Israel. Os expoentes deste grupo conseguiram banir de Judá quase
  completamente o culto às deusas dentro de um século e de apagar, o máximo
  possível, as memórias dele. Não é por acaso que o culto clandestino à deusa
  acontece no contexto de proibições misóginas e xenófobas de casamentos
  mistos. Todas as tentativas que seguem, de integrar a deusa pelo menos na
  linguagem teológica, são tentativas assentadas dentro do sistema monoteísta” (Schroer, 1995, p.
  40).
 A partir desta perspectiva, de demonização
  da Deusa ou das Deusas, Asherah passa a se tornar a
  Deusa proibida, a causa dos males e da ruína de Israel.
 A marginalização do feminino, das mulheres é um processo que também se dá e
  se sustenta por meio de escritos bíblicos justificadores de uma sociedade
  patriarcal, atuando assim no que podemos chamar de
  “desempoderamento” das mulheres a partir do
  sagrado, o que trouxe e traz fortes impactos nas dimensões culturais,
  religiosas, sociais, econômicas e políticas.
 Há uma preocupação dos redatores bíblicos de
  excluir qualquer suspeita da Deusa Asherah ao lado
  de Yahweh, como sua consorte. No entanto, as
  inúmeras citações sobre Asherah demonstram seu peso
  no contexto religioso e isso fez dela uma grande ameaça ao monoteísmo javista em ascensão.
 O rei Josafá (871-848 a.E.C), filho e sucessor do rei Asa, deu continuidade à
  política de seu pai, “Yahweh manteve o reino em
  suas mãos” (2Cr 17,5), pois “seu coração caminhou nas sendas de Yahweh e ele suprimiu de novo em Judá os lugares altos e
  as aserás” (2Cr 17,6). Em outra passagem, Josafá após combater contra Aram, apesar de ferido, volta
  com vida para Jerusalém sendo aclamado por Jeú, o
  vidente,
 “deve-se levar
  auxílio ao ímpio? Amarias aqueles que odeiam Yahweh,
  para assim atrair sobre ti sua cólera? Todavia, foi encontrado em ti algo de
  bom, pois eliminaste da terra as aserás e aplicaste
  teu coração à procura de Deus” (2Cr 19,3).
 Ezequias (727-698 a.E.C),
  filho e sucessor de Acaz, é lembrado como o rei que
  “fez o que é agradável aos olhos de Yahweh”.
  Durante o seu reinado, após a celebração da Páscoa e da festa dos Ázimos é
  empreendida uma reforma do culto,
 “terminadas
  todas essas festas, todo o Israel que lá se achava saiu pelas cidades de Judá
  quebrando as estelas, despedaçando as aserás,
  demolindo os lugares altos e os altares, para eliminá-los por completo de
  todo o Judá, Benjamim, Efraim e Manassés.
  A seguir, todos os israelitas voltaram para suas cidades, cada um para seu patrimônio” (2Cr 31,1).
 Nesta época o Reino do Norte, Israel, já havia sido destruído, sendo assim,
  Judá, Reino do Sul, tornou-se o único espaço onde a identidade religiosa do
  povo de Yahweh poderia ser mantida. Foi nesse
  contexto que Ezequias promoveu uma extensa reforma
  religiosa e política, com intenções de reunir o povo em torno de um só Deus e
  um só rei. Por isso, Ezequias é exaltado pelos redatores deuteronomistas como
  o rei que “fez o que agrada aos olhos de Yahweh”
  (2Rs 18,3). A reforma religiosa de Ezequias era
  baseada nas seguintes medidas: no combate a idolatria, na centralização do
  culto a Yahweh em Jerusalém e no cumprimento dos
  mandamentos. Tais medidas podem ter sido fundamentadas no documento trazido
  do Norte (Dt 12-26), que foi adaptado à reforma em
  Judá. Josias retoma 100 anos mais tarde este
  documento para empreender sua reforma religiosa e política (Gass, 2005, p. 78-83).
 
 O rei Manassés (698-643 a.E.C), filho e sucessor de Ezequias,
  é lembrado pelos redatores como um rei que “fez mal
  aos olhos de Yahweh”, justamente porque reconstruiu
  os lugares altos que seu pai havia destruído, ergueu altares para os baais e fabricou postes sagrados, prestando-lhes culto.
  No entanto, foi construir altares dentro do Templo de Yahweh
  (2Rs 21,7) a maior abominação para os redatores,
  que ao final dos escritos sobre Manassés relatam
  sua conversão a Yahweh. “Sua oração e como foi
  ouvido, todos os seus pecados e sua impiedade, os sítios onde havia
  construído os lugares altos e erguido aserás e
  ídolos antes de se ter humilhado, tudo está consignado na história de Hozai” (2Cr 33,19).
