Evangelho de Nicodemus, evangelhos apocrifos

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(Atos de Pilatos)

Descida de Cristo ao Inferno

(Versão Grega e Latina)

(Narrações Sobre Nosso Senhor Jesus Cristo Compostas no Tempo de Pôncio Pilatos)

Dois textos apócrifos constituem o Evangelho de Nicodemus: Atos de Pilatos e Descida de Cristo ao Inferno. Um é seqüência do outro e o completa, embora escritos em épocas diferentes. Justino, em 150, menciona em seus escritos um texto chamado Atos de Pôncio Pilatos, narrando os acontecimentos posteriores à Crucificação.

Nicodemus narra os episódios da Crucificação e da Ressurreição, mas nada acrescenta  aos Evangelhos canônicos. Curioso é observar que ele cita o local da Crucificação como sendo o horto onde Cristo foi aprisionado, o Getsêmani, situado ao pé do Monte das Oliveiras.

Prólogo

Eu, ANANIAS, protetor, de hierarquia pretoriana, perito em leis, vim através das divinas Escrituras tomar conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e me aproximei dele pela fé, e permiti-me receber o santo batismo; agora sinto-me bem, depois de seguir “a pista das narrações relativas a Nosso Senhor Jesus Cristo, que foram feitas naquela época, e que os judeus deixaram guardadas com Pôncio Pilatos; encontrei-as como estavam, escritas em hebraico, e com o beneplácito divino traduzi-as para o grego, para conhecimento de todos os que invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o reinado de Flávio Teodósio, nosso senhor, no ano 17, e sexto de Flávio Valentino, na nona indicação.

Todos, pois, quantos leiam e traduzam isto para outros livros, lembrem-se e peçam por mim para que o Senhor seja piedoso para comigo e me perdoe os pecados que cometi contra ele.

Paz aos leitores, aos ouvintes e aos seus servidores. Amém.

No ano décimo quinto do governo de Tibério César, imperador dos romanos; no ano décimo nono do governo de Herodes, rei da Galiléia; no oitavo dia das calendas de abril, correspondente ao dia 25 de março; durante o consulado de Rufo e Rubelião; no quarto ano da olimpíada 202; sendo, nessa época, José Caifás o sumo sacerdote dos judeus. Tudo o que Nicodemus narrou com base no tormento da cruz e da paixão do Senhor, transmitiu-o aos príncipes dos sacerdotes e aos demais judeus depois de havê-lo redigido ele mesmo em hebraico.

Capítulo 1

1 Depois de se haverem reunido em conselho os príncipes dos sacerdotes e os escribas, Anás e Caifás e Semes e Dothaim e Gamaliel, Judas, Levi e Neftali, Alexandre e Jairo e os restantes dentre os judeus apresentaram-se diante de Pilatos acusando Jesus de muitos feitos, dizendo: “Sabemos que ele é filho de José o carpinteiro e que nasceu de Maria, e chama-se a si mesmo Filho de Deus e rei; além disso profana o sábado e ainda pretende abolir a lei de nossos pais”, Disse-lhes Pilatos: “E o que ele faz e o que pretende abolir?” Os judeus disseram: “Temos uma lei que proíbe a cura no Sábado; pois bem, este, servindo-se das más artes, curou durante o Sábado coxos, machucados, cegos, paralíticos, surdos e endemoninhados”, Disse-lhes Pilatos: “Se realiza honestamente suas curas, não faz mal algum.” Os judeus replicaram: “Se realizasse suas curas honestamente, não seria mal maior; mas para fazê-las usa a virtude de Belzebu, príncipe dos demônios, expulsa a estes e a todos que lhes são submissos”, Disse-lhes Pilatos: “Isto não é tirar os demônios pela virtude de um espírito imundo, mas sim pela virtude do deus Esculápio”.

2 Os judeus disseram a Pilatos: “Rogamos à tua autoridade que ele seja apresentado diante do teu tribunal para que possa ser ouvido”. Pilatos então chamou-os e disse-lhes: “Dizei-me vós como é que eu, um mero governador, posso submeter nada menos que um rei a interrogatório?” Eles responderam: “Nós não dissemos que é um rei, mas sim que ele mesmo se dá esse título”. Então Pilatos chamou o mensageiro para dizer-lhe: “Que me seja apresentado aqui Jesus, com toda a deferência”. O mensageiro saiu, então, e logo que o identificou, o adorou; depois tirou o manto que levava em suas mãos e estendeu-o no chão, dizendo: “Senhor, passa por cima e entra, que o governador te chama”. Os judeus, vendo o que o mensageiro havia feito, puseram-se a gritar contra Pilatos, dizendo: “Por que te serviste de um mensageiro para fazê-lo entrar, e não de um simples pregoeiro? Sabes que o mensageiro, assim que o viu, passou a adorá-lo e estendeu seu manto sobre o chão, fazendo-o caminhar por cima como se fosse um rei?”

3 Pilatos, então, chamou o mensageiro e lhe disse: “Por que fizeste isso e estendeste o manto sobre o chão, fazendo Jesus passar por cima?” O mensageiro respondeu: “Senhor governador, quando me enviaste a Jerusalém junto com Alexandre eu o vi montando um burro, e os filhos dos hebreus iam aclamando-o com ramos nas mãos, enquanto outros estendiam suas vestes no chão dizendo: `Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito o que vem em nome do Senhor’.”

4 Os judeus então começaram a gritar e disseram ao mensageiro: “Os jovens hebreus clamavam em sua língua, como então te informaste da sua equivalência em grego?” O mensageiro respondeu: “Perguntei a um dos judeus e lhe disse: ‘Que estão gritando em hebraico?’ E ele me traduziu”. Pilatos disse-lhes: “Como soa em hebraico o que eles diziam em altos brados?” Os judeus responderam: “Hosanna membrome; baruchamma; adonai”. Então Pilatos lhes disse: “E o que significa Hosanna e as outras palavras?” Os judeus responderam: “Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito o que vem em nome do Senhor”. Pilatos disse-lhes: “Se vós mesmos dais testemunho das vozes que saíram da boca dos jovens, que falta cometeu o mensageiro?” Eles se calaram. Então o governador disse ao mensageiro: “Sai e faze-o entrar da maneira que lhe aprouver”. Saiu, então, o mensageiro e procedeu da mesma maneira que anteriormente, dizendo a Jesus: “Senhor, entra; o governador te chama”.

5 Mas no momento em que Jesus entrava, os que seguravam os estandartes inclinaram-se e adoraram a Jesus. Os judeus que presenciaram esse gesto de reverência e adoração a Jesus, começaram a gritar desaforos contra os que portavam as bandeiras. Mas Pilatos lhes disse: “Não vos causa admiração ver como eles se inclinaram e adoraram Jesus?” Os judeus responderam a Pilatos: “Nós mesmos vimos como eles se inclinaram e o adoraram”. O governador chamou então os que carregavam as bandeiras e lhes disse: “Por que agistes assim?” Eles responderam a Pilatos: “Nós somos gregos e servidores das divindades, como então iríamos adorá-lo? Saibas que, enquanto estávamos eretos, nossos corpos se inclinaram por eles mesmos e o adoraram”.

6 Então Pilatos disse aos arquissinagogos e anciãos do povo: “Escolhei vós mesmos alguns varões fortes e robustos; que eles segurem os estandartes e vejamos se estes inclinam-se sozinhos”. Então os anciãos escolheram de entre os judeus doze homens fortes e robustos, aos quais obrigaram a sustentar os estandartes em grupos de seis, e ficaram em pé diante do tribunal do governador. Então Pilatos disse ao mensageiro: “Leva-o para fora do pretório e introduze-o novamente da maneira que te aprouver”. E Jesus saiu do pretório acompanhado do mensageiro. Pilatos chamou então aqueles que anteriormente estavam com os estandartes e lhes disse: “Jurei pela saúde de César que, se os estandartes não se dobrarem à entrada de Jesus, cortar-vos-ei as cabeças”. E o governador ordenou nova-mente que Jesus entrasse. O mensageiro observou a mesma conduta do início e rogou encarecidamente a Jesus que passasse por cima de seu manto. E caminhando sobre ele, entrou. Mas no momento de entrar, novamente os estandartes se dobraram e adoraram Jesus.

Capítulo 2

1 Quando Pilatos viu a cena, encheu-se de medo e dispôs-se a deixar o tribunal. Mas enquanto ainda pensava em levantar-se, sua mulher enviou-lhe esta carta: “Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa”. Então Pilatos chamou todos os judeus e lhes disse: “Sabeis que minha mulher é piedosa e que tende mais para o bem do que para segui-los em vossos costumes judeus?” Eles disseram: “Sim, sabemos”. Pilatos disse-lhes: “Pois bem, minha mulher acaba de enviar-me este recado: `Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa’.” Mas os judeus responderam a Pilatos dizendo: “Não te dissemos que é um mágico? Sem dúvida enviou um sono fantástico a tua mulher”.

2 Pilatos então chamou Jesus e lhe disse: “Como é que estes testemunham contra ti? Não dizes nada?” Jesus respondeu: “Se não tivessem poder para isso, não diriam nada, pois cada um é dono da sua boca para falar coisas boas e más: eles verão”.

3 Mas os anciãos dos judeus responderam, dizendo a Jesus: “Que é que nós vamos ver? Primeiro, que tu vieste ao mundo por fornicação; segundo, que o teu nascimento em Belém trouxe como conseqüência uma matança de crianças; terceiro, que teu pai José e tua mãe Maria fugiram para o Egito por encontrarem-se ameaçados na cidade”.

4 Então, alguns dos que ali estavam presentes, e que eram judeus piedosos, disseram: “Nós não estamos de acordo que haja nascido de fornicação, mas sim sabemos que José desposou Maria e que não foi gerado através de fornicação”. Pila tos disse aos judeus que afirmavam a sua origem através de fornicação: “Isto que dizeis não é verdade, posto que os esponsais foram celebrados, segundo afirmam vossos próprios compatriotas”. Então Anás e Caifás disseram a Pilatos: “Todos juntos afirmamos e não cremos que ele tenha nascido de fornicação; estes são prosélitos e seus discípulos”. Pilatos chamou Anás e Caifás e disse-lhes: “Que significa a palavra prosélito?” Eles responderam: “Que nasceram de pais gregos e fizeram-se judeus agora”. Ao que contestaram os que afirmam que Jesus não havia nascido de fornicação (isto é: Lázaro, Astério, Antônio, Tiago, Amnés, Zeras, Samuel, Isaac, Finees, Crispo, Agripa e Judas): “Nós não nascemos prosélitos, mas sim somos filhos de judeus e dizemos a verdade, pois encontrávamo-nos presentes nas bodas de José e de Maria”.

5 Pilatos chamou estes doze que afirmavam não haver Jesus nascido de fornicação e disse-lhes: “Eu os conjuro pela saúde de César, dizei-me, é verdade o que afirmastes, que não nasceu de fornicação?” Eles responderam: “Nós temos uma lei que proíbe jurar, porque é pecado; deixe que estes jurem pela saúde de César que não é verdade o que acabamos de dizer, e seremos réus de morte”. Então Pila tos disse a Anás e Caifás: “Nada respondem a isto?” Eles replicaram: “Tu dás crédito a estes doze que afirmam o nascimento legítimo de Jesus; enquanto isso, todos, em massa, estamos bradando que é filho de fornicação, que é feiticeiro e que se chama a si próprio Filho de Deus”.

6 Então Pilatos ordenou que toda a multidão saísse, à exceção dos doze que negavam a origem da fornicação, e ordenou que Jesus fosse separado. Depois lhes disse: “Por que razão querem dar-lhe a morte?” Eles responderam: “Têm inveja dele por curar no Sábado”. Ao que respondeu Pilatos: “E por uma boa obra querem matá-lo?”

Capítulo 3

1 E, cheio de ira, saiu do pretório e disse-lhes: “Tomo por testemunha o sol de que não encontro nenhuma culpa neste homem”. Os judeus responderam e disseram ao governa-dor: “Se não fosse um malfeitor, não o haveríamos entregado a ti”. E Pilatos disse: “Tomai-o vós e julgai-o segundo vossas leis”. Então os judeus disseram a Pilatos: “Não nos é permitido matar ninguém”. Ao que Pilatos contestou: “A vós sim Deus proibiu de matar mas, e a mim.

2 E, entrando de novo no pretório, chamou Jesus à parte e disse-lhe: “Es o rei dos judeus?” Jesus respondeu: “Dizes isto por conta própria ou pelo que os outros te disseram de mim?” Pilatos replicou: “Mas será que também sou por acaso judeu? Teu povo e os pontífices puseram-te em minhas mãos, que fizeste?” Jesus respondeu: “Meu reino não é deste mundo pois, caso contrário, meus servidores teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui”. Então Pilatos disse: “Logo, tu és rei?” Jesus respondeu: “Tu dizes que eu sou rei; pois para isto nasci e vim ao mundo, para que todo aquele que é da verdade, ouça a minha voz”. Pilatos disse-lhe: “Que é a verdade?” Jesus respondeu: “A verdade provém do céu”. Pilatos disse: “Não há verdade sobre a terra?” E Jesus respondeu a Pilatos: “Estás vendo que os que dizem a verdade são julgados pelos que exercem o poder sobre a terra”.

Capítulo 4

1 E deixando Jesus no interior do pretório, Pila tos foi até os judeus e lhes disse: “Eu não encontro culpa alguma nele”. Os judeus replicaram: “Ele disse: `Eu sou capaz de destruir este templo e reedificá-lo em três dias’.” Pilatos disse: “Que templo?” Os judeus responderam: “Aquele edificado por Salomão em quarenta e seis anos, ele diz que vai destruí-lo e reedificá-lo ao final de três dias”. Pila tos disse: “Eu sou inocente do sangue deste justo; vós vereis”. E os judeus disseram: “Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos”.

2 Então Pilatos chamou os anciãos, os sacerdotes e os levitas e disse-lhes em segredo: “Não agi assim, pois nenhuma das vossas acusações merece a morte, já que elas referem-se às curas e à profanação do Sábado”. Os anciãos, sacerdotes e levitas responderam: “Se alguém blasfema contra César é ou não digno da morte?” Pilatos disse-lhes: “E digno da morte”. Os judeus disseram: “Pois se alguém que blasfema contra César é digno da morte, saiba que este blasfemou contra Deus”.

3 Depois o governador mandou que os judeus saíssem do pretório, e chamando Jesus, disse-lhe: “Que vou fazer contigo?” Jesus respondeu: “Faz como te foi ordenado”. Pila tos disse: “E como me foi ordenado?” Jesus respondeu: “Moisés e os profetas falaram sobre a minha morte e sobre a minha ressurreição”. Os judeus e os ouvintes perguntaram então a Pilatos dizendo: “Por que continuas ouvindo essa blasfêmia?” Pilatos respondeu: “Se estas palavras são blasfêmias, prendei-o por blasfêmia, levai-o à vossa sinagoga e julgai-o segundo a vossa lei”. Os judeus contestaram: “Está escrito em nossa lei que se um homem peca contra outro homem merece receber quarenta açoites menos um; mas diz que se alguém blasfema contra Deus, deve ser apedrejado”.

4 Pilatos disse-lhes: “Tomai-o por vossa conta e castigai-o como quiserdes”. Os judeus replicaram: “Nós queremos que seja crucificado”. Pilatos contestou: “Não merece a crucificação”.

5 Então o governador lançou um olhar ao seu redor sobre a turba de judeus que estava presente e, ao ver que muitos deles choravam, exclamou: “Nem toda a multidão quer que morra”. Os anciãos dos judeus disseram: “Por isso viemos todos em massa, para que morra”. Pilatos perguntou-lhes: “E por que deverá morrer?” Os judeus responderam: “Porque chamou-se a si próprio Filho de Deus e rei”.

Capítulo 5

1 Um certo judeu de nome Nicodemus pôs-se diante do governador e disse: “Rogo-te, bondoso como és, permite-me dizer umas palavras”. Pilatos respondeu: “Fala”. E Nicodemus disse: “Tenho falado nestes termos aos anciãos, aos levitas, à multidão inteira de Israel reunida na sinagoga: ‘Que pretendeis fazer com este homem? Ele opera muitos milagres e prodígios como nenhum outro foi nem será capaz de fazer. Deixai-o em paz e não trameis nada contra ele; se os seus prodígios têm origem divina, permanecerão firmes; porém, se têm origem humana, dissipar-se-ão. Pois também Moisés, quando foi enviado da parte de Deus ao Egito, fez muitos prodígios, previamente assinalados por Deus, na presença do Faraó, rei do Egito. E estavam ali alguns homens a serviço do Faraó, Jamnes e Jambres, os quais operaram, por sua vez, não poucos prodígios como os de Moisés, e os habitantes do Egito tinham Jamnes e Jambres por deuses. Mas como os seus prodígios não provinham de Deus, eles pereceram, bem como os que lhes davam crédito. E agora, deixai livre este homem, pois não é digno de morrer’.”

