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MITOS E MITOLOGIA

MITOLOGIA FENÍCIA

 

O PAÍS

A Fenícia correspondia à maior parte do litoral da Síria ho­dierna; tinha por limites, ao Sul, o monte Carmelo; ao Norte, o golfo de Isso, depois o território da cidade de Arados ou Arvad, o rio Eleutério (hoje Nahr-el-Kebir). A Este era limitada pela cadeia do Líbano, a Oeste pelo mar. A situação geográfica da Fenícia justifica plenamente o destino histórico de seus habi­tantes. Os fenícios nada podiam esperar da agricultura; somente ao Norte, perto da embocadura do Eleutério, e ao Sul, perto de Acre, estendem-se verdadeiras planícies. Excluída a região de Sídon e de Tiro, que constituiria depois o cabo Branco até Asclépio (Nahr-Awali), a "planície da Fenícia", a montanha segue de perto a margem e os espaços cultiváveis são insuficientes, como já o eram na proto-história, para alimentar o povo; o destino dos fenícios, pois, era o mar.

A cadeia do Líbano, cujo nome significa "branco", começa ao sul do Nahr-eI-Kebir e termina no vale cavado pelo Nahr-Qasi­miyeh; estende-se por 100 km de comprimento e ultrapassa, em alguns pontos, 3000 m de altitude; é uma barreira difícil de ser transposta.

A população da Fenícia era assaz densa; os textos mencio­nam 25 cidades importantes; estas, do ponto de vista político­-religioso, foram: Gebal, centro de culto Importantíssimo; Sídon, apelidada de "mãe de Canaã"; Tiro que, além da sua importância comercial. exerceu papel preponderante na constituição dos dogmas da religião fenícia; Ugarit (hoje Ras-hamra), em razão do seu afastamento, tinha mais independênçia que as cidades centrais da Fenícia; Bérito (hoje Beirute), sobre o cabo do mesmo nome, era centro importante, tanto comercial como reli­gioso.

 

O Povo

 

Como ocorre frequentemente com as narrações históricas da antigüidade, as mais antigas testemunhas que possuímos sobre a Fenícia são em parte lendárias. As fundações de cidades são obras de deuses. Os mitos tírios referem que logo após a criação do mundo surgiu uma raça de semi-deuses, depois de gigantes, que inventou tudo o que podia ser útil à humanidade; um deles, Usoos, o caçador, foi o primeiro que se aventurou a enfrentar o mar, sobre um toco de árvore; aterrou numa ilha da costa síria, e nela ergueu duas colunas, uma ao Fogo outra ao Vento; der­ramou o sangue dos animais que caçara e fundou, ao mesmo tempo, Tiro e a religião que depois os homens adotaram. Segundo outro mito, Tiro vogava sobre o mar e abrigava a oliveira de Astarte, sobre a qual vigiavam uma águia e uma serpente; a ilha deixaria de vogar ao acaso quando alguém conseguisse sacri­ficar a águia aos deuses. Usoos conseguiu e desde então os deu­ses não deixaram mais de habitar Tiro.Nessa cidade nasceu

Astarte; Heródoto, que visitou o país por volta de 450 a.C., nos refere que os sacerdotes de Tiro lhe asseguraram que o templo de Melcarte fora construído ao mesmo tempo que a cidade, 2300 anos antes da época da sua visita; teria, então, sido fundada em 2750 a.C. Mas Justino afirma que Tiro foi fundada um ano antes da queda de Tróia, vale dizer, por volta do ano 1200 a.C. Com as demais cidades ocorre o mesmo: não se tem certeza de quando começaram a existir.

No período pré-histórico, mais de 3000 anos antes da nossa era, a região sul e sudeste da Fenícia era habitada de povos que moravam em cavernas (os gregos chamavam esses homens tro­gloditas) e nelas dispunham seus lugares de culto; muito antes do período histórico os semitas se espalharam pelo país; forma­ram tribos sedentárias, conhecidas pelos egípcios com o nome de Amu ("nômades"), Horu ("a região costeira"), Lotanu ("zona interior"); mas os habitantes das cavernas não tinham desapa­recido de todo; provavelmente os egípcios se referiam a eles quando falavam nos Iuntius. A Alta gíria, então, era conhecida pelo nome de Amurru ("País do Oeste"); era um verdadeiro reser­vatório de semitas, cujas migrações atingiram o norte, além do Tauro, e a Babilônia, a este. No segundo milenário, toda a retaguarda do país e a Fenícia eram conhecidas com o nome de Canaã.