 O rei Josias (640-609 a.E.C)
  empreendeu uma reforma a partir de 622 a.E.C
  fazendo de Jerusalém o centro político e religioso de seu estado, destruindo
  os santuários de Yahweh que havia no interior e
  acabando com os cultos cananeus e assírios, que
  aconteciam no templo de Jerusalém e nos lugares altos. A reforma de Josias atingiu a liberdade religiosa popular, pois
  ordenou
 “a Helcias, o sumo sacerdote, aos sacerdotes que ocupavam o
  segundo lugar e aos guardas das portas que retirassem do santuário de Yahweh todos os objetos de
  culto que tinham sido feitos para Baal, para Aserá
  e para todo o exército do céu, queimou-os fora de Jerusalém, nos campos do Cedron e levou suas cinzas para Betel”
  (2Rs 23,4).
 com isso, o culto exclusivo a Yahweh
  é reafirmado pela corte e pela classe sacerdotal de Jerusalém, exclusividade
  que custou caro à religiosidade popular (Gass,
  2005, p. 134-138).
 Josias ainda “demoliu as casas dos prostitutos sagrados, que estavam no
  templo de Yahweh, onde as mulheres teciam véus para
  Aserá” (2Rs 23,7). Aqui provavelmente se trata de vestidos feitos para a
  estátua de Asherah (Croatto,
  2001, p. 41).
 As intenções daqueles que redigiram tais textos parecem claras, ou seja,
  querem demonstrar que o “bom e justo” rei e povo é aquele que elimina
  qualquer resquício da presença de outros Deuses e Deusas em Israel, que o rei
  ou povo que “faz mal aos olhos de Yahweh” seria
  justamente aquele que aceita a realidade politeísta.
 Na citação a seguir além de derrubar, despedaçar e reduzir a pó os altares, Josias manda espalhar este pó sobre o túmulo dos que
  ofereciam sacrifício a Baal e Asherah,
  ou seja, está explicíto que pessoas foram
  assassinadas. Aqui o nome Asherah aparece no
  plural,
 “no oitavo ano de seu
  reinado, quando ainda não era mais que um adolescente, começou a buscar ao
  Deus de Davi, seu antepassado. No décimo segundo
  ano de seu reinado, começou a purificar Judá e Jerusalém dos lugares altos,
  das aserás, dos ídolos de madeira ou de metal
  fundido. Derrubaram diante dele os altares dos baais,
  ele próprio demoliu os altares de incensos que estavam sobre eles, despedaçou
  as aserás, os ídolos de madeira ou de metal
  fundido, e tendo-os reduzido a pó, espalhou o pó sobre os túmulos dos que
  lhes ofereceram sacrifícios (...) Nas cidades de Manassés,
  de Efraim, de Simeão e
  também de Neftali e nos territórios devastados que
  os rodeavam, ele demoliu os altares, as aserás,
  quebrou e pulverizou os ídolos, derrubou os altares de incenso em toda a
  terra de Israel e depois voltou para Jerusalém” (2Cr 34,3-4.6-7).
 Em Is 27,9 a Deusa Asherah é taxada de forma
  explícita como o pecado de Israel, a causa de sua iniqüidade
  e ruína, devendo ser banida por completo,
 “porque, com
  isto, será expiada a iniqüidade de Jacó. Este será o fruto que ele há de recolher da
  renúncia ao seu pecado, quando reduzir todas as pedras do altar a pedaços,
  como pedras de calcário, quando as Aserás e os
  altares de incenso já não permanecerem de pé”.
 Está claro que a ascensão do culto exclusivo a Yahweh não se faz de forma tranqüila,
  mas de forma violenta, a partir da intolerância religiosa, da destruição e da
  eliminação por completo do outro, que se torna uma ameaça.
 A proibição “não plantarás um poste sagrado ou qualquer árvore ao lado de um
  altar de Yahweh teu Deus que hajas feito para ti,
  nem levantarás uma estela, porque Yahweh teu Deus a
  odeia” (Dt 16-21-22), conforme Croatto
  (2001, p.42), revela que o objeto que simboliza Asherah é feito de madeira, que está plantado, ou seja, é
  um poste ou uma estaca e não uma estátua, que sua colocação “ao lado de um
  altar de Yahweh” transparece o caráter
  cultual do símbolo e principalmente a associação da
  Deusa simbolizada junto com o próprio Yahweh.
 Acab (874-853 a.E.C) construiu um templo de Baal para sua esposa fenícia, “erigiu também um poste
  sagrado e cometeu ainda outros pecados, irritando Yahweh,
  Deus de Israel, mais que todos os reis de Israel que o precederam” (1Rs
  16,33).