2 Os judeus disseram então a Nicodemus: “Tu te fizeste discípulo dele e por isso falas em seu favor”. Nicodemus disse-lhes: “Mas então também o governador fez-se discípulo dele porque fala em sua defesa? Não o colocou César neste cargo?” OS judeus estavam com muita raiva e rangiam os dentes contra Nicodemus. Pilatos disse-lhes: “Por que rangeis os dentes contra ele ao ouvir a verdade?” Os Judeus disseram a Nicodemus: “A ti sua verdade e sua parte”. Nicodemus disse: “Amém, amém, que assim seja como haveis dito”.

Capítulo 6

1 Mas um dos judeus adiantou-se e pediu a palavra ao governador. Este lhe disse: “Se queres dizer algo, diz”. E o judeu assim falou: “Eu estive durante trinta e oito anos deitado numa liteira, cheio de dores. Quando Jesus veio, muitos dos que estavam endemoninhados e sujeitos a diversas doenças foram curados por ele. Então alguns jovens compadeceram-se de mim e, pegando-me com liteira e tudo, levaram-me até ele. Jesus, ao ver-me, compadeceu-se de mim e disse-me: `Pega tua maca e anda’. Eu peguei minha maca e comecei andar”. Então os judeus disseram a Pilatos: “Pergunta-lhe que dia era quando foi curado”. E o interessado disse: “Era Sábado”. Os judeus disseram: “Já não te havíamos informado de que curava no Sábado e tirava demônios?”

2 Outro judeu adiantou-se e disse: “Eu era cego de nascença, ouvia vozes, mas não via ninguém, e, ao ver passar Jesus, gritei bem alto: ‘Filho de Davi, apieda-te de mim’. E compadeceu-se de mim, impôs suas mãos sobre os meus olhos e imediatamente recuperei a visão”. E outro judeu adiantou-se e disse: “Estava arqueado e endireitou-me com uma palavra”, E outro disse: “Havia contraído lepra e ele curou-me com uma palavra”.

Capítulo 7

E certa mulher chamada Berenice (Verônica) começou a gritar de longe, dizendo: “Encontrando-me doente com hemorragia, toquei a extremidade de seu manto e a hemorragia que eu vinha tendo por doze anos consecutivos, parou”. Os judeus disseram: “Existe um preceito que proíbe apresentar uma mulher como testemunha”.

Capítulo 8

E alguns outros, muitos homens e mulheres gritavam, dizendo: “Este homem é profeta e os demônios submetem-se a ele”. Pilatos disse aos que afirmavam isto: “Por que também vossos mestres não se submeteram a ele?” Eles responderam:

“Não sabemos”. Outros afirmaram que havia ressuscitado Lázaro do sepulcro, defunto já de quatro dias. Então, cheio de medo, o governador disse à multidão de judeus: “Por que vos empenhais em derramar sangue inocente?”

Capítulo 9

1 E depois de chamar Nicodemus e aqueles doze homens que afirmavam a origem limpa de Jesus, disse-lhes: “Que devo fazer, pois se está forjando um alvoroço entre o povo?” Disseram-lhe: “Nós não sabemos; eles verão”. Convocou de novo Pilatos a multidão de judeus e disse-lhes: “Sabeis que tenho por costume soltar um prisioneiro durante a festa dos Azimos. Pois bem, está preso e condenado um assassino chamado Barrabás, e tenho também este Jesus que está agora na vossa presença, e em quem não encontro culpa alguma. A quem quereis que solte?” Eles gritaram: “A Barrabás”, Pilatos disse-lhes: “Que farei, pois, de Jesus, o chamado Cristo?” Os judeus responderam: “Que seja crucificado!” E alguns dentre eles disseram: “Não és amigo de César se soltas a este, porque chamou-se a si próprio Filho de Deus e rei; se assim procedes, queres a este por rei e não a César”.

2 Pilatos então, encolerizado, disse aos judeus: “Vossa raça é revoltada por natureza e enfrentais vossos benfeitores”. Os judeus disseram: “A quais benfeitores?” Pilatos respondeu: “Vosso Deus tirou-vos do Egito, livrando-vos de uma cruel escravidão; vos manteve sãos e salvos através do mar bem como através da terra, alimentou-vos com maná no deserto e deu-vos codornas, deu-vos de beber água tirada de uma rocha e deu-vos uma lei, e, depois de tudo isso, encolerizastes vosso Deus, fostes atrás de um bezerro fundido, exasperastes vosso Deus e Ele dispôs-se a exterminar-vos; porém, Moisés intercedeu por vós e não fostes entregues à morte. E agora acusais a mim de odiar o imperador”.

3 E, levantando-se do tribunal, dispôs-se a sair. Mas os judeus começaram a gritar, dizendo: “Nós reconhecemos como rei a César e não a Jesus. E ainda mais, os Magos vieram oferecer-lhe dons trazidos do Oriente como para o seu rei; e quando Herodes tomou conhecimento através dessas personagens de que um rei havia nascido, tentou acabar com ele. Mas seu pai José tomou ciência do fato e levou-o juntamente com a mãe, e fugiram todos para o Egito. E quando Herodes soube disso, exterminou os filhos dos hebreus que haviam nascido em Belém”,

4 Quando Pilatos ouviu estas palavras, temeu, e depois de impor silêncio às turbas, já que estavam gritando, disse-lhes: “Então é este aquele a quem Herodes buscava?” Os judeus responderam: “Sim, é este”. Então Pilatos pegou água e lavou suas mãos, de frente para o sol, dizendo: “Sou inocente do sangue deste justo; vós vereis”, E novamente os judeus começaram a gritar: “Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos”.

5 Então Pilatos mandou que fosse corrido o véu do tribunal onde estava sentado e disse a Jesus: “Teu povo desmentiu-te como rei. Por isso decretei que em primeiro lugar sejas flagelado, de acordo com o antigo costume dos reis piedosos, e que depois sejas dependurado na cruz no horto onde foste aprisionado. E Dimas e Gestas, ambos malfeitores, serão crucificados junta-mente contigo”.

Capítulo 10

1 Assim, Jesus saiu do pretório acompanhado dos dois malfeitores. E, em chegando ao lugar convencionado, despojaram-no de suas vestes, enrolaram-no em um lençol e puseram uma coroa de espinhos ao redor de suas têmporas, Dependuraram os dois malfeitores, de maneira semelhante, Enquanto isso, Jesus dizia: “Pai, perdoai-os, porque não sabem o que fazem”, E os soldados repartiram entre si as suas vestes, e todo o povo estava em pé contemplando-o, E os pontífices e também os chefes zombaram dele, dizendo: “Salvou os outros; salve-se, então, a si próprio; se este é o Filho de Deus, que desça da cruz”. Os soldados, por sua vez, aproximavam-se dirigindo-lhe escárnios e oferecendo-lhe vinagre misturado com fel, enquanto diziam: “Tu és o rei dos judeus: salva-te a ti mesmo”. E depois de proferir a sentença, o governador mandou que na forma de um título fosse escrito em cima da cruz a sua acusação em grego, latim e hebraico, de acordo com o que os judeus haviam dito: “Rei dos Judeus”.

2 E um daqueles ladrões que haviam sido dependurados disse-lhe assim: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós”. Mas Dimas, em resposta, repreendeu-o dizendo: “Tu não temes a Deus, ainda que estejas na mesma condenação? E a nós, certamente, ela nos cabe bem, pois recebemos a recompensa justa pelas nossas obras; mas este não fez nada de mal”. E dizia: “Senhor, lembra-te de mim no teu reino”. E Jesus disse-lhe: “Em verdade, em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”.

Capítulo 11

1 Era a hora sexta quando as trevas se fecharam sobre a terra até a nona hora, por haver escurecido o sol; e o véu do templo rasgou-se ao meio. Jesus, então, com voz grave, disse: “Pai, baddach efkid ruel”, que significa: “Em tuas mãos entrego o meu espírito”. E, assim dizendo, entregou sua alma. O centurião, ao ver o que aconteceu, louvou a Deus dizendo: “Este homem era justo”. E a multidão que assistia ao espetáculo, ao contemplar o acontecido, passou a bater no peito.

2 O centurião, por sua vez, transmitiu ao governador o ocorrido. Este, ao ouvi-lo, entristeceu-se assim como sua mulher, e ambos passaram todo aquele dia sem comer nem beber. Depois Pilatos fez chamar os judeus e disse-lhes: “Vistes o que se passou?” Mas eles responderam: “Pois um simples eclipse do sol, como de costume”.

3 Enquanto isso, seus conhecidos permaneciam a distância; e as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galiléia estavam contemplando tudo isto. Mas havia um homem chamado José, senador, vindo de Arimatéia, que esperava o reino de Deus. Aproximou-se, então, de Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Depois foi baixar o cadáver da cruz e envolveu-o num lençol limpo e depositou-o no sepulcro talhado em pedra que ainda não havia sido usado.

Capítulo 12

1 Quando os judeus ouviram dizer que José havia reclamado o corpo de Jesus, começaram a procurá-lo, assim como também aqueles que haviam declarado que Jesus não havia nascido de fornicação, Nicodemus e muitos outros que se haviam apresentado diante de Pilatos para dar testemunho das suas boas obras. E, como todos se houvessem escondido, somente Nicodemus apareceu, porque era varão principal entre os judeus. Assim, Nicodemus disse-lhes: “Como haveis entrado na sinagoga?” Os judeus responderam: “E tu? Como entraste na sinagoga? Posto que és seu cúmplice, seja também sua parte contida no século vindouro”. E Nicodemus disse: “Assim seja, assim seja”. José, por sua vez, apresentou-se de maneira semelhante e disse-lhes: “Por que haveis ficado apreensivos comigo por ter reclamado o corpo de Jesus? Pois sabei que depositei-o no meu novo sepulcro, depois de havê-lo envolvido num lençol branco, e fiz correr a pedra sobre a entrada da gruta. Mas não vos portastes bem com aquele justo, pois que, não contentes em crucificá-lo, também o atravessastes com uma lança”. Os judeus então detiveram José e mandaram que fosse aprisionado até o primeiro dia da semana. Depois disseram-lhe: “Bem sabes que o avançado da hora não nos permite fazer nada contra ti, pois o sábado já está amanhecendo; mas saiba que nem sequer far-se-á o favor de dar-te sepultura, mas sim exporemos teu corpo às aves do céu”. José retrucou: “Esta maneira de falar é a do soberbo Golias que injuriou o Deus vivo e o santo Davi. Pois o Senhor disse através do profeta: `A mim corresponde a vingança e eu retribuirei’. E ainda há pouco, aquele que não é circuncidado segundo a carne, mas é circunciso de coração, tomou água, lavou as mãos de frente para o sol e disse: ‘Sou inocente do sangue deste justo; vós havereis de ver’. Mas vós respondestes a Pilatos: ‘Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos’. Agora, então, temo que a ira do Senhor recaia sobre vós e sobre vossos filhos, como dissestes”. Ao ouvir essas palavras os judeus sentiram seus corações encherem-se de raiva, e, depois de capturar José, detiveram-no e prenderam-no em uma casa onde não havia nenhuma janela; depois selaram a porta onde José estava preso e alguns guardas permaneceram junto dela.

2 E no sábado os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas estabeleceram que no dia seguinte todos deveriam encontrar-se na sinagoga. E bem de madrugada a multidão inteira pôs-se a deliberar que tipo de morte haveriam de dar-lhe. E estando o conselho reunido, ordenaram que o fizessem comparecer com grande desonra. E abriram a porta mas não o encontraram. Então o povo ficou fora de si e todos encheram-se de admiração ao encontrar os selos intactos e a chave em poder de Caifás. Com isto, não se atreveram a pôr as mãos sobre aqueles que haviam falado diante de Pilatos em defesa de Jesus.

Capítulo 13

1 E enquanto estavam ainda sentados na sinagoga, cheios de admiração pelo caso de José, chegaram alguns dos guardas, aqueles a quem os judeus haviam encomendado a Pila tos a custódia do sepulcro de Jesus, e disseram que não foram seus discípulos que o haviam tirado de lá. E foram prestar contas aos arquissinagogos, aos sacerdotes e aos levitas dizendo-lhes o que aconteceu; isto é, como “sobreveio um terremoto e vimos um anjo que descia do céu, que retirou a pedra da boca da gruta, sentando-se depois sobre ela. E brilhou como neve e como relâmpago. Com o que nós, cheios de medo, ficamos como mortos. Então ouvimos a voz do anjo que falava às mulheres que se encontravam junto ao sepulcro: `Não temais, pois sei que buscais a Jesus, o que foi crucificado. Não está aqui; ressuscitou como havia dito; vinde, vede o lugar onde jazia o Senhor. E agora ide rapidamente e dizei aos seus discípulos que ressuscitou de entre os mortos e que está na Galiléia’.”

2 Os judeus então disseram: “A quais mulheres falava ele?” Os da guarda responderam: “Não sabemos quem eram”. Os judeus disseram: “A que horas isto aconteceu?” Os da guarda responderam: “A meia-noite”. Os judeus disseram: “E por que não as detivestes?” Os da guarda responderam: “Ficamos como mortos pelo medo, não acreditando que poderíamos ver de novo a luz do dia, como iríamos detê-las?” Os judeus disseram: “Deus vive e nós não acreditamos”. Os da guarda então responderam: “Vistes tantos sinais naquele homem e não acreditastes? Como ireis dar-nos crédito? E, com razão, haveis jurado pela vida do Senhor, pois Ele também vive”. E os da guarda acrescentaram: “Temos ouvido dizer que prendestes aquele que reclamou o corpo de Jesus, selando a porta, e que ao abri-la Dão o encontrastes. Entregai, pois, José e vos entregaremos Jesus”. Os judeus disseram: “José se foi para a sua cidade”. E os da guarda replicaram: “Também Jesus ressuscitou, como ouvimos do anjo, e está na Galiléia”.

3 Ao ouvir estas palavras os judeus sentiram medo e disseram: “Não deixeis que isto se espalhe porque senão todos inclinar-se-ão diante de Jesus”. E, convocado o conselho, fizeram um depósito de muito dinheiro e deram-no aos soldados, dizendo: “Dizei: `Enquanto dormíamos, seus discípulos vi-eram de noite e o levaram’. E se isto chegar aos ouvidos do governador, persuadi-lo-emos e livra-los-emos de toda responsabilidade”. Eles pegaram o dinheiro e falaram da maneira que lhes havia sido indicada.

Capítulo 14

1 Mas um sacerdote chamado Finees, Adas, o doutor, e Ageu, levita, desceram da Galiléia até Jerusalém e contaram aos arquissinagogos, aos sacerdotes e aos levitas: “Vimos Jesus em companhia de seus discípulos sentado no monte chamado Mamilch, e dizia-lhes: ‘Ide pelo mundo e pregai a todas as criaturas; aquele que crer e for batizado, salvar-se-á; mas aquele que não crer, será condenado. E aqueles que tiverem acreditado, estes sinais os acompanharão: arremessarão demônios em meu nome; falarão em novas línguas; colherão serpentes; e, mesmo que beberem alguma coisa capaz de produzir a morte, não lhes fará dano; imporão suas mãos sobre os enfermos e estes sentir-se-ão bem. E, quando ainda lhes estava falando, vimos que ia subindo ao céu”.

2 Os anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: “Glorificai e confessai ao Deus de Israel se é que ouvistes e vistes o que acabais de dizer”. Os que haviam falado disseram: “O Senhor Deus de nossos pais Abraão, Isaac e Jacob vive, pois que ouvimos isto e o vimos ao ser elevado ao céu”. Os anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: “Viestes para prestar-nos ponta de tudo isto ou para cumprir algum voto feito a Deus?” Eles responderam: “Para cumprir um voto feito a Deus”. Então os anciãos, os pontífices e os levitas replicaram: “Se haveis vindo para cumprir um voto a Deus, qual a razão destas histórias mentirosas que haveis contado diante de todo o povo?” Finees o sacerdote, Adas o doutor e Ageu o levita disseram aos arquissinagogos e levitas: “Se estes fatos que contamos, e dos quais fomos testemunhas oculares, constituem um pecado, aqui nos tendes em vossa presença; fazei conosco o que lhes pareça bom diante de vossos olhos”. Então eles pegaram o livro da lei e fizeram-nos jurar que não mencionariam a ninguém aquelas coisas. Depois deram-lhes de comer e de beber e tiraram-nos da cidade, não sem antes haver-lhes dado dinheiro e haver-lhes dado três homens para que os acompanhassem, e que deveriam levá-los até os confins da Galiléia. E foram-se em paz.

3 E depois que aqueles homens foram para a Galiléia, os pontífices, os arquissinagogos e os anciãos reuniram-se na sinagoga, fechando a porta atrás de si, e demonstrando grande dor, diziam: “Será possível que este portento aconteceu em Israel?” Então Anás e Caifás disseram: “Por que estais tão agitados? Por que chorais? Ou não sabeis que seus discípulos compraram-nos com uma boa quantidade de ouro e deram-lhes instruções para que digam que um anjo do Senhor desceu e removeu a pedra da entrada do sepulcro?” Mas os sacerdotes e anciãos disseram: “Pode ser que os discípulos tenham roubado seu corpo, mas, como sua alma entrou no corpo e está vivendo na Galiléia?” E eles, na impossibilidade de dar-lhes resposta para todas estas coisas, disseram enfim a duras penas: “A nós não nos é permitido acreditar em alguns não circuncidados”.