Desde a antiguidade admitiu-se que os fenícios não eram autóctones; Heródoto achava que tinham vindo das margens do mar Eritreu; parece provável que vieram de Amurru, o Norte da Síria; outras tradições afirmavam que procediam daquela região que os egípcios chamavam Punto.

As cidades fenícias não possuíam governo central, mas eram autónomas; essa a razão por que quase sempre estavam sob domí­nio estrangeiro. O Egipto, desde épocas imemoriais, teve grande ascendência sobre a Fenícia. A escrita dos povos primitivos é pictográfica, isto é, representa os objetos na sua forma exterior; o melhor exemplo é a linguagem escrita dos egípcios, cujos hier6­glifos não são outra coisa senão pinturas convencionais dos obje­tos que representam coisas e idéias. A escrita cuneiforme, no início, também era pictográfica, assim como a dos hititas.

Os mesopotâmios, por primeiro, chegaram à noção de sílaba que compõe a palavra: ao lado dos valores ideográficos, que permaneceram, atribuíram à sílaba valor silábico; conseguiram, até, destacar as vogais como som simples, mas não puderam ultrapassar este estágio e não chegaram à consoante privada de vogal.

Atribui-se, comumente, aos fenícios a invenção e propagação do alfabeto; a data geral dessa invenção deve ser colocada no fim do II milenário, por volta de 1 200 a.C.

O alfabeto fenício se compõe de 22 letras, todas consoantes; as vogais não se escreviam. É provável que os fenícios tenham derivado seu alfabeto da escrita hierática dos egípcios.

As letras fenícias tinham nome e este passou para o grego, com pequenas modificações: aleph (a), bet (b), gimmel (g), dalet (d), transformaram-se em alfa (a), beta (b), gama (g), delta (d) etc.

O fenício é uma subdivisão da língua cananeia, semita, junta­mente com o hebreu, ao qual muito se assemelha.

 

A RELIGIÃO

 

Para os países de civilização muito antiga, tais como o Egipto, a Assíria-Babilónia e a Fenícia, a religião é a base da sociedade. Conhecemos a religião fenícia através de duas fontes dife­rentes, que representam, igualmente, dois estágios diversos na sua evolução histórica:

1) os textos de Ras-Shamra, reflexo das tradi­ções mais antigas;

2) os escritos da baixa época que testemunham o que se tinha tornado a religião a partir da era greco-romana.

Da leitura dos textos de Ras-Shamra resulta que no fastígio do panteão fenício se achava EI-Dágon; suas atribuições eram velar pelo curso dos rios e anunciar a chuva; tinha por compa­nheira Aserat do Mar, chamada, também, Elat. Depois vinha Baal, palavra que significa "senhor"; trata-se, sem dúvida, de um epíteto; parece que Baal foi um deus adoptado pelos fenícios depois que o panteão já tinha sido esboçado; Baal seria, pois, um deus local, pré-fenício. Era um deus guerreiro, com capa­cete, trazendo o raio na mão; esses atributos o identificam com o Grande Deus da Alta gíria que encontramos entre os hurritas e os hititas; em suma, é uma velha divindade asiânica.

Aliian, filho de Baal, tinha atribuições mais ou menos idên­ticas às do pai: presidia às correntes d'água subterrâneas, aos cursos d'água, e por extensão, ao mar.

A irmã de Aliian é Anat, virgem guerreira que tem todos os caracteres da Istar de Arbela, dos assírios. Astarte, que parece, no princípio, ter sido uma réplica de Anat, tinha, então, o nome de Astart; confundiu-se com Anat na baixa época sob o nome de Astarte, do qual fizeram Atárgatis. O antagonista de Aliian é seu irmão Mot (segundo Fílon de Biblos, a palavra significa "morte"; conforme R. Dussaud, tem o sentido de "o herói", o "guerreiro"), que tem os caracteres do Nergal babilónio, ao mesmo tempo sol do meio-dia, destruidor de toda vegetação, e deus dos infernos. Baal é um deus dos extremos: da tempestade que quebra e destrói e da chuva que fertiliza; Aliian é um deus das fontes e dos córregos, que faz o grão germinar, mas também da inundação que assola e arruina tudo; Mot é o espírito da colheita e do período de sono e descanso que a seguem na terra. Aliian (cuja sorte arrasta a de Baal) não pode, pois, coexistir com Mot; quando um está sobre a terra, o outro se acha nos infernos, já que ambos traduzem a alternância das estações. Esse fato é expresso na lenda de Istar e Adónis.