 Os redatores deuteronomistas
  se queixam que na época do rei Joacaz (813-797 a.E.C) o culto a Asherah esteve
  presente “todavia, não se apartaram do pecado ao qual a casa de Jeroboão havia arrastado Israel; obstinaram-se nele e até
  mesmo o poste sagrado permaneceu de pé em Samaria” (2Rs 13,6). A ruína da
  Samaria é então explicada em 2Rs 17,16 porque “rejeitaram os mandamentos de Yahweh seu Deus, fabricaram para si estátuas de metal
  fundido, os dois bezerros de ouro, fizeram um poste sagrado, adoraram todo o
  exército do céu e prestaram culto a Baal”.
 Os redatores bíblicos tinham uma intenção nítida,
  contar a história a partir de Yahweh, único Deus,
  de tal forma que Asherah de consorte passe a ser
  sua rival, ou seja, a elite de escritores bíblicos tinham uma idéia clara
  daquilo que Deus deveria ser: único e masculino, Yahweh,
  negando assim toda a realidade politeísta em Israel.
 Conclusões
 Asherah possivelmente era uma Deusa e consorte de Yahweh
  no Antigo Israel e não um simples atributo deste. A proibição da Deusa Asherah é fruto de um dado momento histórico de
  elaboração e ascensão do monoteísmo javista, onde a
  identidade judaica, após a drástica experiência do exílio babilônico
  e na tentativa de reorganização da nação, passa a se constituir em torno de
  três pilares: um só Deus, um só Povo e uma só Lei. A centralidade em Yahweh se torna um fator
  importante de credibilidade e legitimação da nova identidade nacional em
  formação, resultado das reformas empreendidas por Esdras
  e Neemias. A idolatria se torna então a culpa da
  ruína de Israel e neste contexto Yahweh é
  triunfante. Isso irá se refletir no conflito que os
  textos bíblicos demonstram em relação a Asherah e a
  outros Deuses e Deusas, bem como, em relação principalmente às mulheres
  estrangeiras.
 Podemos claramente perceber que a elaboração e
  instituição do monoteísmo não se deu de forma democrática e muito menos
  pacífica. A partir de um contexto politeísta, a centralidade em Yahweh é um processo violento, de destruição da cultura
  religiosa do outro e da outra, de proibição do diferente, demonizando-o
  e tornando-o uma ameaça. Um processo nítido de intolerância religiosa.
 A supressão do culto e da imagem da Deusa Asherah
  traz consigo conseqüências profundas para as
  relações entre os gêneros, afetando
  em especial aos corpos das mulheres, que tinham na Deusa uma possibilidade de
  representação do feminino no sagrado. A religião judaica vai se constituindo
  em torno de um único Deus masculino, legitimando historicamente uma sociedade
  patriarcal. Este poder divino imaginado somente como Deus afetou
  as mulheres, as crianças, a natureza, pois quase sempre partiu de um
  pressuposto de dominação, opressão e hierarquização das relações, tanto
  humanas como ecológicas.
 Afirmar Asherah como Deusa é polêmico,
  mas necessário à religião e à pesquisa bíblica. Dar voz a uma época em que
  Deuses e Deusas eram adorados, em que o próprio Yahweh
  foi adorado ao lado de Asherah, nos impulsiona a re-pensar não só as relações pré-estabelecidas entre
  homens e mulheres, bem como, a própria representação do sagrado estabelecida.
 Re-imaginar o sagrado como Deusa é re-imaginar as relações de poder, não numa tentativa de
  apagar a presença de Deus e sim de dar espaço ao feminino no sagrado,
  novamente o feminino não como um atributo do Deus masculino, mas como Deusa.
   Esta talvez seja
  uma grande contribuição da reflexão feminista, que nos desloca e nos provoca
  a re-imaginar o sagrado, como possibilidade de re-imaginar a sociedade e as estruturas cristalizadas
  secularmente. Referências
 
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  2003.
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  Curso de Teologia) – IEPG/EST, São Leopoldo, 1999. OTTERMANN, Monika. Vida e prazer em abundância: A Deusa Árvore.
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  Fragmentos de Cultura. Goiânia, V 13, nº 5, p. 967-987, 2003. ______. A serpente
  e o monoteísmo. Hermenêuticas Bíblicas: Contribuições ao I Congresso
  Brasileiro de Pesquisa Bíblica. São Leopoldo: Oikos;
  Goiânia: UCG, p.115-128, 2006. RUETHER, Rosemary Radford. Sexismo e
  religião: rumo a uma teologia feminista. Tradução de Walter
  Altmann e Luís M. Sander.
  São Leopoldo: Sinodal, 1993. SCHROER, Silvia. A Caminho para uma reconstrução feminista da
  História de Israel. Tradução de Monika Ottermann, (s.d.) 1995.   (Fonte:http://www.abiblia.org/artigosview.asp?id=80)      Para voltar ao tema:  Bíblia
     Veja também:
 BIBLIA ON-LINE Orações – pag. 1 Orações – pag. 2 Orações – pag. 3 Santos & Nossas Senhoras Simpatias Magias & Feitiços Rápidos Anjos  
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