Capítulo 15

1 Mas Nicodemus levantou-se e pôs-se em pé diante do conselho, dizendo: “Falais perfeitamente. Não desconheceis, ó povo do Senhor, os varões que desceram da Galiléia, homens de recursos, tementes a Deus, inimigos da avareza, amigos da paz. Pois bem, eles disseram sob juramento que viram Jesus no monte Mamilch em companhia de seus discípulos, que estava ensinando todas as coisas que pudessem ouvir da sua boca e que o viram no momento de ser elevado ao céu. E ninguém perguntou-lhes de que maneira foi elevado. Então como ensinava-nos, estava contido no livro das Sagradas Escrituras que Elias foi elevado ao céu e que Eliseu gritou forte-mente, fazendo com que Elias atirasse sua capa sobre o Jordão, e assim Eliseu pôde atravessar o rio e chegar até Jericó. Então os filhos dos profetas saíram ao seu encontro e disseram-lhe: ‘Eliseu, onde está Elias, teu senhor?’ Ele respondeu que havia sido elevado ao céu. E eles disseram a Eliseu: ‘Será que o espírito não o arrancou e o atirou sobre algum monte? Levemos nossos criados conosco e partamos em sua busca’. E convenceram Eliseu, que foi com eles. E andaram buscando-o durante três dias inteiros, sem encontrá-lo, pelo que tiveram conhecimento de que havia sido chamado. E agora dai-me atenção: enviemos uma expedição por todos os confins de Israel e vejamos se porventura Cristo foi chamado por um espírito e foi depois atirado num desses montes”. Esta proposição agradou a todos e enviaram uma expedição por todos os confins de Israel em busca de Jesus e não o encontraram. Encontraram foi José de Arimatéia, mas ninguém atreveu-se a detê-lo.

2 E foram-se a prestar contas aos anciãos e aos sacerdotes e aos levitas, dizendo: “Demos a volta por todos os confins de Israel e não encontramos Jesus, mas encontramos sim José de Arimatéia”. Ao ouvir falar de José, os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas encheram-se de alegria, deram glória a Deus e puseram-se a deliberar de que maneira poderiam entrevistar-se com José. E pegaram um rolo de papel e escreveram o seguinte para José: “Que a paz esteja contigo; sabemos que pecamos contra Deus e contra ti. E temos rogado ao Deus de Israel que permita com que venhas ao encontro de teus pais e de teus filhos. Pois sabes que todos enchemo-nos de aflição quando, ao abrir a porta, não o encontramos. E agora nos apercebemos de que havíamos tomado uma determinação perversa contra ti; mas o Senhor veio em tua ajuda e Ele mesmo encarregou-se de dissipar nosso mau propósito, honorável pai José”.

3 E escolheram, entre todo Israel, sete varões amigos de José, os quais José conhecia, e os arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram-lhes: “Olhai, se ao receber nossa carta ele a ler, sabereis que virá até nós em vossa companhia: porém, se não a ler, entendei que está desgostoso conosco, e, depois de dar-lhe um beijo de paz, voltai aqui”. Em seguida, abençoaram os emissários e os despediram. Então estes chegaram ao lugar onde estava José, e fazendo-lhe uma reverência, disseram-lhe: “A paz esteja contigo”. E ele por sua vez disse: “Que a paz esteja convosco e com todo o povo de Israel”. Então eles lhe entregaram a carta. José aceitou-a, leu-a, beijou-a e louvou a Deus, dizendo: “Bendito o Senhor Deus, que livrou Israel de derramar sangue inocente, e bendito o Senhor que enviou seu anjo e abrigou-me sob as suas asas”. Depois, preparou a mesa e ali comeram, beberam e dormiram.

4 No dia seguinte levantaram-se muito cedo e fizeram suas orações. Depois, José selou sua mula e pôs-se a caminho acompanhado daqueles homens e foram até a cidade santa de Jerusalém. E o povo em massa saiu ao encontro de José, gritando: “Entra em paz”. Ele disse dirigindo-se a todo o povo: “Que a paz esteja convosco”. E eles deram-lhe um beijo, prostrando-se em oração juntamente com José. E ficaram todos fora de si por poder contemplá-lo. Nicodemus hospedou-o em sua casa e em sua honra deu uma grande recepção, convidando Anás, Caifás, os anciãos, os sacerdotes e os levitas. E alegraram-se comendo e bebendo em companhia de José; e, depois de entoar hinos, cada qual foi para sua casa. José, porém, permaneceu com Nicodemus.

5 Mas no dia seguinte, que era sexta-feira, os arquissinagogos, sacerdotes e levitas madrugaram para ir à casa de Nicodemus. Este veio ao seu encontro e disse-lhes: “Que a paz esteja convosco”. E eles por sua vez disseram: “Que a paz esteja contigo e com José, com toda a tua casa e com toda a casa de José”. Então fê-los entrar em sua casa. O conselho estava todo reunido, e José veio sentar-se entre Anás e Caifás. E ninguém se atreveu a dizer-lhe uma palavra. Então José disse: “A quem obedece aquele que me convocou?” Eles fizeram sinais a Nicodemus para que falasse com José. Ele então abriu sua boca e falou-lhe assim: “Sabes que os veneráveis doutores, assim como os sacerdotes e levitas, desejam saber de ti uma coisa”. E José disse: “Perguntai”. Então Anás e Caifás pegaram o livro da lei e colocaram José sob juramento dizendo: “Glorifica e confessa ao Deus de Israel. Sabei que Achar, ao ser conjurado pelo profeta Jesus, não cometeu perjúrio, mas sim anunciou tudo e não ocultou uma só palavra. Tu, pois, também não ocultes de nós nenhuma palavra”. E José disse: “Não ocultar-vos-ei uma só palavra”. Então eles lhe disseram: “Sentimos uma grande contrariedade quando pediste o corpo de Jesus e envolveste-o em um lençol limpo e puseste-o no sepulcro. Por isso detivemos-te num recinto onde não havia nenhuma janela. Deixamos, além disso, as portas trancadas e fechadas a chave e dois guardas ficaram custodiando a prisão onde estavas fechado. Porém, quando fomos abrir, no primeiro dia da semana, não te encontramos e preocupamo-nos ao máximo e foi-se estabelecendo o espanto sobre todo o povo de Deus até ontem. Agora, então, conta-nos o que aconteceu contigo”.

6 E José disse: “Na sexta-feira, à décima hora, encarcerastes-me, e ali permaneci durante o Sábado todo. Mas à meia-noite, enquanto eu estava em pé orando, a casa onde me deixastes fechado ficou suspensa nos quatro ângulos e vi como que um relâmpago de luz diante dos meus olhos. Amedrontei-me, então caí ao chão. Porém, alguém pegou minha mão e levantou-me do lugar onde estava caído. Senti depois que a água derramava-se sobre mim desde a cabeça até os pés e veio às minhas narinas uma fragrância de bálsamo. E aquela personagem desconhecida enxugou-me o rosto, deu-me um beijo e disse-me: `Não temas, José; abre teus olhos e olha para quem te fala’. Então, levantando meus olhos, vi Jesus; mas no meu estreme-cimento supus que era um fantasma e pus-me a recitar os mandamentos. E ele pô-se a recitá-los junto comigo. Como sabeis muito bem, se um fantasma vem ao vosso encontro e ouve os mandamentos, foge rapidamente. Vendo, então, que recitava-os juntamente comigo, disse-lhe: ‘Mestre Elias’. Mas ele disse-me: ‘Não sou Elias’. Eu então disse: ‘Quem sois, Senhor?’ Ele disse-me: ‘Eu sou Jesus, aquele cujo corpo tu pediste a Pilatos e envolveste com um lençol limpo, e puseste um sudário sobre a cabeça, e colocaste em tua gruta nova, e rolaste uma grande pedra à sua entrada’. E eu disse ao que me falava: ‘Mostrai-me o lugar onde te coloquei’. E ele levou-me e mostrou-me o lugar onde eu o colocara; nele estavam estendidos o lençol e o sudário que havia servido para seu rosto. Então reconheci que era Jesus. Depois ele pegou minha mão e deixou-me a portas fechadas dentro da minha casa; em seguida, acompanhou-me até minha cama e disse-me: `Que a paz esteja contigo’. A seguir deu-me um beijo, dizendo-me: `Até que se completem quarenta dias não saias de tua casa; pois eis que vou até a Galiléia ao encontro de meus irmãos’.”

Capítulo 16

1 Quando os arquissinagogos, sacerdotes e levitas ouviram estas palavras dos lábios de José, ficaram como mortos e caíram ao chão. E jejuaram até a nona hora. Então Nicodemus e José puseram-se a animar Anás e Caifás, os sacerdotes e os levitas, dizendo: “Levantai, ficai em pé e robustecei vossas almas, pois amanhã é o Sábado do Senhor”. E com isto levantaram-se, oraram a Deus, comeram, beberam e cada um voltou à sua casa.

2 No sábado seguinte, nossos doutores reuniram-se em conselho, bem como os sacerdotes e levitas, discutindo entre si e dizendo: “Que será esta cólera que se formou sobre nós? Porque, de nossa parte, conhecemos bem seu pai e sua mãe”. Então, Levi o doutor disse: “Conheço seus pais e sei que são tementes a Deus, que não descuidam de seus votos e que três vezes por ano dão seus dízimos. Quando Jesus nasceu, trouxeram-no a este lugar e ofereceram a Deus sacrifícios e holocaustos. E o grande doutor Simeão, ao tomá-lo em seus braços, disse: ‘Agora despeça o teu servo em paz, Senhor, segundo tua palavra; pois meus olhos viram tua salvação, que preparaste para a face de todos os povos; luz para a revelação dos gentios e glória do teu povo de Israel’. E Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: ‘Dou-te boas novas com relação a este menino’. Maria disse: `Boas, senhor?’ E Simeão respondeu: `Boas; olha, este foi colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e para ser um sinal de contradição. Tua própria alma será atravessada por uma espada de forma que os pensamentos de muitos fiquem a descoberto’.”

3 Então disseram a Levi o doutor: “Como sabes tu disto?” Ele respondeu: “Não sabeis que aprendi a lei dos seus lábios?” Os do conselho disseram: “Que-remos ver teu pai”. E fizeram com que o pai de Levi fosse chamado.

E, quando o interrogaram, ele respondeu: “Por que não acreditastes em meu filho? O bem-aventurado e justo Simeão em pessoa ensinou-lhe a lei”. E o conselho disse-lhe: “Mestre Levi, é verdade o que disseste?” Ele respondeu: “E verdade”. E os arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram entre si: “Eia! Enviemos à Galiléia os três homens que vieram trazer ao nosso conhecimento sua doutrina e sua ascensão, e que nos digam de que maneira viram-no elevar-se”. E esta proposição agradou a todos. Enviaram, pois, os três homens que os haviam acompanhado anteriormente até a Galiléia com essa incumbência: “Dizei ao mestre Adas, ao mestre Finees e ao mestre Ageu: ‘Que a paz esteja convosco e com os que estão em vossa companhia’. Tendo havido uma grande discussão neste conselho, viemos para levar-vos a este lugar santo de Jerusalém”.

4 Puseram-se, pois, os homens a caminho da Galiléia e os encontraram sentados e absortos com o estudo da lei. Deram-lhes um abraço de paz. Então disseram os varões galileus a quem haviam ido buscar: “Que a paz esteja em todo Israel”. E disseram os enviados: “Que a paz esteja convosco”. E aqueles disseram de novo: “A que viestes?” Os enviados responderam: “Chama-vos o conselho da santa cidade de Jerusalém”. Quando aqueles homens ouviram que eram procurados pelo conselho, fizeram orações a Deus, sentaram-se à mesa com os enviados, comeram, beberam, levantaram-se e puseram-se tranqüilamente a caminho até Jerusalém.

5 No dia seguinte, o conselho reuniu-se na sinagoga e os interrogaram dizendo: “E verdade que vistes Jesus sentado no monte Mamilch dando instruções aos seus onze discípulos e que presenciastes sua ascensão?” E os homens responderam desta maneira: “Da mesma maneira que o vimos ao ser elevado, assim vos contamos”.

6 Então Anás disse: “Separemo-los uns dos outros e vejamos se suas declarações coincidem”. E foram separados. Depois, em primeiro lugar, chamaram Adas e lhe disseram: “Mestre, como contemplaste a ascensão de Jesus?” Adas respondeu: “Enquanto ainda estava sentado no monte Mamilch e dava instruções aos seus discípulos, vimos uma nuvem que cobriu a todos com sua sombra; depois, a mesma nuvem elevou Jesus até o céu, enquanto que os discípulos jaziam com suas faces na terra”. Em seguida chamaram a Finees, sacerdote, e perguntaram-lhe também: “Como contemplaste a ascensão de Jesus?” E ele falou de maneira semelhante. Interrogaram também a Ageu, que respondeu de maneira semelhante. Então ele disse ao conselho: “Está contido na lei de Moisés: ‘Da boca de dois ou três toda a palavra será firme’.” E o mestre Buthem acrescentou: “Está escrito na lei: ‘E passeava Enoque com Deus, e já não existe, porque Deus levou-o consigo’.” Também o mestre Jairo disse: “Também ouvimos falar da morte de Moisés, mas não o vimos, pois está escrito na lei do Senhor: ‘E Moisés morreu pela palavra do Senhor e ninguém jamais conheceu, até o dia de hoje, seu sepulcro’.” E o mestre Levi disse: “E o que significa o testemunho que o mestre Simeão deu quando viu Jesus: `Eis aqui que este está colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição’?” E o mestre Isaac disse: “Está escrito na lei: ‘Eis aqui que eu envio meu mensageiro diante de ti, o qual preceder-te-á para guardar-te em todo o bom caminho, pois meu nome é nele invocado’.”

7 Então Anás e Caifás disseram: “Haveis citado justa-mente o escrito na lei de Moisés, que ninguém viu a morte de Enoque e que ninguém mencionou a morte de Moisés. Mas Jesus falou a Pilatos, e nós sabemos que o vimos receber bofetadas e cusparadas no rosto; que os soldados cingiram-lhe uma coroa de espinhos; que foi flagelado; que recebeu sentença da parte de Pilatos; que foi crucificado no Calvário em companhia de dois ladrões; que se lhe deu de beber fel e vinagre; que o centurião Longinos abriu seu flanco com uma lança; que José, nosso honorável pai, pediu seu corpo e que, como disse, ressuscitou; que, como dizem os três mestres, viram-no elevar-se ao céu; e, finalmente,que o mestre Levi deu testemunho do que o mestre Simeão disse, e que disse: ‘Eis aqui este que está colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição’.” E todos os doutores disseram em uníssono ao povo inteiro de Israel: “Se esta ira provém do Senhor e é admirável aos nossos olhos, conhecei sem dar margem a dúvidas, ó casa de Israel, que está escrito: `Maldito todo aquele que está preso a um pedaço de madeira’. E outro lugar da escritura menciona: `Deuses que não fizeram o céu e a terra perecerão’.” E os sacerdotes e levitas disseram entre si: “Se sua memória perdurar até Sommos (também conhecido pelo nome de Jobel), sabei que o seu domínio será eterno e que fará nascer para si um novo povo”. Então os arquissinagogos, sacerdotes e levitas exortaram todo o povo de Israel dizendo: “Maldito aquele que adorar qualquer obra saída de mãos humanas e maldito aquele que adorar as criaturas tendo ao lado o Criador”. E o povo em massa respondeu: “Amém, amém”.

8 Depois, a multidão entoou um hino ao Senhor desta forma: “Bendito o Senhor, que proporcionou descanso ao povo de Israel de acordo com o que havia prometido; não caiu no vazio nem uma só de todas as boas coisas que disse ao seu servo Moisés. Que siga ao nosso lado o Senhor nosso Deus da mesma maneira que estava do lado dos nossos pais. Que não nos entregue à perdição para que possamos inclinar nosso coração até Ele, para que possamos seguir todos os seus caminhos e para que possamos praticar os preceitos e critérios que apregoou aos nossos pais. Naquele dia o Senhor será rei sobre toda a terra; não haverá outro ao seu lado; seu nome será unicamente Senhor, nosso rei. Ele nos salvará. Não há semelhante a ti, Senhor; sois grande, Senhor, e grande o teu nome. Cura-nos pela tua virtude e seremos curados; salva-nos, Senhor, e seremos salvos, pois somos tua pequena parte e tua herança. O Senhor não abandonará jamais o seu povo pela magnitude do seu nome, pois começou a fazer de nós o seu povo”.

E todos depois, em coro, cantaram o hino e cada qual foi para casa dando graças a Deus, porque aquele dia permanece por todos os séculos dos séculos. Amém.