A "lenda do sábio Danel" igualmente tem traços de ritos agrários; o "hino ao deus Nical e às deusas Cosarot" contém a descrição de um hieros gamos ("casamento sagrado") entre divin­dades: são, ainda, ritos de fertilidade. Do exposto verifica-se que a religião fenícia, no meio do milenário, conservou com muita pureza os múltiplos traços da sua origem: é um ramo da religião asiânica primitiva das forças da fertilidade e da fecun­dação.

O exame da religião fenícia da baixa época revela que o carácter naturista, asiânico, tomou forma diferente sob a influên­cia da filosofia grega e de outros elementos alienígenas; mas as grandes divindades permanecem perfeitamente reconhecíveis.

São desse período as cosmogonias, a origem dos deuses e a criação do homem; há vários traços que lembram as narrações da Bíblia.

 

O PANTEÃO FENÍCIO

 

Os documentos da baixa época comumente transcrevem os nomes das divindades fenícias sob forma grega; os nomes fení­cios, em geral, são teóforos. Da multidão de divindades fenícias somente algumas emergiram até nós, os chamados Grandes deu­ses; estes eram adorados em diferentes lugares, cada cidade tinha preferência por determinado deus, o padroeiro, mas não excluía o culto dos demais; os fenícios os designavam pelo nome de Alonim, plural de El e que significa "deus" em língua semita, e pelo nome de Baalim, plural de Baal, que significa "senhor"; eram chamados, também, de melec ("rei") e adon ("senhor"). Freqüentemente consideram Baal como o nome de divindade determinada; na verdade, Baal designa os deuses em geral; o Baal de Tiro era "o senhor de Tiro", o Baal do Líbano era "o senhor do Líbano" etc.

A maior parte dos nomes divinos eram perífrases: Melcarte era "o rei da cidade".

Já que a maior parte das cidades fenícias reverenciavam um baal, é conveniente qualificar, sempre, o nome do lugar onde ele era adorado: Baal-rosh ("senhor do promontório"), Baal-sáfon ("senhor do norte"), Baal-shamin ("senhor dos céus"). Baal-Lé­banon (" senhor do Líbano") etc.

Melcarte -.Era o baal de Tiro e seu nome significa, simples­mente, "o deus da cidade", que nada explica da sua identidade; na origem era um deus tribal; os gregos o assimilaram a Héracles (Hércules). Seu carácter, na origem, era solar; mais tarde, sem perder seus atributos primitivos, ganhou outros, notadamente o de divindade marinha.

Dágon -O Baal Dágon, cognominado Síton, adquiriu, na baixa época, atributos marinhos; mas seu caráter primitivo per­maneceu na história dos Urânides; explicam seu nome ligando-o a uma palavra que significa "trigo" ou "oferenda de trigo"; mais tarde, por causa do carácter marinho que lhe atribuíram, ligaram seu nome à raiz semita que tem o sentido de "peixe"; conforme a Bíblia (I Samuel, V, 3-4) e às moedas greco-romanas de Abido, podemos identificá-lo com o deus-peixe Oanes da Caldeia.

Esmun -Em Sídon reinava um deus que não era chamado de Baal, Esmun, que foi identificado com Asclépios (Esculápio); era deus da saúde e, primitivamente, divindade ctônia. A etimo­logia de Esmun não é pacífica; conforme Lidzbarski, seria forma derivada de shem, "o nome" por excelência, antigo titulo divino que desapareceu muito cedo; seria, então, simples epíteto como Baal.

Astart -As duas grandes cidades do norte da Fenícia adora­vam em primeiro lugar não um dos múltiplos Baal, mas uma Baalat, forma feminina daquele nome, que se pode traduzir por "senhora" ou "dama". Em Beirute havia a Baalat-Beirut, isto é, "A Senhora de Beirute", por exemplo.