Evangelho de Nicodemus

Descida de Cristo ao Inferno

(Versão Grega)

Capítulo 1

ENTÃO JOSÉ disse: “E por que vos admirai de que Jesus tenha ressuscitado? O admirável não é isto; o admirável é que não somente ele ressuscitou, como também devolveu a vida a um grande número de mortos, que há muito não são vistos em Jerusalém. E se não conheceis os outros, conheceis sim, pelo menos, Simeão, aquele que tomou Jesus nos braços, assim como também seus dois filhos, que igualmente foram ressuscitados. Pois a esses, há pouco tempo, nós mesmos demos sepultura, e agora podem contemplar seus sepulcros abertos e vazios, e estão vivos e morando em Arimatéia”. Enviaram, então, algumas pessoas e compro-varam que os sepulcros estavam abertos e vazios. José então disse: “Vamos a Arimatéia e veremos se os encontramos.

2 E levantando-se os pontífices Anás, Caifás, José, Nicodemus, Gamaliel, e outros em sua companhia, foram até Arimatéia onde encontraram aqueles a quem José se havia referido. Fizeram, então, orações e abraçaram-se mutuamente. Depois regressaram a Jerusalém em sua companhia e os levaram até a sinagoga. E, ali postos, fecharam as portas, colocaram o Antigo Testamento dos judeus no centro e os pontífices disseram-lhes: “Que-remos que jureis pelo Deus de Israel e por Adonai, para que assim digais a verdade, de como haveis ressuscitado e quem é aquele que vos tirou de entre os mortos”.

3 Quando os ressuscitados ouviram isto, fizeram sobre suas faces o sinal da cruz e disseram aos pontífices: “Dai-nos papel, tinta e pena”. Trouxeram-lhes e, sentando-se, escreveram da seguinte maneira:

Capítulo 2

1 Oh, Senhor Jesus Cristo, ressurreição e vida do mundo! Dai-nos a graça para fazermos o relato da tua ressurreição e das maravilhas que fizeste no Inferno. Nós estávamos, então, no Inferno em companhia de todos os que haviam morrido desde o princípio. E na hora da meia-noite amanheceu naquelas trevas, algo assim como a luz do sol, e com o seu brilho fomos todos iluminados e pudemos ver-nos uns aos outros. E ao mesmo tempo o nosso pai Abraão, os patriarcas e profetas e todos em uníssono regozijaram-se e disseram entre si: “Esta luz provém de um grande resplendor”. Então o profeta Isaías, ali presente, disse: “Esta luz provém do Pai, do Filho e do Espírito Santo; sobre ela eu profetizei, quando ainda estava na terra, desta maneira: Terra de Zabulão e terra de Neftali, o povo que estava sumido nas trevas viu uma grande luz”.

2 Depois surgiu do meio um asceta do deserto, e os patriarcas perguntaram-lhe: “Quem sois?” Ele respondeu: “Eu sou João, o último dos profetas, aquele que preparou os caminhos do Filho de Deus e pregou a penitência ao povo para remissão dos pecados. O Filho de Deus veio ao meu encontro e, ao vê-lo de longe, disse ao povo: ‘Eis aqui o cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo’. E com minha própria mão batizei-o no rio Jordão e vi o Espírito Santo em forma de pomba que descia sobre ele. E ouvi também a voz de Deus Pai, que assim dizia: ‘Este é meu Filho, o amado, o que me agrada’. E por isso mesmo também enviou-me a vós para anunciar-vos a chegada do Filho de Deus unigênito a este lugar, a fim de que aquele que acreditar nele seja salvo, e quem não acreditar, seja condenado. Por isto recomendo a todos que, enquanto o virdes, adoreis somente a ele, porque esta é a única oportunidade de que dispondes para fazer penitência pelo culto que rendestes aos ídolos enquanto vivíeis no mundo vil de antes e pelos pecados que cometestes; isto já não poderá ser feito em outra ocasião”.

Capítulo 3

Ao ouvir o primeiro a ser criado e pai de todos a instrução que João estava dando aos que se encontravam no inferno, disse Adão ao seu filho Seth: “Meu filho, quero que digas aos pais do gênero humano e aos profetas para onde eu o enviei quando caí no transe da morte”. Seth disse: “Profetas e patriarcas, escutai: meu pai Adão, a primeira das criaturas, caiu uma vez em perigo de morte e enviou-me para fazer orações a Deus muito próximo da porta do paraíso, para que me fizesse chegar por meio de um anjo até a árvore da misericórdia, de onde haveria de tomar do óleo, para com ele ungir meu pai para que assim ele pudesse recuperar-se de sua doença. Assim fiz. E, depois de fazer minha oração, um anjo do Senhor veio e disse-me: ‘Que pedes, Seth? Buscas o óleo que cura os doentes ou a árvore que o distila para a doença do teu pai? Isto não pode ser encontrado agora. Vai, pois, e diz ao teu pai que depois de cinco mil e quinhentos anos, a partir da criação do mundo,haverá de descer o Filho de Deus humanizado; Ele encarregar-se-á de ungi-lo com este óleo, e teu pai levantar-se-á; e, além disso, purifica-lo-á, tanto a ele quanto aos seus descendentes com água e com o Espírito Santo; e então, sim, ver-se-á curado de todas as doenças, porém, por agora, isto é impossível’.”

Os patriarcas e profetas que ouviram isto alegraram-se grandemente.

Capítulo 4

1 E, enquanto estavam todos se regozijando desta forma, Satanás, o herdeiro das trevas, veio e disse ao Inferno: “ó tu, devorador insaciável de todos, ouve minhas palavras: anda por aí um certo judeu, de nome Jesus, que chama-se a si mesmo Filho de Deus; mas, como é um homem puro, os judeus deram-lhe a morte na cruz, graças à nossa cooperação. Agora, então, que acaba de morrer, estejas preparado para que possamos colocá-lo aqui bem aprisionado; pois eu sei que não é mais do que um homem, e ouvi-o até dizer: ‘Minh’alma está triste por causa da morte’. Sabes, além disso, que ele me causou muitos danos no mundo enquanto vivia entre os mortais, pois aonde quer que eu encontrasse meus servos, ele os perseguia; e todos os homens que eu deixava mutilados, cegos, coxos, leprosos ou algo semelhante, ele os curava somente com sua palavra; até muitos deles para os quais eu já havia preparado sepultura, ele fazia reviver somente com sua palavra”.

2 Disse então o Inferno: “E é ele tão poderoso assim que pode fazer tais coisas somente com sua palavra? E, sendo ele assim, tu porventura te atreves a enfrentá-lo? Eu creio que diante de alguém como ele, ninguém poderá opor-se. E o que disseste tê-lo ouvido exclamar, expressando seu temor diante da morte, disse-o sem dúvida, para rir-se de ti e enganar-te, para poder desafiar-te com seu poder. E então, ai! ai de ti por toda a eternidade!” Ao que Satanás respondeu: “á Inferno, devorador insaciável de todos! Sentiste tanto medo assim ao ouvir falar de nosso inimigo comum? Eu nunca lhe tive medo, e bem que aticei os judeus, e eles o crucificaram e deram-lhe de beber fel com vinagre. Prepara-te, então, para que quando venha possas subjugá-lo firmemente”.

3 O Inferno respondeu: “Herdeiro das trevas, filho da perdição, caluniador, acabas de dizer-me que ele fazia reviver somente com sua palavra a muitos dos que tu havias preparado para a sepultura; se, pois, ele livrou outros do sepulcro, como e com que forças nós seremos capazes de subjugá-lo? Há pouco tempo devorei um cadáver chamado Lázaro; porém, pouco depois, um dos vi-vos, somente com sua palavra, arrancou-o à força das minhas entranhas. E penso que ele é o mesmo ao qual tu te referes. Se, pois, viermos a recebê-lo aqui, tenho medo de que corramos perigo também com relação aos demais porque deves saber que vejo agitados todos os que devorei desde o princípio, e sinto dores na minha barriga. E Lázaro, aquele que me foi arrebatado anteriormente, não é um bom presságio, pois voou para longe de mim, não como um morto mas sim como uma águia: tão rapidamente arremessou-o fora da terra. Assim, pois, conjuro-te por tuas artes e pelas minhas, não o tragas aqui. Tenho para mim que o fato de ele ter-se apresentado em nossa mansão quer dizer que todos os mortos cometeram pecado. E considera que, pelas trevas que possuímos, se o trouxeres aqui, não me restará nem um só dos mortos”.

Capítulo 5

1 Enquanto Satanás e o Inferno diziam tais coisas entre si, produziu-se uma grande voz como um trovão, que dizia: “Elevai, ó príncipes, vossas portas; descerrai, ó portas eternas, e o Rei da Glória entrará”. Quando o Inferno ouviu isto, disse a Satanás: “Sai, se és capaz, e enfrenta-o”. E Satanás saiu. Depois o Inferno disse para seus demônios: “Trancai bem e fortemente as portas de bronze e os ferrolhos de ferro; guardai minhas fechaduras e examinai tudo o que está em pé, pois, se aquele entrar aqui, ai! apoderar-se-á de nós”.

2 Os pais que ouviram isto começaram a fazer-lhe zombarias dizendo: “Comilão insaciável, abre para que o Rei da Glória entre”. E o profeta Davi disse: “Não sabes, cego, que estando eu ainda no mundo, fiz esta profecia: `Elevai, ó príncipes, vossas portas!?’ “Isaías por sua vez disse: “Eu, prevendo isto pela virtude do Espírito Santo, escrevi: “Os mortos ressuscitarão e os que estão nos sepulcros levantar-se-ão e os que vivem na terra alegrar-se-ão’; e onde estão, ó morte, teus grilhões? Aonde, Inferno, a tua vitória?”

3 Então, de novo veio uma voz que dizia: “Levantai as portas”. O Inferno, que ouviu repetir esta voz, disse como se não se apercebesse: “Quem é este Rei da Glória?” E os anjos do Senhor responderam: “O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na batalha”. E num instante, à convocação de conjuração desta voz, as portas de bronze tornaram-se pequeninas e os ferrolhos de ferro ficaram reduzidos a pedaços, e todos os defuntos acorrentados viram-se livres de suas correntes, e nós dentre eles. E entrou o Rei da Glória na figura humana, e todos os antros escuros do Inferno foram iluminados.

Capítulo 6

1 Em seguida o Inferno começou a gritar: “Fomos vencidos, ai de nós! Mas quem és tu, que possuis tal poder e força? Quem és tu, que vens aqui sem pecado? Aquele que é pequeno na aparência e pode grandes coisas, o humilde e o excelso, o servo e o senhor, o soldado e orei, aquele que tem poder sobre os vivos e os mortos? Foste pregado à cruz e colocado no sepulcro, e agora ficaste livre e desfizeste nossa força. Então, por conseguinte, és tu Jesus, de quem nos falava o grande sátrapa Satanás, que pela cruz e pela morte tornar-te-ias dono de todo o mundo?”

2 E então o Rei da Glória agarrou o grande sátrapa Satanás pelo pescoço e entregou-o aos anjos, dizendo: Amarrai com correntes de ferro suas mãos, seus pés, seu pescoço e sua boca”. Depois colocou-o nas mãos do Inferno com a seguinte recomendação: “Toma-o e o mantém bem preso até a minha segunda vinda”.

Capítulo 7

1 Então o Inferno encarregou-se de Satanás e disse-lhe: “Belzebu, herdeiro do fogo e da tempestade, inimigo dos santos, que necessidade tinhas de providenciar para que o Rei da Glória fosse crucificado e que viesse depois aqui e nos despojasse? Vira-te e olha que em mim não ficou nenhum morto, pois que tudo o que ganhaste pela árvore da ciência puseste a perder pela cruz. Todo o teu gozo converteu-se em tristeza, e a pretensão de matar o Rei da Glória provocou tua própria morte. E, uma vez que te recebi com a recomendação de subjugar-te fortemente, aprenderás com a própria experiência quanto mal sou capaz de infligir-te. O chefe dos diabos, princípio da morte, raiz do pecado, final de toda maldade, que encontraste de mal em Jesus para buscar sua perdição? Como tiveste coragem para perpetrar um crime tão grande? Por que te ocorreu fazer um varão como este descer até às trevas, pois as despojou de todos os que morreram desde o princípio?”

Capítulo 8

1 Enquanto o Inferno admoestava assim Satanás, o Rei da Glória estendeu sua mão direita e com ela pegou e levantou o primeiro pai Adão. Depois dirigiu-se aos demais e disse-lhes: “Vinde aqui comigo todos os que foram feridos de morte pelo madeiro que me tocou, pois eis aqui que eu vos ressuscito pela madeira da cruz”. E com isto levou todos para fora. E o primeiro pai Adão apareceu transbordante de gozo e dizia: “Agradeço, Senhor, tua magnanimidade por me haveres tirado do mais profundo do Inferno”. E também todos os profetas e santos disseram: “Damos-te graças, ó Cristo Salvador do mundo, porque tiraste nossa vida da corrupção”.

2 Depois de assim haverem falado, o Salvador abençoou Adão na testa com o sinal da cruz. Depois fez a mesma coisa com os patriarcas, profetas, mártires e progenitores. E a seguir pegou-os a todos e deu um salto do Inferno. E enquanto ele caminhava, os santos pais seguiam-no cantando e dizendo: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor. Aleluia! Sejam para ele os louvores de todos os santos”.

Capítulo 9

1 Então, a caminho do paraíso levando pela mão o primeiro pai, Adão. E ao chegar, entregou-o, assim como os demais justos, ao arcanjo Michael. E quando entraram pela porta do paraíso, saíram dois anciãos, aos quais os santos pais perguntaram: “Quem sois vós, que não vistes a morte nem descestes ao Inferno, mas viveis de corpo e alma no paraíso?” Um deles respondeu e disse: “Eu sou Enoque, aquele que agradou ao Senhor e foi trazido aqui por Ele; este é Elias, o Tesbita; ambos seguiremos vivendo até a consumação dos séculos; então seremos enviados por Deus para enfrentar o anticristo e ser mortos por ele, e ressuscitar no terceiro dia, para depois sermos arrebatados pelas nuvens ao encontro do Senhor”.

Capítulo 10

Enquanto eles assim se expressavam, veio outro homem de aparência humilde, que levava ainda sobre os seus ombros uma cruz. Os santos pais disseram-lhe: “Quem és tu, que tens o aspecto de ladrão, e que é essa cruz que levas sobre teus ombros?” Ele respondeu: “Eu, segundo dizes, era ladrão e assaltante no mundo e por isso os judeus prenderam-me e entregaram-me à morte na cruz juntamente com Nosso Senhor Jesus Cristo. E enquanto ele pendia na cruz, ao ver os prodígios que se sucederam, acreditei nele e roguei a ele dizendo: `Senhor, quando reinares, não te esqueças de mim’. E ele logo disse-me: ‘Em verdade em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo no paraíso’. Vim, pois, com minha cruz nas costas até o paraíso e, encontrando o arcanjo Michael, disse-lhe: `Nosso Senhor Jesus, aquele que foi crucificado, enviou-me aqui; leva-me, então, até a porta do Éden’. E quando a espada de fogo viu o sinal da cruz, abriu-me a porta e entrei. Depois o arcanjo disse-me: ‘Espera um momento, já que também deve vir o primeiro pai da raça humana, Adão, em companhia dos justos, para que eles também entrem. E agora, ao vê-los, saí ao vosso encontro’.”

Quando os santos ouviram isso, exclamaram em voz alta da seguinte maneira: “Grande é o nosso Senhor e grande é o seu poder”.

Capítulo 11

Tudo isto nós vimos e ouvimos, os dois irmãos gêmeos, que fomos também enviados pelo arcanjo Michael e designados para pregar a ressurreição do Senhor antes de ir até o Jordão e sermos batizados. Para ali fomos e fomos batizados juntamente com outros defuntos também ressuscitados; depois viemos a Jerusalém e celebramos a Páscoa da ressurreição. Mas agora, na impossibilidade de permanecermos aqui, vamo-nos. Que a caridade, então, de Deus Pai e a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e a comunicação do Espírito Santo estejam convosco”. E, uma vez isto escrito e fechados os livros, deram a metade aos pontífices e a outra metade a José e a Nicodemus. Eles, por sua vez, desapareceram imediatamente para a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

Evangelho de Nicodemus

Descida de Cristo ao Inferno

(Versão Latina)

Capítulo 1

ENTÃO OS mestres Addas, Finees e Egias, três varões que vieram da Galiléia para testemunhar que haviam visto Jesus ser arrebatado ao céu, levantaram-se em meio à multidão de chefes dos judeus e disseram na presença dos sacerdotes e levitas reunidos em conselho: “Senhores, quando íamos da Galiléia ao Jordão, veio ao nosso encontro uma grande multidão de homens vestidos de branco que haviam morrido já há algum tempo. Dentre eles reconhecemos Karino e Lêucio; e quanto eles se aproximaram de nós e nos beijamos mutuamente, já que haviam sido nossos amigos, perguntamos-lhes: “Dizei-nos, irmãos e amigos, que são esta alma e este corpo, e quem são essas pessoas com quem caminhais, e como viveis no corpo, sendo que já faz tempo que morrestes?”

2 Eles responderam desta maneira: “Ressuscitamos dos infernos com Cristo e Ele tirou-nos de entre os mortos. E saibas que a partir de agora ficam destruídas as portas da morte e das trevas, e as almas dos santos foram tiradas dali e subiram ao céu com Cristo Senhor Nosso. O Senhor em pessoa mandou-nos que, durante um certo tempo, vagássemos pelas margens do Jordão e pelos montes, entretanto sem que nos deixássemos ver e sem que falássemos com ninguém, mas somente com aqueles que ele permitisse. Neste momento, não nos seria possível nem falar nem nos deixar ver por vós se não nos tivesse sido permitido pelo Espírito Santo”.

3 Diante destas palavras, a multidão que assistia ao conselho ficou assustada, presa de temor e de tremor, e dizia: “Por ventura será verdade o que estes dois galileus testemunham?” Então Anás e Caifás dirigiram-se ao conselho nestes termos: “Descobrir-se-á imediatamente o que está relacionado com todas estas coisas de que estes deram testemunho antes e depois: se se comprovar ser verdade que Karino e Lêucio permanecem vivos em seus corpos, e se nos for permitido vê-los com nossos próprios olhos, significa que é verdade o que eles testemunham com todos os detalhes, e, quando os encontrarmos, informar-nos-ão com certeza de tudo. Caso contrário, porém, sabei que tudo é pura farsa”.

4 Puseram-se, então, a deliberar e concordaram em escolher alguns homens idôneos e tementes a Deus, que os sabiam mortos e conheciam a sepultura em que haviam sido colocados, para que fizessem diligentes pesquisas e comprovassem se aquilo era, na verdade, tal como haviam dito. Assim, pois, foram lá quinze homens que haviam presenciado a sua morte e haviam estado pessoalmente no lugar da sepultura, e haviam visto seus sepulcros. Examinaram, então, e os encontraram abertos, bem como outros tantos, sem que pudessem ver sinais de seus ossos ou de suas cinzas. E voltaram com grande surpresa, relatando o que haviam visto.

5 Então a sinagoga inteira turbou-se, cheia de uma angústia terrível, e disseram entre si: “Que haveremos de fazer?” Anás e Cairás disseram: “Dirijamo-nos ao lugar onde eles estão, e enviemos até eles homens de nobreza, intercessores que lhes supliquem que se dignem vir a nós”. Enviaram, então, Nicodemus, José e os três mestres galileus que os haviam visto, com o pedido de que fizessem a gentileza de vir até eles. Puseram-se, então, a caminho e andaram por todos os arredores do Jordão e dos montes. Mas, não os tendo encontrado, já estavam tomando o caminho de volta.

6 Quando, de repente, avistaram uma grande multidão, como de uns doze mil homens que haviam ressuscitado com o Senhor e que desciam do monte Amalech. Eles reconheceram muitos deles, porém não foram capazes de dirigir-lhes uma só palavra, com medo da visão angélica, e contentaram-se em vê-los de longe e ouvi-los cantando hinos e dizendo: “O Senhor ressuscitou de entre os mortos, como havia dito; alegremo-nos e regozijemo-nos todos, porque ele reina eternamente”. Então os que foram buscá-los ficaram mudos de admiração e receberam deles o conselho de ir procurar Karino e Lêucio em suas próprias casas..

7 Levantaram-se, então, e foram buscá-los em suas casas, onde os encontraram entregues à oração. E, entrando no lugar em que estavam, caíram com os rostos por terra e assim que se cumprimentaram, levantaram-se e disseram: “Amigos de Deus, ao ouvir que havíeis ressuscitado de entre os mortos, a assembléia dos judeus enviou-nos a vós para pedir-vos encarecidamente que vos dirijais até eles, para que possamos juntos conhecer as maravilhas divinas que tiveram lugar à nossa volta em nossos tempos”. Eles então levantaram-se imediatamente, movidos pela inspiração divina, e, em sua companhia, entraram na sinagoga. E a assembléia dos judeus, juntamente com os sacerdotes, passaram às suas mãos os livros da lei e os conjuraram pelo Deus Heloi e Deus Adonai e pela lei e pelos profetas desta maneira: “Dizei-nos como haveis ressuscitado de entre os mortos e o que são estas maravilhas que tiveram lugar em nossos tempos, maravilhas de que jamais ouvimos falar em qualquer outro tempo. Sabei, então, que o pavor e a estupefação atingiram nossos ossos e que a terra moveu-se sob nossos pés, por havermos juntado nossa vontade para derramar sangue justo e santo”.

8 Então, Karino e Lêucio fizeram-lhes sinais com as mãos para que lhes dessem um rolo de papel e tinta. E assim o fizeram porque o Espírito Santo não lhes permitiu falar com eles. Deram a cada um papel e os separaram em diferentes salas. E eles então, depois de fazerem o sinal da cruz com os dedos, começaram a escrever cada um seu próprio rolo. E, quando terminaram, exclamaram a uma só voz, de suas salas: “Amém”. Em seguida, Karino levantou-se e deu seu papel para Anás, enquanto que Lêucio fez o mesmo com Caifás. E depois de se despedirem, saíram e voltaram aos seus sepulcros.

9 Então, Anás e Caifás abriram cada um o seu volume e começaram a ler em segredo. O povo, porém, sentido-se ofendido, exclamou em uníssono: “Lede esses escritos em voz alta,e, depois, haveremos de conservá-los para que a verdade divina não venha a ser adulterada por indivíduos imundos e ardilosos, levados pela obsessão”. Então Anás e Caifás, cheios de tremor, entregaram o rolo de papel ao mestre Addas, ao mestre Finees e ao mestre Agias, que haviam vindo da Galiléia com a notícia de que Jesus havia sido elevado ao céu; e todo o povo confiou neles para que lessem este escrito. E leram o papel, que continha o seguinte:

Capítulo 2

1 “Ah Senhor Jesus Cristo, permite que eu, Karino, exponha as maravilhas que operas-te nos Infernos. Enquanto nós nos encontrávamos presos nos Infernos, desaparecidos nas trevas e nas sombras da morte, vimo-nos de repente iluminados por uma grande luz e o Inferno e as portas da morte estremeceram. Então fez-se ouvir a voz do Filho do Altíssimo, como se fosse a voz de um grande trovão que, dando um forte brado, disse: `Deixai que se abram, ó príncipes, vossas portas; descerrai as portas da eternidade, pois sabeis que Cristo Senhor, Rei da Glória, virá para entrar’.

2 “Então Satanás, o príncipe da morte, ouvindo o brado, fugiu aterrorizado para dizer aos seus subordinados e aos Infernos: ‘Meus ministros e todos os Infernos, vinde todos aqui, fechai vossas portas, colocai os ferrolhos, lutai com denodo e resisti, não aconteça que, sendo donos das correntes, venhamos a ficar presos nelas’. Então, todos os seus ímpios satélites, perturbados, puseram-se apressadamente a fechar as portas da morte, a verificar as fechaduras e os ferrolhos, e a empunhar com firmeza todas as suas armas, e a lamentar com voz sinistra e horripilante.

Capítulo 3

1 “Então Satanás disse ao Inferno: ‘Prepara-te para receber alguém que vou trazer-te’. Mas o Inferno assim respondeu a Satanás: `Esta voz não foi outra coisa senão o brado do Filho do Pai Altíssimo, pois diante das suas palavras a terra e os lugares do Inferno entram em comoção; penso que tanto eu quanto minhas ligações ficaram agora patentes e a descoberto. Mas afirmo-te, ó Satanás, cabeça de todos os males, por tua força e pela minha, que não o tragas a mim, a não ser que, querendo pegá-lo, venhamos nós a ser presos por ele. Pois se somente com sua voz minha fortaleza ficou de tal forma desfeita, que fazer quando estiver em sua presença?’

2 “Por sua vez, Satanás, o príncipe da morte, assim respondeu: `Por que gritas? Não tenhas medo, perversíssimo amigo de outrora, porque fui eu quem incitou o povo judeu contra ele e graças a mim foi ferido com bofetadas, e eu perpetrei sua traição através de um dos seus. Além disso, é um homem muito temeroso diante da morte, posto que, deixando-se oprimir pela força do temor, disse: ‘Minh’alma está triste até a morte’. E eu mesmo o trouxe até ela, já que agora está dependurado na cruz.

3 “Então o Inferno lhe disse: ‘Se é ele quem somente com o poder do seu verbo fez Lázaro voar das minhas entranhas como uma águia, morto já há quatro dias, esse não é um homem na sua humanidade, mas sim Deus na sua majestade. Suplico-te, então, que não mo tragas aqui’. Satanás contestou: `Entretanto, prepara-te; não tenhas medo. Agora que já está dependurado na cruz, não posso fazer outra coisa’. Então o Inferno respondeu a Satanás da seguinte maneira: ‘Se, então, não és capaz de fazer outra coisa, tua perdição está perto. Em última instância, eu ficarei, sim, abatido e sem honra, mas tu serás crucificado sob meu domínio’.

Capítulo 4

1 “Enquanto isso, os santos de Deus estavam escutando a contenda entre Satanás e o Inferno; eles ainda não se reconheciam, mas estavam a ponto de começar a se conhecer. E nosso pai Adão, por sua vez, assim respondeu a Satanás: `O príncipe da morte, por que tremes e te amedrontas? Olha, o Senhor virá e irá destruir agora mesmo todas as tuas criaturas, e tu serás amarrado por ele e ficarás preso por toda a eternidade’.

2 “Então, todos os santos, ao ouvir a voz de nosso pai Adão e ao ver com que integridade respondia a Satanás, alegraram-se e sentiram-se reconfortados; em pouco tempo, puseram-se a andar em massa ao lado de Adão e reuniram-se a ele. E nosso pai Adão, ao olhar mais atentamente toda aquela multidão, admirava-se de ver que todos haviam sido gerados por ele,neste mundo. E então, depois de abraçar todos os que estavam ao seu redor, disse ao seu filho Seth, derramando amargas lágrimas: ‘Meu filho Seth, conta aos santos patriarcas e profetas o que o guardião do paraíso te disse quando caí doente e enviei-te para que me trouxesses um pouco do óleo da misericórdia e me ungisses com ele’.

3 “E Seth disse: ‘Quando me enviaste à porta do paraíso, orei e roguei ao Senhor com lágrimas e chamei o guardião do paraíso para que me desse um pouco desse óleo. Então o arcanjo Michael saiu e disse-me: ‘Seth, por que choras? A propósito, saibas que teu pai Adão não receberá este óleo de misericórdia, senão depois de muitas gerações se haverem passado. Pois descerá do céu ao mundo o Filho de Deus e será batizado por João no rio Jordão; aí teu pai receberá este óleo de misericórdia, junta-mente com todos que crêem nele; e o reino dos que acreditaram nele permanecerá pelos séculos’.

Capítulo 5

1 “Quando os santos ouviram isto exultaram. E um deles ali presente, chamado Isaías, exclamou em altos brados: ‘Pai Adão e todos os presentes, escutai minhas palavras: enquanto vivia eu na terra, inspirado pelo Espírito Santo compus um cântico profético sobre esta luz, dizendo: ‘O povo que permanecia nas trevas viu uma grande luz, amanheceu a luz para os habitantes da região das sombras da morte’. Ao ouvir isto, Adão e todos os presentes o interrogaram: ‘Quem és tu? Porque é verdade o que estás dizendo’. E ele respondeu: ‘Eu me chamo Isaías’.

2 “Então alguém que se assemelhava a um religioso aproximou-se. E perguntaram-lhe dizendo: ‘Quem és tu, que levas tais sinais em teu corpo?’ E ele respondeu com firmeza: ‘Eu sou João Batista, a voz e o profeta do Altíssimo. Eu caminhei diante da face do próprio Senhor para converter os desertos e os caminhos ásperos em veredas planas. Com o meu dedo, apontei os jerosolimitas e glorifiquei o cordeiro do Senhor e o Filho de Deus. Eu o batizei no rio Jordão e pude ouvir a voz do Pai que trovejava do céu sobre ele e proclamava: `Este é meu Filho amado, nele regozijo-me’. Eu também ouvi dele a promessa de que ele próprio haveria de descer aos Infernos’.

“O pai Adão ao ouvir isto exclamou com voz grave: ‘Aleluia’, que significa: o Senhor está chegando.

Capítulo 6

1 “Depois, outro dos que estavam presentes e que se distinguia por uma espécie de insígnia imperial, chamado Davi, pôs-se a falar, dizendo: `Eu, vivendo ainda na terra, revelei ao povo os mistérios da misericórdia de Deus, profetizando os futuros prazeres que haveriam de vir com o passar dos séculos, da seguinte maneira: `Dai glória a Deus por suas misericórdias e suas maravilhas aos filhos dos homens, porque despedaçou as portas de bronze e arrebentou os ferrolhos de ferro’. Então os santos patriarcas e profetas começaram a se reconhecer e a falar, um por um, de suas profecias. O santo profeta Jeremias, examinando suas profecias, dizia aos patriarcas e profetas: ‘Vivendo na terra, profetizei sobre o Filho de Deus, que apareceu na terra e conversou com os homens’.

2 “Então todos os santos cheios de alegria por causa da luz do Senhor, por ver o pai Adão e pela resposta de todos os patriarcas e profetas, exclamaram: `Aleluia, bendito o que vem em nome do Senhor’, de maneira que diante dessa exclamação, Satanás encheu-se de pavor e procurou um caminho para fugir:Mas isto não lhe era possível, porque o Inferno e seus satélites tinham-no subjugado e sitiado e diziam-lhe: ‘Por que tremes? De nenhuma maneira permitiremos que sai-as daqui, mas haverás de receber isto como bem merecido, das mãos daquele a quem atacavas sem trégua; caso contrário, saibas que serás acorrentado por ele e submetido à minha custódia’.

Capítulo 7

1 “E novamente ressoou a voz do Filho do Pai Altíssimo, como o estrondo de um grande trovão, que dizia: ‘Levantai vossas portas, ó príncipes, e elevai-vos, ó portas eternas, que o Rei da Glória vai entrar’. Então Satanás e o Inferno puseram-se a gritar assim: ‘Quem é esse Rei da Glória?’ E a voz do Senhor lhes respondeu: ‘o Senhor forte e poderoso, o Senhor forte na batalha’.

2 “Depois de ouvir-se esta voz, veio um homem cujo aspecto era como o de um ladrão, com uma cruz às costas, que gritava do lado de fora dizendo: “Abri a porta para que eu entre”. Satanás então, entreabriu-a e introduziu-o no recinto, fechando a porta atrás dele. E todos os santos viram-no cheio de luz e disseram-lhe: ‘Teu aspecto exterior é de ladrão; diga-nos, que é isso que levas em tuas costas?’ Ele humildemente respondeu e disse: ‘Na verdade, fui mesmo um ladrão, e os judeus dependuraram-me na cruz com meu Senhor Jesus Cristo, Filho do Pai Altíssimo. Enfim, adiantei-me, mas ele vem imediatamente atrás de mim.

3 “O santo Davi, então, encheu-se de cólera contra Satanás e bradou: ‘Abre tuas portas, ó asqueroso, para que o Rei da Glória entre’. E todos os santos de Deus também se insurgiram contra Satanás e queriam agarrá-lo e destruí-lo. E de novo ouviu-se um grito que vinha de dentro: ‘Descerrai vossas portas, ó príncipes, e elevai-vos, ó portas eternas, que o Rei da Glória vai entrar’. E o Inferno e Satanás novamente perguntaram àquela voz clara, dizendo: `Quem é este Rei da Glória?’ E aquela voz maravilhosa respondeu: `o Senhor das virtudes, ele é o Rei Ia Glória’.

Capítulo 8

“E no mesmo instante o Inferno pôs-se a tremer e as portas da morte, bem como as fechaduras, despedaçaram-se, e os ferrolhos do Inferno romperam-se e caíram ao chão, deixando todas as coisas a descoberto. Satanás permaneceu no meio em pé, confuso e prostrado, com os pés presos por grilhões. E eis que o Senhor Jesus Cristo entrou rodeado de uma claridade sublime, manso, grande e humilde, levando em suas mãos uma corrente; com ela amarrou o pescoço de Satanás e depois de novamente unir suas mãos às costas, arremessou-o ao Tártaro e pôs seu santo pé em sua garganta, dizendo: ‘Fizeste muitas coisas más no decorrer dos séculos; não deste nenhum descanso; hoje entrego-te ao fogo eterno’. E chamando novamente o Inferno,disse-lhe com autoridade: ‘To-ma este amaldiçoado e perverso Satanás e mantêm-no sob tua custódia até o dia que eu determinar’. O Inferno aceitou-o e ambos precipitaram-se no profundo do abismo.