Astart parece a prosódia melhor; daí a forma grega Astarte. Astoret tem origem arbitrária.

Astart era a personificação da fecundidade, a deusa da mater­nidade e da fertilidade, a deusa-mãe; entre os assírio-babilônios assumiu, também, aspectos bélicos; mas o primitivo sempre pre­valeceu na Fenícia. Os gregos a identificaram com Mrodite. Sua natureza era de tal modo compreensiva que a consideraram ora Réia ora Cibele ora a Grande Deusa Síria.

Adónis - O culto desta divindade esteve sempre intimamente unido ao de Astart; era representado sob os traços de um belo mancebo; numa caçada, foi morto por furioso javali; Astart, sua amante, foi aos infernos buscá-lo. A narrativa da história de Adónis, devida ao poeta Paníasis õu Paníase (primeira metade do V século a.C.), é a mais antiga, de procedência grega, que possuímos.

O nascimento milagroso de Adónis lembra que ele era uma divindade agrária, um espírito da vegetação; seu culto era cele­brado em toda a Fenícia. Veja-se a história de Adônis no Dicio­nário da Mitologia greco-romana, de Tassilo Orpheu Spalding. A personalidade de Adônis é assaz obscura; nenhum texto fenício, grego ou latino esclarece o assunto; o nome é a forma helenizada da palavra semita adon, "senhor"; Adónis ficou res­trito ao mundo greco-romano; as línguas hebraica e siríaca cha­mavam esse deus Tamuz.

A verdadeira personalidade de Adónis nos é revelada por Damáscio (VI século da nossa era), que refere não "ser o deus nem egípcio nem grego, mas fenício, sendo seu nome Esmunos; era filho de Sadicos". Este texto nos faz compreender a verda­deira identidade de Adônis: ele esconde o nome de Esmun, como o titulo baal dissimula o verdadeiro nome do Grande deus.

 

OS DEUSES DE CARTAGO

 

Os deuses de Cartago foram os da Fenícia, pois Tiro era a metrópole da cidade.

De modo especial eram reverenciados em Cartago:

Baal-Há­mon, que os romanos identificaram com Cronos ou Saturno; Esmun e Astart, que tomou, em Cartago, o nome de Tanit (em português Tânita), assimilada pelos romanos a Juno Celeste; entre os deuses de segunda categoria cultuavam: Adônis, Bés, anão grotesco cujo culto proviera da Asia ocidental e do Egito, e os gênios, benéficos e maléficos.

Por natureza, Baal-Hámon é deus celeste e o único do pan­teão fenício que Fílon de Biblos não explica pelo evemerismo, como simples mortal. Como havia uma divindade africana cha­mada Júpiter-Amon, a confusão se originou entre ambos; as características de Baal-Hámon fizeram com que o identificassem com o Zeus Celeste; na realidade, eram duas divindades distintas, o que prova a ortografia verdadeira do nome primitivo do deus, Baal-Hámon, logo esquecida a favor da grafia freqüente mas errônea: Baal-Amon.

Moloque (nos cilindros-sinetes aparece a forma Malac), isto é, "rei", era apresentado sob a forma de homem com cabeça,de touro; essa divindade também era adorada pelos amonitas e moabitas; os cartagineses introduziram seu culto na Sicília em 512 a.C. Foi identificado com Baal e com o Cronos grego. Sacri­ficavam-lhe vítimas humanas, notadamente crianças. Segundo Diodoro, a estátua de Moloque era de metal (bronze) e tinha os braços estendidos para receber as vítimas humanas que lhe ofe­reciam (v. Sacrifícios humanos).

Pensa-se que o famoso touro de Fálaris era um representação desse ídolo, com o qual o Minotauro das lendas gregas também tem afinidade.

 

Sacrifícios HUMANOS

 

O sacrifício dos primeiros filhos masculinos era prática cor­rente entre os cananeus da alta antiguidade; os fenícios guarda­ram esse costume até época avançada. Refere Fílon que ele era de uso em ocasiões de grande calamidade pública; sacrificavam­-se, então, as crianças mais queridas, a fim de afastar as desgra­ças; nos tempos ordinários substituía-se a vítima humana por um animal; nas fundações de templo sacrificavam-se hóstias humanas, como se verifica no templo de Tânita, em Cartago, e nas escavações de Kafer-Djarra, velho sítio cananeu.

Refere Diodoro que após a vitória dos cartagineses sobre Agá­tocles (307 a.C.), os prisioneiros foram imolados no altar dos deuses; é ainda Diodoro quem nos revela a imolação de dois meninos na Sicília, provavelmente quando na ilha foi introduzido o culto de Moloque.

Assegura-nos Tertuliano que ainda no seu tempo (III século da nossa era) se faziam, em segredo, sacrifícios humanos.

 

AS ADÓNIAS

As festas religiosas dos fenícios tinham quase sempre carácter de peregrinação, pois os templos, em geral, estavam Situados sobre colinas vizinhas às grandes cidades; o santuário de Baal­-Marcod, um dos mais famosos templos de Beirute, se erguia acima da cidade, em Deir-el-Calaa.

A festa mais famosa da Fenícia era em honra de Adônis, as Adônias, cerimônias típicas e características do povo fenício, cele­bradas com grande pompa em Afka, no verão; para o templo do deus acorriam peregrinos de toda a Fenícia, e, mais tarde, até dos países vizinhos.

Uma espécie de procissão subia as alturas do Líbano, deten­do-se em vários pontos, as diversas etapas da caçada empreen­dida pelo deus, a qual finalizou com a sua morte; depois, ima­gens de Adónis, de terracota ou de cera, eram dispostas à entrada do templo ou sobre terraços; as mulheres cercavam os simula­cros lamentando-se e chorando; executavam ao seu redor danças fúnebres e cantavam cantos tristes. Na mesma época, semeavam grãos de rápido crescimento em potes cheios de terra húmida; logo surgia uma superfície esmeraldina, que o ardente sol de junho em pouco secava; era o símbolo da vida efémera do deus; por meio dessa cerimónia, de alguma maneira, era recuperado o espírito da vegetação, atacado de modo inclemente pelos ardores do verão.

Observando a coloração avermelhada do rio Adónis (o céle­bre Nahr-Ibrahim), na primavera, supunham alguns observadores que tal festa se realizava nessa estação; mas a coloração se produz irregularmente, depois de grandes tempestades. Hoje todos admitem que elas se celebravam na época das colheitas; sabemos, aliás, que o imperador Juliano o Apóstata, em viagem pela Síria, assistiu a essas festas nos meses de junho-julho. Através de Teócrito (Idílio XV: As siracusanas) conhecemos o modo pelo qual se realizavam os funerais de Adônis no II século antes da nossa era, em Alexandria, onde o culto do deus gozava de grande favor popular. Havía três dias feriáveis; no primeiro, verdadeira festa, com oferendas de nozes, figos, flores, aves e um banquete; no segundo, luto pelos funerais do deus; no ter­ceiro dia, no qual o deus ressuscitava, representações de um dra­ma sagrado, no meio da alegria geral. Mas as festividades todas estavam impregnadas de tristeza; eram solenidades fúnebres, mais que de regozijo, reprodução de verdadeira cena de funerais: exposição do cadáver, oferendas e banquete em comum. As sole­nidades descritas por Teócrito deveriam ser idênticas nos grandes centros fenícios, mormente em Biblos, onde o culto de Adônis era o primeiro.

 

BAAL E O Príncipe DO MAR

 

O príncipe Iam, cujo nome significa "o Mar", também cha­mado Juiz-Rio, decidiu que lhe seria construído um palácio. Pediu o auxílio do deus arquiteto e artífice Cutar, "O Hábil", que sim­bolizava as poderosas civilizações de além-mar, pois "Creta era sua residência, o Egito o seu patrimônio". O deus El parece aprovar o desígnio do filho Iam e está prestes a reconhecer-lhe a realeza entre os deuses, sem levar em conta as pretensões do deus Astar, pretendente do trono divino. Mas Iam torna-se arrogante. Presume-se que Baal tenha recusado pagar-lhe tributo, pois o Príncipe do Mar envia deputados à assembléia dos deuses a fim de que Baal lhe seja entregue como escravo. Percebendo que a embaixada se aproxima, os deuses ficam temerosos, e, consternados, "inclinam a cabeça sobre os joelhos". Baal censura­-lhes a covardia. Os enviados de Iam saúdam respectivamente EI que se declara pronto a lhes entregar Baal, não sem ironia, pois lhes pondera que a tarefa não sera fácil. Com efeito, Baal e assistido das deusas Anat, sua belicosa irmã, e Astarte. Baal, então, arma-se para enfrentar o Principe do Mar. Cutar fabrica­-lhe duas maças, "Expulsa" e "Afasta", .que "nas mãos de Baal voam como águias". Com elas Baal esmaga a cabeça do seu inimigo e Astarte proclama: "Seguramente Iam esta morto, e Baal é nosso rei 1 "