Capítulo 9

1 “Então Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador de todos, piedosíssimo e muito suave, saudando novamente Adão, dizia-lhe com bondade: A paz esteja contigo, Adão, na companhia de teus filhos por todos os séculos dos séculos, amém’. E o pai Adão prostrou-se então aos pés do Senhor e, levantando-se, beijou suas mãos e derramou abundantes lágrimas dizendo: ‘Eis as mãos que me criaram, elas dão testemunho a todos’. Depois dirigiu-se ao Senhor, dizendo: ‘Vieste, ó Rei da Glória, para livrar os homens e integrá-los ao teu reino eterno’. E nossa mãe Eva caiu de maneira semelhante aos pés do Senhor, e levantando-se nova-mente, beijou suas mãos e derramou abundantes lágrimas enquanto dizia: “Eis as mãos que me criaram, elas dão testemunho a todos”.

2 “Então, todos os santos o adoraram e disseram aos brados: ‘Bendito o que vem em nome do Senhor, o Senhor Deus iluminou-nos. Assim seja por todos os séculos. Aleluia por todos os séculos: louvor, honra, virtude, glória, porque vieste do alto para visitar-nos’. E, cantando ‘aleluia’ e regozijando-se de glória, acorriam ao Senhor. Então o Salvador perscrutou à sua volta e mordeu o Inferno, e com a mesma rapidez com que havia arremessado uma parte às profundezas do Tártaro, a outra subiu consigo aos céus.

Capítulo 10

1 “Então, os santos de Deus rogaram ao Senhor que deixas-se nos Infernos o sinal da santa cruz, sinal de vitória, para que seus perversos ministros não conseguissem reter nenhum culpado que tivesse sido absolvido pelo Senhor. E assim se fez, e o Senhor colocou sua cruz no meio do Inferno, que é sinal de vitória e lá permanecerá por toda a eternidade.

2 “Depois todos saímos dali na companhia do Senhor, deixando Satanás e o Inferno no Tártaro. E nos enviou a nós e a muitos outros que havíamos ressuscitado com nosso corpo, para dar testemunho da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e do que acontecera nos Infernos.

3 “Caríssimos irmãos, isto é o que vimos e testemunhamos, depois de termos sido chamados por vós e o que testemunha aquele que morreu e ressuscitou por nós; porque da forma como as coisas aconteceram, elas foram escritas com todos os detalhes.”

Capítulo 11

1 E quando terminaram de ler o escrito, todos os que escutavam caíram com o rosto no chão e puseram-se a chorar amargamente, enquanto batiam duramente no peito e diziam aos gritos: “Ai de nós! Aonde chegamos com nossa desgraça? Foge Pilatos, fogem Anás e Caifás, fogem os sacerdotes e levitas, foge também o povo dos judeus dizendo entre soluços: ‘Ai de nós! Derramamos sobre a terra sangue inocente’.”

2 Assim, então, durante três dias e três noites não provaram nem do pão nem da água e nenhum deles voltou à sinagoga. Mas ao terceiro dia, o conselho novamente se reuniu e leu a carta de Lêucio na íntegra, e não se encontrou nela nem mais nem menos, nem sequer havia mudado uma só letra do escrito de Karino. Então turbou-se a sinagoga e todos choraram durante quarenta dias e quarenta noites, esperando a morte e a divina vingança das mãos de Deus. Mas o Altíssimo, que é todo piedade e misericórdia, não os aniquilou para que pudesse oferecer-lhes uma oportunidade de arrependimento. Não foram dignos, porém, de se converterem ao Senhor.

3 Caríssimos irmãos, estes são os testemunhos de Karino e de Lêucio sobre Cristo, Filho de Deus, e de seus santos nos Infernos, a quem damos todas as graças e glória pelos infinitos séculos dos séculos. Amém. Fim

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Apócrifos, Proto Evangelho de Tiago

Textos apócrifos, Evangelhos apócrifosApócrifos, Proto Evangelho de Tiago

(Natividade de Maria)

Este livro, apesar de conhecido como o Evangelho de Tiago ou Proto-Evangelho de Tiago, tem sua autoria desconhecida. Publicado em fins do século XVI, não se sabe exatamente ainda qual a época em que foi escrito, mas os maiores estudiosos dos Livros Apócrifos afirmam que é anterior aos Quatro Evangelhos Canônicos, servindo, em muitos aspectos, como base para estes.

O Proto-Evangelho de Tiago conta a vida de Maria, seu nascimento de Ana e Joaquim, considerados estéreis, de como foi sua educação no Templo até a sua puberdade, como se deu a escolha de seu futuro esposo, José, velho, viúvo e pai de seis filhos: Judas, Josetos, Tiago, Simão, Lígia e Lídia. Continua, narrando a concepção e a virgindade, que se manteve após dar à luz o Salvador, numa caverna. Fala da estrela misteriosa e radiante, que guiou os magos até a caverna e da nuvem de luz que pairou sobre o local, na hora em que o Senhor Jesus nascia.

Narra, também, a participação da parteira que testemunhou a virgindade de Maria, após o nascimento do Senhor E cita o testemunho de uma parteira que constatou a virgindade de Maria após dar à luz.

Capítulo 1

1 SEGUNDO NARRAM as memórias das doze tribos de Israel, havia um homem muito rico, de nome Joaquim, que fazia suas oferendas em quantidade dobrada, dizendo: “O que sobra ofereço para todo o povoado, e o devido na expiação de meus pecados será para o Senhor a fim de ganhar-lhe as boas graças.”

2 Chegou a grande festa do Senhor, na qual os filhos de Israel devem oferecer seus donativos, e Ruben se pôs à frente de Joaquim dizendo-lhe: “Não te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em Israel.”

3 Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel com intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não havia tido posteridade em seu povoado. E, examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado descendentes. Lembrou-se, por exemplo, de como ao patriarca Abraão lhe deu o Senhor, em seus derradeiros anos de vida, a Isaac por filho.

4 Joaquim ficou muito atormentado, e não procurou sua mulher e se retirou para o deserto. Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo a si mesmo: “Não sairei daqui (para minha casa), nem sequer para comer ou beber, até que não me visite o Senhor meu Deus; que minhas preces me sirvam de comida e de bebida.”

Capítulo 2

1 E Ana, sua mulher, se lamentava e gemia dolorosamente dizendo: “Chorarei minha viuvez e minha esterilidade.”

2 Mas chegou a grande festa do Senhor e lhe disse Judite, sua criada: “Até quando vais humilhar tua alma? Já é chegada a festa maior e não te é lícito entristecer-te. Toma este lenço de cabeça que me foi dado pela dona da tecelagem, já que não posso cingir-me com ele por ser eu de condição servil e levar ele o selo real.”

3 E disse Ana: “Afasta-te de mim, pois que não fiz tal coisa e, além do mais, o Senhor já me humilhou em demasia para que eu o use; a não ser que algum malfeitor to haja dado, e tenhas vindo para fazer-me a mim também cúmplice do pecado.” Replicou Judite: “Que motivo tenho eu para maldizer-te, se o Senhor já te amaldiçoou não te dando fruto em Israel?”

4 E Ana, ainda que profundamente triste, despiu suas vestes de luto, cingiu-se com o toucado, vestiu suas roupas de bodas e desceu, na hora nona, ao jardim para passear. Ali viu um loureiro, assentou-se à sua sombra e orou ao Senhor, dizendo: “O Deus de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre de Sara, dando-lhe como filho Isaac.”

Capítulo 3

1 E, tendo elevado seus olhos aos céus, viu um ninho de passarinhos no loureiro e novamente lamentou-se dizendo: “Ai de mim! Por que nasci e em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser como terra maldita entre os filhos de Israel; estes me cumularam de injúrias e me escorraçaram do templo de Deus.

2 “Ai de mim! A quem me assemelho eu? Não às aves do céu, pois que elas são fecundas em tua presença, Senhor.

“Ai de mim! A quem me pareço eu? Não às bestas da terra, pois que até estes animais irracionais são prolíficos ante teus olhos, Senhor.

3 “Ai de mim! A quem me posso comparar? Nem sequer a estas águas, porque até elas são férteis diante de ti, Senhor.

“Ai de mim A quem me igualo eu? Nem sequer a esta terra, porque ela também é fecunda, dando seus frutos na ocasião própria, e te bendiz a ti, Senhor.”

Capítulo 4

1 E eis que se lhe apresentou um anjo de Deus, dizendo-lhe: “Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos: conceberás e darás à luz e de tua prole se falará em todo o mundo.” Ana respondeu: “Viva o Senhor meu Deus, que, se chegar a ter algum fruto de bênção, seja menino ou menina, leva-lo-ei como oferenda ao Senhor, e estará a seu serviço todos os dias de sua vida.”

2 Então, vieram dois mensageiros com este recado para ela: “Joaquim, teu marido, está de volta com seus rebanhos, pois que um anjo de Deus desceu até ele e lhe disse: ‘Joaquim, Joaquim, o Senhor escutou teus rogos; volta, pois, que Ana, tua mulher, vai conceber em seu ventre’.”

3 E, tendo saído Joaquim, mandou que seus pastores lhe trouxessem dez ovelhas sem mancha: “E estas, disse, serão para o Senhor”; e doze novilhas de leite: “E estas, disse, serão para os sacerdotes e para o sinédrio”; e, finalmente, cem cabritos para todo o povoado.

4 E, ao chegar Joaquim com seus rebanhos, estava Ana à porta e, ao vê-lo chegar, pôs-se a correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo: “Agora vejo que Deus me bendisse copiosa-mente, pois, sendo viúva, deixo de sê-lo e, sendo estéril, vou conceber em meu ventre”. E Joaquim repousou naquele primeiro dia em sua casa.

Capítulo 5

1 No dia seguinte, ao ir oferecer suas dádivas ao Senhor, dizia para consigo mesmo: “Saberei se Deus me vai ser favorável se eu chegar a ver o éfode do sacerdote”. E, ao oferecer o sacrifício, observou o éfode do sacerdote, quando este se acercava do altar de Deus, e, não encontrando pecado algum em sua consciência, disse: Agora vejo que o Senhor houve por bem perdoar todos os meus pecados”. E desceu Joaquim justificado do templo e foi para casa.

2 E o tempo de Ana cumpriu-se, e no nono mês deu à luz. E perguntou à parteira: “A quem dei à luz?” E a parteira respondeu: “Uma menina”. Então Ana exclamou: “Minha alma foi enaltecida”. E reclinou a menina no berço. Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o peito à menina e lhe pôs o nome de Maria.

Capítulo 6

1 Dia a dia a menina se ia robustecendo. Ao chegar aos seis meses, sua mãe deixou-a só no chão, para ver se se sustentava de pé, e ela, depois de andar sete passos, voltou ao regaço de sua mãe. Esta levantou-a, dizendo: “Salve o Senhor! Não andarás mais por este solo, até que te leve ao templo do Senhor”. E lhe fez um oratório em sua casa e não consentiu que nenhuma coisa vulgar ou impura passasse por suas mãos. Chamou, além disso, umas donzelas hebréias, todas virgens, para que a entretivessem.

2 Quando a menina completou um ano, Joaquim deu um grande banquete, para o qual convidou os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o povo de Israel. E apresentou a menina aos sacerdotes, que a abençoaram com estas palavras: “ó Deus de nossos pais, bendiz esta menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por todas as gerações.” Ao que todo o povo respondeu: “Assim seja, assim seja. Amém.” Apresentou-a também Joaquim aos príncipes e aos sacerdotes, e estes a abençoaram assim: “ó Deus Altíssimo, põe teus olhos nesta menina e outorga-lhe uma bênção perfeita, dessas que excluem as ulteriores.”

3 Sua mãe levou-a ao oratório de sua casa e deu-lhe o peito. Compôs, então, um hino ao Senhor Deus, dizendo: “Entoa-rei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitaste, afastaste de mim o opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto santo, que é único e múltiplo a seus olhos. Quem dará aos filhos de Ruben a notícia de que Ana está amamentando? Ouvi, ouvi, ó Doze Tribos de Israel: ‘Ana está amamentando’.”

4 E tendo deixado a menina para que repousasse na câmara onde havia o oratório, saiu e pôs-se a servir os comensais. Estes, uma vez terminada a ceia, saíram regozijando-se e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 7

1 Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. E, ao fazer ela dois anos, disse Joaquim a Ana: “Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que fizemos, para que o Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos.” Ana respondeu: “Esperemos, todavia, até que complete três anos, para que a menina não tenha saudades de nós.” E Joaquim respondeu: “Esperaremos.”

2 Ao chegar aos três anos, disse Joaquim: “Chama as donzelas hebréias que não têm mancha, e que tomem, duas a duas, uma candeia acesa (para que a acompanhem) para que a menina não olhe para trás e seu coração seja cativado por alguma coisa fora do templo de Deus”. E assim fizeram enquanto iam subindo ao templo do Senhor. E lá recebeu-a o sacerdote, o qual, depois de tê-la beijado, abençoou-a e exclamou: “O Senhor engrandeceu teu nome diante de todas as gerações, pois que no final dos tempos manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel”.

3 Então fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre amenina, que dançou, cativando toda a casa de Israel.

Capítulo 8

1 Saíram, então, seus pais, cheios de admiração, louvando ao Senhor Deus porque a menina não havia olhado para trás. E Maria permaneceu no templo como uma pombinha, recebendo alimento pelas mãos de um anjo.

2 Mas, ao completar doze anos, os sacerdotes reuniram-se para deliberar, dizendo: “Eis que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela não chegue a manchar ao santuário?” E disseram ao sumo sacerdote: “Tu que tens o altar a teu cargo, entra e ora por ela, e o que o Senhor te disser, isso será o que haveremos de fazer.”

3 E o sumo sacerdote, cingindo-se com o manto das doze sinetas, entrou no “santo dos santos” e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor apareceu, dizendo-lhe: “Zacarias, Zacarias, sai e reúne a todos os viúvos do povoado. Que cada um venha com um bastão, e o daquele em que o Senhor fizer um sinal singular, deste será ela esposa.” Saíram os arautos por toda a região da Judéia e, ao soar a trombeta do Senhor, todos acudiram.

Capítulo 9

1 José, deixando de lado sua acha, uniu-se a eles e, uma vez que se juntaram todos, tomaram cada qual seu bastão e puseram-se a caminho à procura do sumo sacerdote. Este tomou todos os bastões, entrou no templo e se pôs a orar. Terminadas as suas preces tomou de novo o… bastões e os entregou, mas em nenhum deles apareceu sinal algum. Porém, ao pegar José o último, eis que uma pomba saiu dele e se pôs a voar sobre sua cabeça. Então o sacerdote disse: “A ti coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor.”

2 José replicou: “Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina; não gosta-ria de ser objeto de zombarias por parte dos filhos do Israel.” Então tornou o sacerdote: “Teme ao Senhor teu Deus e tem presente o que fez Ele com Datan, Abiron e Corê; de como abriu-se a terra e foram sepultados por sua rebelião. E teme agora tu também, José, para que não aconteça o mesmo à tua casa.”

3 E ele, cheio de temor, recebeu-a sob sua proteção. Depois, disse-lhe: “Tomei-te do templo; deixo-te agora em minha casa e vou continuar minhas construções. Logo volta-rei. O Senhor te guardará.”

Capítulo 10

1 Os sacerdotes, então, reuniram-se e concordaram em fazer um véu para o templo do Senhor. E o sacerdote disse: “Chama algumas donzelas sem mancha da tribo de Davi.” Os ministros se foram, e, depois de terem procurado, encontraram sete virgens. Então o sacerdote lembrou-se de Maria (aquela jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se conservava imaculada aos olhos de Deus) e os emissários a foram buscar.

2 Depois de as terem introduzido no templo, disse o sacerdote: “Vejamos qual há de bordar o ouro, o amianto, o linho, a seda, o zircão, o escarlate e a verdadeira púrpura.” E o escarlate e a verdadeira púrpura couberam a Maria que, tomando-as, se foi para casa. Naquela época, Zacarias ficou mudo, sendo substituído por Samuel até quando pôde falar novamente. Maria tomou em suas mãos o escarlate e se pôs a tecê-lo.

Capítulo 11

1 Certo dia pegou Maria um cântaro e foi enchê-lo de água. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: “Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres.” E ela olhou à sua volta, à direita, à esquerda, para ver de onde vinha aquela voz. E, tremendo, voltou para casa, deixou a ânfora, pegou a púrpura, sentou-se no divã e se pôs a tecê-la.

2 Mas logo um anjo do Senhor apresentou-se diante dela dizendo: “Não temas, Maria, pois alcançaste graça ante o Senhor onipotente e vais conceber por sua palavra.” Mas ela, ao ouvi-lo, ficou perplexa e disse consigo mesma: “Deverei eu conceber por virtude de Deus vivo e haverei de dar à luz come as demais mulheres?”

3 Ao que lhe respondeu o anjo: “Não será assim, Maria, pois que a virtude do Senhor te cobrirá com sua sombra; depois, o fruto santo que deverá nascer de ti será chamado Filho do Altíssimo. Chamar-lhe-ás Jesus, pois Ele salvará seu povo de suas iniqüidades.” Então, disse Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor em sua presença; que isto aconteça a mim conforme sua palavra”.

Capítulo 12

1 E, concluído seu trabalho com a púrpura e o escarlate, levou-o ao sacerdote. Este a abençoou dizendo: “Maria, o Senhor enalteceu teu nome e serás bendita entre todas as gerações da terra”.

2 Cheia de alegria, Maria foi à casa de sua parenta Isabel. Chamou-a da porta e ao ouvi-la Isabel largou o escarlate, correu para a porta, abriu-a e, ao ver Maria, louvou-a dizendo: “Que fiz eu para que a mãe do meu Senhor venha a minha casa? Pois saiba que o fruto que carrego em meu ventre se pôs a pular dentro de mim, como que para bendizer-te.” Mas Maria se havia esquecido dos mistérios que o anjo Gabriel comunicara, e elevou os olhos aos céus e disse: “Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?”

3 E passou três meses em casa de Isabel. E dia a dia seu ventre aumentava e, cheia de temor, pôs-se a caminho de casa e escondia-se dos filhos de Israel. Quando sucederam essas coisas, ela contava dezesseis anos.

Capítulo 13

1 Ao chegar Maria ao sexto mês de gravidez, voltou José de suas construções e, ao entrar em casa, deu-se conta de que ela estava grávida. Então, feriu seu próprio rosto, jogou-se no chão sobre uma manta e chorou amargamente, dizendo: “Como é que me vou apresentar agora diante de meu Senhor? E que oração direi eu agora por esta donzela, pois que a recebi virgem do templo do Senhor e não a soube guardar? Será que a história de Adão se repetiu comigo? Assim como no instante em que ele estava glorificando a Deus veio a serpente e, ao encontrar Eva sozinha, a enganou, o mesmo me aconteceu.”

2 E, levantando-se, José chamou Maria e lhe disse: “Predileta como eras de Deus, como foste capaz de fazer isso? Acaso te esqueceste do Senhor teu Deus? Como pudeste vilipendiar tua alma, tu que te criaste no santo dos santos e recebeste ali-mento das mãos de um anjo?”

3 E ela chorou amargamente dizendo: “Sou pura e não conheço varão algum.” “De onde, pois, provém, replicou José, o que carregas no seio?” Ao que Maria respondeu: “Pelo Senhor, meu Deus, eu juro que não sei” como aconteceu.

Capítulo 14

1 José, então, encheu-se de temor e retirou-se da presença de Maria e pôs-se a pensar sobre o que faria com ela. Dizia consigo próprio: “Se escondo seu erro, contrario a lei do Senhor; se a denuncio ao povo de Israel, temo que o que aconteceu a ela se deva a uma intervenção dos anjos, e venha eu a entregar à morte uma inocente. Como deverei proceder, pois? Manda-la-ei embora às escondidas.” E nisto caiu a noite.

2 Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos dizendo-lhe: “Não temas por esta donzela, pois o que ela carrega em suas entranhas é o fruto do Espírito Santo. Dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, pois que ele há de salvar seu povo dos seus pecados.” E, ao despertar, José levantou-se e glorificou a Deus de Israel por haver-lhe concedido tal graça, e continuou guardando Maria.

Capítulo 15

1 Mas, por essa ocasião, veio à casa de José Anás, o escriba, que lhe disse: “Por que não compareceste à nossa reunião?” Respondeu-lhe José: “Estava cansado da caminhada e decidi repousar este primeiro dia.” Mas, ao voltar-se, Anás deu-se conta da gravidez de Maria.

2 Então, correu ao sacerdote dizendo-lhe: “Este José, por quem respondes, cometeu uma falta grave.” “Que queres dizer com isso?”, perguntou o sacerdote. Ao que respondeu Anás: “Pois violou aquela virgem que recebeu do templo de Deus, com fraude de seu casamento e sem manifestá-lo ao povo de Israel.” Disse o sacerdote: “E estás certo de que foi José que fez tal coisa?” Replicou Anás: “Envia uma comissão e te certificarás de que a donzela está realmente grávida”. Saíram os emissários e a encontraram tal qual havia dito Anás, e por isso a levaram juntamente com José ante o tribunal.

3 E o sacerdote iniciou dizendo: “Maria, como fizeste tal coisa? Que te levou a vilipendiar tua alma e esquecer-te do Senhor teu Deus? Tu que te criaste no santo dos santos, que recebias alimento das mãos de um anjo, que escutaste os hinos e que dançavas na presença de Deus? Como fizeste isso?” E ela se pôs a chorar amarga-mente dizendo: “Juro pelo Senhor meu Deus que estou pura em sua presença e que não conheci varão”.

4 Então, o sacerdote dirigiu-se a José dizendo-lhe: “Por que fizeste isso?” Replicou José: “Juro pelo Senhor meu Deus, que me encontro puro com relação a ela.” Acrescentou o sacerdote: “Não jures em falso, dize a verdade. Usaste fraudulentamente o matrimônio e não o deste a conhecer ao povo de Israel, e não abaixaste tua cabeça sob a mão poderosa de Deus, por quem sua descendência havia sido bendita.” José guardou silêncio.

Capítulo 16

1 “Devolve, pois, continuou o sacerdote, a virgem que recebeste do templo do Senhor.” José ficou com os olhos marejados de lágrimas. Mas acrescentou o sacerdote: “Farei com que bebais da água da prova do Senhor e ela vos mostrará, diante de vossos próprios olhos, vossos pecados”.

2 E, tomando da água, fez José bebê-la, enviando-o em seguida à montanha; mas voltou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, também enviando-a à montanha; mas ela voltou sã e salva. E toda a cidade encheu-se de admiração ao ver que não havia pecado neles.

3 E replicou o sacerdote: “Posto que o Senhor não declarou vosso pecado, tampouco irei condenar-vos”. Então despediu-os. E, tomando Maria, José voltou para casa cheio de alegria e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 17

1 E veio uma ordem do imperador Augusto para que se fizesse o censo de todos os habitantes de Belém da Judéia. E disse José: “A meus filhos posso recensear, mas que farei desta donzela? Como vou incluí-la no censo? Como minha esposa? Envergonho-me. Como minha filha? Mas já sabem todos os filhos de Israel que não é! Este é o dia do Senhor, que se faça sua vontade.”

2 E, selando sua asna, fez com que Maria se acomodasse sobre ela, enquanto um de seus filhos ia à frente puxando o animal pelo cabresto. José os acompanhava. Quando estavam a três milhas de distância (de Belém), José virou-se para Maria e viu que ela estava triste; e disse consigo mesmo: “Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo”. Mas, ao voltar-se novamente, encontrou-a sorrindo, e lhe disse: “Maria, que acontece, pois que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?” E ela lhe disse: “E que se apresentam dois povos diante de meus olhos; um que chora e se aflige e outro que se alegra e se regozija.”

3 E, ao chegar à metade do caminho, disse Maria a José: “Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz.” E ele ajudou-a a apear da asna, dizendo-lhe: “Aonde poderia eu levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo aberto?”

Capítulo 18

1 E, encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo deixado os seus filhos com ela, foi buscar uma parteira hebréia na região de Belém.

2 E eu, José, encontrei-me andando, mas não podia avançar; ao levantar meus olhos para o espaço, pareceu-me ver como se o ar estivesse estremecido de assombro; e quando fixei a vista no firmamento, o encontrei estático e os pássaros do céu imóveis; ao dirigir meu olhar à terra, vi um recipiente no solo e uns trabalhadores sentados em atitude de comer, com suas mãos na vasilha. Mas os que pareciam comer, na realidade não mastigavam; e os que estavam em atitude de pegar a comida, tampouco a tiravam do prato; e, finalmente, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam, ao contrário, tinham seus rostos voltados para cima. Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas, mas não davam um passo (ao contrário, estavam paradas), e o pastor levantou sua destra para bater-lhes (com o cajado), mas parou sua mão no ar. E, ao dirigir meu olhar à corrente do rio, vi como uns cabritinhos punham nela seus focinhos, mas não bebiam. Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns instantes, de seu curso normal.

Capítulo 19

1 E então uma mulher que descia da montanha me disse: “Aonde vais?” Ao que respondi: “Ando procurando uma parteira hebréia.” Ela replicou: “Mas és de Israel?” E respondi: “Sim.” “E quem é, acrescentou, a que está dando à luz na caverna?” “E minha esposa”, lhe disse eu. Ao que ela replicou: “Então, não é tua mulher?” E eu lhe respondi: “E Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse sido dada por mulher, não o é, pois que concebeu por virtude do Espírito Santo.” E interrogou-lhe (1) a parteira: “Isto é verdade?” José respondeu: “Vem e verás.” Então a parteira se pôs a caminho junto com ele.

2 Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem luminosa. E exclamou a parteira: “Minh’alma foi engrandecida,porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que nasceu a salvação para Israel.” De repente, a nuvem começou a sair da gruta, e dentro brilhou uma luz tão grande que nossos olhos não podiam resistir. Esta, por um momento, começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito de sua mãe, Maria. A parteira então deu um grito dizendo: “Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo milagre”.

3 E, ao sair a parteira da gruta, veio a seu encontro Salomé. “Salomé, Salomé, exclamou, tenho de te contar uma maravilha nunca vista, e é que uma virgem deu à luz; coisa que, como sabes, não permite a natureza humana.” Mas Salomé replicou: “Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar sua natureza”.

Capítulo 20

1 E, havendo entrado a parteira, disse a Maria: “Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti.” Salomé, pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito dizendo: “Ai de mim, minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por tentar ao Deus vivo desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada.”

2 E dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo: “Oh Deus de nossos pais! Lembra-te de mim porque sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó, não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel; devolve-me curada, porém, aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas, recebendo de ti meu salário”.

3 E apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe: “Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o, e haverá para ti alegria e prazer”.

4 E acercou-se Salomé e o tomou, dizendo: “Adorar-te-ei porque nasceste para ser o grande Rei de Israel”. Então, de repente, sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia: “Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em Jerusalém”.

Capítulo 21

1 E José dispôs-se a partir para a Judéia. Por essa ocasião sobreveio um grande tumulto em Belém, pois vieram uns magos dizendo: “Aonde está o recém-nascido Rei dos Judeus, pois vimos sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo?”

2 Herodes, ao ouvir isto, perturbou-se, enviou seus emissários aos magos e convocou os príncipes e os sacerdotes fazendo-lhes esta pergunta: “Que está escrito em relação ao Messias? Aonde ele vai nascer?” E eles responderam: “Em Belém da Judéia, segundo rezam as escrituras”. Com isto, despachou-os e interrogou os magos com estas palavras: “Qual o sinal que vistes em relação ao nascimento desse rei?” Responderam-lhe os magos: “Vimos um astro muito grande que brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava, fazendo-as desaparecer. Nisto soubemos que a Israel havia nascido um rei, e viemos com a intenção de adorá-lo.” Então replicou Herodes: “Ide e buscai-o para que também possa eu ir adorá-lo.”

3 Naquele instante aquela estrela, que haviam visto no Oriente, voltou novamente a guiá-los até que chegaram à caverna e pousou sobre a entrada dela. Vieram, então, os magos a ter com o Menino e sua Mãe, Maria, e tiraram oferendas de seus cofres: ouro, incenso e mirra.

4 Mas, avisados por um anjo para que não entrassem na Judéia, voltaram a suas terras por outro caminho.

Capítulo 22

1 Ao dar-se conta Herodes de que havia sido enganado pelos magos, encolerizou-se e enviou seus sicários, dando-lhes a missão de assassinar a todos os meninos de menos de dois anos.

2 E quando chegou até Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de temor e, envolvendo seu filho em fraldas, colocou-o numa manje-doura.

3 E quando Isabel inteirou-se de que também buscavam a seu filho João, pegou-o e levou-o a uma montanha e pôs-se a ver onde o haveria de esconder; mas não havia um lugar bom para isso. E, entre soluços, exclamou em voz alta: “O Montanha de Deus, recebe em teu seio a mãe com seu filho” (pois que não podia subir mais alto).

4 E nesse instante abriu a montanha suas entranhas para recebê-los. Acompanhou-os uma grande luz, pois estava com eles um anjo de Deus para guardá-los.

Capítulo 23

1 Mas Herodes prosseguia na busca de João, e enviou seus emissários a Zacarias para que lhe dissessem: “Aonde escondeste teu filho?” Mas ele respondeu desta maneira: “Eu me ocupo do serviço de Deus e me encontro sempre no templo. Não sei onde está meu filho.”

2 Os emissários informaram a Herodes tudo o que se passara, e ele encolerizou-se muito, dizendo consigo mesmo: “Deve ser seu filho que vai reinar em Israel”. E enviou um outro recado dizendo-lhe: “Diga-nos a verdade sobre onde está teu filho, porque do contrário bem sabes que teu sangue está sob minhas mãos”.

3 Mas Zacarias respondeu: “Serei mártir do Senhor” te atreveres a derramar meu sangue, porque minh’alma será recolhida pelo Senhor ao ser segada uma vida inocente no vestíbulo do santuário.” E ao romper da aurora foi assassinado Zacarias, sem que os filhos de Israel se dessem conta desse crime.

Capítulo 24

1 E os sacerdotes se reuniram à hora da saudação; mas Zacarias não saiu a seu encontro, como de costume, para abençoá-los. E se puseram a esperá-lo para o saudar na oração e para glorificar o Altíssimo.

2 Ante sua demora, começaram a ter medo; e, tomando ânimo, um deles entrou e viu ao lado do altar sangue coagulado e ouviu uma voz que dizia: “Zacarias foi morto e não se limpará o seu sangue até que chegue o vingador”. E, ao ouvir a voz, encheu-se de temor e saiu para informar os sacerdotes.

3 Estes, tomando coragem, entraram e testemunharam o ocorrido. Então, os frisos do templo rangeram e eles rasgaram suas vestes de alto a baixo. Mas não encontraram seu corpo, somente uma poça de sangue coagulado; e, cheios de temor, saíram para informar a todo o povo que Zacarias havia sido assassinado. E correu a notícia em todas as tribos de Israel, que o choraram e guardaram luto por três dias e três noites.

4 E, concluído esse tempo, reuniram-se os sacerdotes para deliberar sobre quem iriam pôr em seu lugar. Recaiu a sorte sobre Simeão, pois, pelo Espírito Santo, havia sido assegurado de que não veria a morte até que lhe fosse dado contemplar o Messias Encarnado.

Capítulo 25

1 E eu, Tiago, que escrevi esta história, ao levantar-se um grande tumulto em Jerusalém por ocasião da morte de Herodes, retirei-me ao deserto até que cessasse o motim, glorificando ao Senhor meu Deus,que me concedeu a graça e a sabedoria necessárias para compor esta narração.

2 Que a graça esteja com todos aqueles que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, para quem deve ser a glória por todos os séculos dos séculos. Amém. Fim

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Apócrifos, Evangelho Pseudo-Tomé

Textos apócrifos, Evangelhos apócrifosApócrifos, Evangelho Pseudo-Tomé

(Narrações sobre a Infância do Senhor, por Tomé, Filosofo Israelita)

O Evangelho de Tomé foi escrito no século I e relata a vida do Senhor Jesus dos cinco aos doze anos. Segundo os estudiosos, é parte de um livro mais antigo ainda, tendo tido diversas versões escritas em grego, siríaco, latim, georgiano e eslavo.

O Evangelho de Tomé relata a vida de Jesus a partir do ponto onde termina o Evangelho de Tiago, encerrando-se com o episódio de Jesus no Templo de Jerusalém, entre os doutores, o que também ocorre no Evangelho de Pedro, sobre a infância do Salvador.

Como os Evangelhos Apócrifos já citados, tem uma importância histórica fundamental, pois preenche uma séria lacuna, provocada pela omissão desse período nos Evangelhos Canônicos. Aqui são relatados os primeiros milagres do Salvador, numa narrativa singela e cheia de beleza, que resgata essa importante fase na vida do Senhor Jesus.

Os Evangelhos Apócrifos da Infância de Cristo fornecem importantes e interessantes informações, esclarecendo pontos importantes dos Evangelhos Canônicos, omissos ou um tanto vagos a respeito de determinados aspectos da vida de Jesus Menino.

Capítulo 1

Eu, TOMÉ ISRAELITA, julguei necessário levar ao conhecimento de todos os irmãos descendentes dos gentios, a Infância de Nosso Senhor Jesus Cristo e tantas quantas maravilhas ele realizou depois de nascer em nossa terra. O princípio é como segue:

Capítulo 2

1 Este Menino Jesus, que na época tinha cinco anos, encontrava-se um dia brincando no leito de um riacho, depois de haver chovido. E, represando a correnteza em pequenas poças, tornava-as instantaneamente cristalinas, dominando-as somente com a sua palavra.

2 Fez depois uma massa mole com o barro e com ela formou uma dúzia de passarinhos. Era então um Sábado e havia outros meninos brincando com ele.

3 Porém, um certo homem judeu, vendo o que Jesus acabara de fazer num dia de festa, foi correndo até o seu pai José e contou-lhe tudo: “Olha, teu filho está no riacho e juntando um pouco de barro fez uma dúzia de passarinhos, profanando com isso o dia do Sábado.

4 José veio ter ao local e, ao vê-1o, ralhou com ele dizendo: “Por que fazes no Sábado o que não é permitido fazer?” Mas Jesus, batendo palmas, dirigiu-se às figurinhas ordenando-lhes: “Voai!” E os passarinhos foram todos embora gorgeando.