O mito de Baal e do Príncipe do Mar tem duas interpretações; uma vê nele alusão de caráter histórico: Iam personifica "os povos do mar" assaltando a costa fenicia, e expulsos pelo deus nacional de Ugarit; a outra procede de comparação entre este mito e o poema babilônico da criação, onde Marduc, o campeão dos deuses, fende em dois o cadaver de Tiamat, o poder do Mar, para dele formar o mundo.

 

O PALÁCIO DE BAAL. A DEUSA ANAT

 

Há um hino, muito curioso, que, provavelmente, era recitado ou cantado na inauguração de um templo (conforme a narração da dedicação do templo de Jerusalém por Salomão, I Reís, VIII), ou quando se realizava a entronização periódica de Baal.

A primeira parte que possuímos faz menção dos preparativos para um grande banquete em honra de Baal; a seguir sua irmã Anat combate e massacra os guerreiros, mergulhando os joelhos no sangue e empilhando as cabeças; terminado o morticinio, Anat recebe uma mensagem de Baal ordenando-lhe que volte a trabalhos mais pacificos (a virgem guerreira é, também, deusa da vida e da fecundidade). Baal convoca a irmã; esta admira-se; não exterminou ela todos os inimigos do irmão! Não abateu o Principe do Mar, o dragão Tanin, e Lotan, ..A serpente tortuosa, a besta de sete cabeças" A seguir, certamente, Baal pede que a irmã interceda em seu favor; esta diz a El: "O poderoso Baal é nosso rei, nosso juiz, não há ninguém acima dele, e, contudo, não tem casa como os demais deuses, não tem corte como os filhos de Atirat". Seduzido ou ameaçado por Anat, o pai dos deuses aquiesce e manda buscar no Egito o divino arquiteto Cutar. Atirat, a mãe dos deuses, reconhece a realeza de Baal e pede a EI que lhe construa um palácio de ouro, de prata e de lápis-lazúli, para que Baal mande chuvas abundantes. Cutar põe-se á obra e acende as forjas no palácio em construção; Baal fica inquieto com os planos de Cutar, pois este quer pôr aber­turas no palácio. Baal pensa, então, no suntuoso banquete que irá oferecer aos deuses e às deusas, e parte para visitar as cida­des do reino. A sua volta, aceita o platlo de Cutar: uma janela será aberta no palácio. Subitamente o tom muda. Baal é consa­grado, o seu palácio é o de um deus, mas Mot o ameaça, Mot que mora numa região subterrânea e fétida. O palácio de Baal parece ser, ao mesmo tempo, a residência celeste do deus e; o seu reflexo terrestre, o templo de Baal em Ugarit.

 

BAAL E MOT

 

Mot intima Baal a descer para a sua goela, ávida para o devorar.Ele estende os lábios até os céus, sua língua até as estrelas. Baal não oferece resistência e se declara escravo de Mot. Antes de se entregar ao adversário, Baal se une a uma novilha, que não pode ser outra senão Anat, e gera um filho. Anunciam a El a morte de Baal, "O Príncipe da Terra", e o pai dos deuses veste luto; Anat chora e fere o peito com punhadas. Entretanto Atirat procura fazer com que Astar ocupe o trono de Baal, mas não tem êxito. Anat parte em busca do irmão, acom­panhada da deusa solar Sapash, que conhece todos os recantos do universo; encontram Mot: "ela o ceifa, o joeira, o gradeia, dispersa suas carnes pelos campos e as aves as devoram". El, graças a um sonho premonitório, sabe que Baal vai ressuscitar; vê, antecipadamente, "os céus gotejarem óleo, os regatos correrem como mar'. Ordena a Anat e a Sapash que encontrem Baal; as deusas levam o deus morto para as alturas do Tsáfon onde ele recomeçará o seu reinado glorioso.

Trata-se, evidentemente, dum mito agrário, fundamento de um ritual de fertilidade. Baal é a personificação da chuva, da qual a terra necessita para produzir fruto; Mot é o grão, inchado pela água; quando os aguaceiros passaram, Baal morre, deu sua substância ao .grão que amadurece. Mas no momento em que o trono de Baal permanece vazio, no rigor do verão, Anat e a deusa solar recolhem piedosamente os restos do deus, preparam a reconstituição das nuvens.

 

LENDAS REAIS

 

História do rei Queret - O rei Queret perdeu toda sua famí­lia, mulher e filhos e não tem mais herdeiros. O deus El, que é seu pai, assim como Javé é o pai do rei de Israel ("Disse-me o Senhor: Tu és meu filho, eu hoje teerei…, Salmos, II, 7), lhe aparece em sonhos e lhe ordena que e1e parta com exército para. o país de Udum, onde reina Pabil, cuja filha ele desposará, Hurila, "Encantadora como Anat, amável como Astarte". Queret obe­dece à ordem divina. Chegado ao reino de Pabil, recusa todos os presentes, pedindo somente a mão da filha do rei em casa­mento. Na assembleia dos deuses, Baal intercede para que El abençoe Queret. A bênção é concedida: Queret terá sete, oito filhos, dos quais um será amamentado pelas deusas Anat e Astar­te. O reino de Queret prospera; ele oferece banquetes aos nobres do pais.

Há uma lacuna no texto. Este recomeça mostrando Queret enfermo, cercado dos filhos. "Pai, morrerás como os homens? Os deuses morrem?" pergunta um dos filhos. Entretanto, todo o reino de Queret já o chora. Depois de um conselho dos deuses, El pergunta que poderá curar Queret; este é realmente curado e amaldiçoa o filho que quis aproveitar da sua fraqueza para reinar.

 

Histórta do sábio Danel - Danel vem citado no livro de Eze­quiel: "Ainda que houvesse nesse país Noé, Danel e JÓ, esses três homens não salvariam senão a si próprios, devido à sua jus­tiça, oráculo do Senhor Javé. .." (XIV, 14). "Sem dúvida, eis-te mais sábio que Danel, nenhum mistério te é obscuro" (XXVIII, 3). Danel não só era justo e sábio, mas, igualmente, um rei privado de descendência. Ele não tem filhos para o auxiliarem no culto e combaterem com vigor os inimigos. Baal apiada-se de Danel e intercede por ele junto ao deus El; nasce, então, a Danel um filho que há nome Acat. Um dia, Danel, sentado à sua porta para "julgar a causa da viúva e do órfão", vê chegar o deus Cutar. Danel dá-lhe de comer e beber, bem como Abraão no vale de carvalhos de Mambré, quando viu três homens diante da sua tenda (Gên., XVIII, 1-8). Cutar dá-lhe um arco e flechas, que Danel confia ao filho Acat e manda-o à caça. Durante a caçada, Acat encontra a deusa Anat, a qual logo cobiça o arco de Acat; para tê-lo, oferece-lhe ouro, prata e, por fim, a imorta­lidade; mas o jovem não consente em se desfazer do arco e das flechas; discretamente zomba da caçadora: bem sabe ele que a morte é o destino dos homens, somente os deuses são imortais. Anat, despeitada, vai queixar-se a El e prepara a vingança. Aju­dada de um certo Iatpan, Anat, voando entre as águias, acima de Acat, quebra-lhe a cabeça. Danel, advertido da morte do filho, dá curso às lágrimas e maldiz a Terra por sete anos. Muitos pormenores do poema permanecem obscuros. Parece que Acat tinha uma irmã, e esta resolve castigar Iatpan; é plausível, tam­bém que Anàt pretendesse ressuscitar o .jovem Acat; os ritos cumpridos por Danel dão a impressão de que ele almeja o mesmo objectivo: ressuscitar o filho.

(Fonte:”Dicionario de mitologia”, de Tassilo Orpheu Spalding)

 

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