5 Os judeus, ao verem isso, encheram-se de admiração e foram contar aos seus superiores o que haviam visto Jesus fazer.

Capítulo 3

1 Encontrava-se ali presente o filho de Anás, o escriba, e teve a idéia de fazer escoar as águas represadas por Jesus usando uma planta de vime.

2 Ante essa atitude, Jesus indignou-se e disse: “Malvado, ímpio e insensato. Será que as poças e as águas te estorvavam? Ficarás agora seco como uma árvore, sem que possas dar folhas, nem raiz nem frutos.”

3 Imediatamente o rapaz tornou-se completamente seco. E os pais pegaram o infeliz, chorando a sua tenra idade, e o levaram ante José, maldizendo-o por ter um filho que fazia tais coisas.

Capítulo 4

1 De outra feita, ele andava em meio ao povo e um rapaz que vinha correndo esbarrou em suas costas. Irritado, Jesus lhe disse: “Não prosseguirás teu caminho”. E imediatamente o rapaz caiu morto. Algumas pessoas que viram o que se passara, disseram: “De onde terá vindo esse rapaz, pois todas as suas palavras tornam-se fatos consumados’?”

2 E os pais do defunto, chegando a José, o interpelaram dizendo: “Com um filho como esse, de duas uma: ou não podes viver com o povo ou tens de acostumá-lo a abençoar e não a amaldiçoar; pois causa a morte aos nossos filhos”.

Capítulo 5

1 José chamou Jesus à parte e o admoestou da seguinte maneira: “Por que fazes tais coisas, se elas se tornam a causa de eles nos odiarem e perseguirem?” Jesus replicou: “Bem sei que estas palavras não vêm de ti. Mas calarei por respeito à tua pessoa. Esses outros, ao contrário, receberão seu castigo”. E no mesmo instante aqueles que haviam falado mal dele, ficaram cegos.

2 As testemunhas desta cena encheram-se de pavor e ficaram perplexas, confessando que qualquer palavra de sua boca, fosse boa ou má, tornava-se um fato e se convertia numa maravilha. Quando José percebeu o que Jesus havia feito, agarrou sua orelha e a puxou fortemente.

3 O rapaz então indignou-se e lhe disse: “A ti é suficiente que me vejas sem me tocares. Tu nem sabes quem sou, pois se soubesses não me magoarias. E ainda que neste instante eu esteja contigo, fui criado antes de ti.”

Capítulo 6

1 Naquela época encontrava-se em um local próximo um certo rabino de nome Zaqueu, o qual, ouvindo Jesus falar dessa maneira com seu pai, encheu-se de admiração ao ver que, sendo um menino, dizia tais coisas.

2 Então, passados alguns dias, aproximou-se de José e lhe disse: “Vejo que tens um filho sensato e inteligente. Então, mo confie para que aprenda as letras. Eu, de minha parte, juntamente com elas, ensinar-lhe-ei toda espécie de sabedoria e a arte de saudar os mais velhos, de respeitá-los como superiores e pais e de amar seus semelhantes”.

3 E lhe disse todas as letras com grande esmero e clareza desde o Alfa até o Omega. Jesus porém fixou seus olhos no rabino Zaqueu e lhe disse: “Como te atreves a explicar Beta aos outros, se tu mesmo ignoras a natureza do Alfa? Hipócrita! Explica primeiro a letra A, se é que sabes, e depois acreditaremos em tudo o que disseres com relação a B”. Depois começou a interrogar o professor sobre a primeira letra, porém este não pôde responder-lhe.

4 Disse então a Zaqueu na presença de todos: “Aprende, professor, a constituição da primeira letra e repara como tem linhas e traços médios, aqueles que vês unidos transversalmente, conjuntos, elevados, divergentes…Os traços contidos na letra A são de três sinais: homogêneos, equilibrados e proporcionados”.

Capítulo 7

1 O professor Zaqueu, quando ouviu a exposição feita pelo menino sobre tantas e tais alegorias acerca da primeira das letras, ficou desconcertado diante da resposta e da erudição que ele manifestava. E disse aos presentes: “Pobre de mim! Não sei o que fazer, pois eu mesmo procurei a confusão ao trazer este jovem para junto de mim.

2 “Leva-o, então, irmão José, rogo-te. Não posso suportar a severidade do seu olhar. Não consigo fazer com que seu discurso seja inteligível para mim. Este jovem não nasceu na terra. E capaz de dominar até mesmo o fogo. Talvez tenha nascido antes da criação do mundo. Não sei qual o ventre que pode tê-lo carregado e qual seio pôde havê-lo nutrido. Ai de mim! Meu amigo, estou aturdido. Não posso seguir o vôo de sua inteligência. Enganei-me, pobre de mim: queria muito ter um aluno e deparei-me com um mestre.

3 “Percebo perfeitamente, amigos, a minha confusão; pois, velho e tudo o mais, deixei-me vencer por uma criança. E: de se ficar arrasado e morrer por causa desse jovem, pois neste momento sou incapaz de olhá-lo fixamente. Que vou respondeu quando todos me disserem que me deixei vencer por um rapazote? Que vou explicar a respeito do que ele me disse sobre as linhas da primeira letra? Não sei, amigos, porque ignoro a origem e o destino dessa criatura.

4 “Por isso te rogo, irmão José, que o leves para casa. E: algo extraordinário: ou um Deus ou um anjo, ou já não sei o que dizer.”

Capítulo 8

1 E enquanto os judeus se entretinham em dar conselhos a Zaqueu, o menino pôs-se a rir com muita vontade e disse: “Frutificai agora vossas coisas e abri os olhos à luz os cegos de coração. Vim de cima para amaldiçoar-vos e depois chamar-vos para o alto, pois esta é a ordem daquele que me enviou por vossa causa”.

2 Quando o menino ter-minou de falar sentiram-se imediatamente curados todos

aqueles que haviam caído sob a maldição. E desde então ninguém ousava irritá-lo para que ele não os amaldiçoasse ou viessem a ficar cegos.

Capítulo 9

1 Dias depois encontrava-se Jesus brincando num terraço. E um dos meninos que estavam com ele caiu do alto e morreu. Os outros, ao verem isso, foram-se embora e somente Jesus ficou.

2 Depois chegaram os pais do morto e puseram a culpa nele. Mas Jesus lhes disse: “Não, não. Eu não o empurrei”. Mas eles o maltrataram.

3 Jesus então deu um salto de cima do terraço, vindo a cair junto ao cadáver. E pôs-se a gritar bem alto: “Zenon — assim se chamava o menino —, levanta-te e responde-me: fui eu quem te empurrou?” O morto levantou-se num instante e disse: “Não, Senhor. Tu não me jogaste, porém me ressuscitas-te”. Ao ver isto, ficaram consternados (todos os presentes) e os pais do menino glorificaram a Deus por aquele maravilhoso feito e adoraram a Jesus.

Capítulo 10

1 Poucos dias depois estava um jovem cortando lenha nas redondezas, e aconteceu que o machado escapou e cortou a planta do seu pé. O infeliz estava morrendo rapidamente por causa da hemorragia.

2 Sobreveio por isso um grande alvoroço e juntou muita gente. Também Jesus veio ter ali. Depois de abrir espaço à força por entre a multidão, chegou junto do ferido e com suas mãos apertou o pé injuriado do jovem, que num instante ficou curado. Disse então ao rapaz: “Levanta-te já; continua cortando lenha e lembra-te de mim”. A multidão, quando se deu conta do que havia acontecido, adorou o Menino dizendo: “Verdadeiramente o Espírito de Deus habita esse rapaz”.

Capítulo 11

1 Quando tinha seis anos, sua mãe lhe deu certa vez um cântaro para que fosse enchê-lo de água e o trouxesse para casa. Mas, no caminho, Jesus tropeçou nas pessoas, e a vasilha se quebrou.

2 Então ele estendeu o manto com o qual se cobria, encheu-o de água e levou-o a sua mãe. Esta, ao ver tal maravilha, pôs-se a beijar Jesus. E foi guardando em seu íntimo todos os mistérios que o via realizar.

Capítulo 12

Certa vez, sendo tempo de semeadura, saiu Jesus com seu pai para semear trigo em sua propriedade. E enquanto José esparramava as sementes, o Menino Jesus teve também vontade de semear um grãozinho de trigo. E após ceifar e debulhar, sua colheita somou cem coros. Convocou então em sua propriedade todos os pobres da região e repartiu com eles o grão. José, depois, levou para si o restante. E Jesus tinha oito anos quando operou esse milagre.

Capítulo 13

1 Seu pai, que era carpinteiro, fazia arados e cangas. Certa vez recebeu o encargo de fazer uma cama para certa pessoa de boa posição. Aconteceu que uma das tábuas era mais curta que a outra; e por isso José não sabia como proceder. Então o Menino Jesus disse a seu pai: “Põe no chão ambas as tábuas e iguala-as pela metade”.

2 Assim fez José. Jesus foi até à outra extremidade, pegou a tábua mais curta e a esticou, deixando-a tão comprida quanto a outra. José, seu pai, encheu-se de admiração ao ver o prodígio e cobriu o menino de abraços e beijos dizendo: “Feliz de mim, porque Deus me deu este menino.

Capítulo 14

1 José, percebendo que a inteligência do menino ia amadurecendo ao mesmo tempo que a idade, quis novamente impedir que ele permanecesse analfabeto; por isso levou-o até um outro professor e o colocou à sua disposição. Este lhe disse: “Ensinar-te-ei em primeiro lugar as letras gregas; depois as hebraicas”. Era evidente que o professor conhecia bem a capa-cidade do rapaz e sentia medo dele. Depois de escrever o alfabeto, entretinha-se com ele por um longo tempo sem obter nenhuma resposta de seus lábios.

2 Finalmente Jesus lhe disse: “Se és mestre de verdade e conheces perfeitamente as letras, dize-me primeiro qual é o valor de Alfa e então eu te direi qual é o de Beta”. Irritado, o professor então bateu-lhe na cabeça. Quando o Menino sentiu a dor, amaldiçoou-o; e imediatamente o professor desmaiou e caiu de bruços no chão.

3 O jovem voltou para a casa de José. Este encheu-se de pesar e disse a Maria que não o deixasse sair de casa, porque todos aqueles que o aborreciam vinham a morrer.

Capítulo 15

1 Passado algum tempo, outro professor, que era amigo íntimo de José, lhe disse: “Leva teu filho à escola: talvez com delicadeza eu possa ensinar-lhe as letras”. José replicou: “Se te atreves, irmão, leva-o contigo”. Ele o aceitou com muito receio e preocupação, porém o menino progredia com muita boa vontade.

2 Ele entrou impetuosa-mente na sala de aula e encontrou um livro colocado sobre a carteira. Pegou-o, e, sem parar para ler as letras que nele estavam escritas, abriu sua boca e começou a falar levado pelo Espírito Santo, ensinando a Lei aos circunstantes que o escutavam. E uma grande multidão que se havia juntado ouvia-o, cheia de admiração pela maravilha da sua doutrina e pela clareza de suas colocações, considerando que era uma criança que assim lhes falava.

3 José, quando soube disso, encheu-se de medo e correu imediatamente até a escola, receando que também aquele professor pudesse ter sido mal-tratado. Este, porém, lhe disse: “Saiba, irmão, que recebi esse menino como se fosse um aluno comum e acontece que está sobejando graça e sabedoria. Leva-o, por favor, para tua casa.”

4 Ao ouvir essas palavras o menino sorriu e disse: “Agradeço a ti, por haveres falado com retidão e dado um testemunho justo; será curado aquele que anteriormente foi castigado.” E imediatamente o outro professor sentiu-se bem. José pegou o menino e foram para casa.

Capítulo 16

1 Certa vez José mandou seu filho Tiago juntar lenha e trazê-la para casa. O Menino Jesus o acompanhou. Mas aconteceu que, enquanto Tiago recolhia os gravetos, uma cobra picou-lhe a mão.

2 Tendo caído ao chão, ficou completamente largado, e estando já para morrer, Jesus se aproximou e assoprou a mordida. Imediatamente desapareceu a dor, a cobra explodiu e Tiago recobrou imediata-mente a saúde.

Capítulo 17

1 Aconteceu depois, nas vizinhanças de José, que um menino que vivia doente veio a falecer. Sua mãe chorava inconsolavelmente. Jesus, ao tomar conhecimento da dor daquela mãe e do tumulto que se formava, acudiu rapidamente. E encontrando o menino já morto, tocou-lhe o peito e lhe disse: “Pequenino, falo contigo. Não morras, mas vive feliz e fica com tua mãe”. No mesmo instante o menino abriu os olhos e sorriu. Então disse Jesus à mulher: “Anda, pega-o, dá-lhe leite e lembra-te de mim”.

2 Ao presenciar o acontecido os circunstantes encheram-se de admiração e exclamaram: “Na verdade este menino ou é um Deus ou um anjo de Deus, pois tudo o que sai de sua boca torna-se um fato consumado”. Jesus saiu dali e pôs-se a brincar com os outros jovens.

Capítulo 18

1 Dias depois aconteceu que, estando construindo uma casa, sobreveio um grande tumulto. Jesus levantou-se e dirigiu-se até o local. E, vendo ali um cadáver estendido no chão, tomou-lhe a mão e dirigiu-se a ele nos seguintes termos: “Homem, falo contigo: levanta-te e termina teu trabalho”. Ele se levantou em seguida e o adorou.

2 A multidão que viu esta cena encheu-se de admiração e disse: “Esse rapaz deve ter vindo do céu, pois tem livrado muitas almas da morte e ainda seguirá livrando mais durante sua vida”.

Capítulo 19

1 Quando contava doze anos seus pais, como de costume, foram, em caravana, até Jerusalém para assistir às festas da Páscoa. Quando as festas terminaram, voltavam para casa. Mas, no instante de partir, o Menino Jesus retomou a Jerusalém, enquanto seus pais pensavam que o encontrariam na comitiva.

2 Depois do primeiro dia de marcha, puseram-se a buscá-lo entre os seus parentes. Mas, não o encontrando, preocuparam-se muito e voltaram a Jerusalém para procurá-lo. Final-mente, depois do terceiro dia, o encontraram no templo sentado em meio aos doutores, escutando-os e fazendo-lhes perguntas. Todos estavam atentos a ele e admiravam-se de ver que, menino como era, deixava os anciãos e mestres do povo sem palavras, averiguando os principais pontos da lei e as parábolas dos profetas.

3 Aproximando-se Maria, sua mãe, lhe disse: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Veja com que preocupação temos estado a te procurar.” Jesus, porém, respondeu: “E por que me procuravas? Não sabias acaso que devo ocupar-me das coisas que se referem ao meu Pai?”

4 E os escribas e fariseus lhe diziam: “Es tu acaso a mãe deste menino?” Ela respondeu: “Assim é”. E eles retrucaram: “Pois feliz de ti entre as mulheres, já que o Senhor teve por bem bendizer o fruto do teu ventre, porque semelhantes glória, virtude e sabedoria não ouvimos nem vimos jamais.”

5 Jesus levantou-se e seguiu sua mãe. E era obediente a seus pais. Sua mãe guardava todos esses fatos no seu coração. Enquanto isso Jesus ia crescendo em idade, sabedoria e graça. Graças sejam dadas a ele por todos os séculos dos séculos. Amém. Fim

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Apócrifos, Evangelho Pseudo-Mateus da infância

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O Livro Sobre a Origem da Abençoada Maria e a lnfância do Salvador

(Apócrifo Cristão)

JOSÉ ESTAVA em Cafarnaum trabalhando; ele era carpinteiro. Ele permaneceu ali por nove meses. Quando voltou para casa, encontrou Maria grávida. Totalmente tomado de angústia, ele clamou tremulo: “Senhor Deus, aceita meu espírito, porque é melhor que eu morra do que viva”. As virgens que estavam com Maria lhe disseram: “Que dizes, senhor José? Sabemos que nenhum homem a tocou; sabemos que nela a inocência e a virgindade foram preservadas sem mácula. Pois ela tem sido guardada por Deus; ela sempre persiste conosco na oração. Diariamente um anjo do Senhor fala com ela; diariamente ela aceita ali-mento da mão de um anjo. Como é possível haver pecado nela? Pois se tu queres que te expressemos nossas suspeitas, esta gravidez foi causada por ninguém mais que o anjo de Deus”. José, porém, disse: “Estais tentando fazer com que eu acredite que um anjo do Senhor a engravidou? E de fato possível que alguém vestido de anjo do Senhor a tenha enganado”. Depois de dizer isso, ele chorou e disse: “Com que face deverei ir ao Templo de Deus? Com que pretexto devo visitar os sacerdotes de Deus? Que farei?” Depois de dizer isso, ele fez planos para ocultá-la e repudiá-la.

Então ele planejou levantar-se à noite e fugir, para viver escondido; eis que naquela mesma noite, um anjo do Senhor lhe apareceu num sonho e disse: “José, filho de Dai não tenhas medo de aceitar Maria como tua esposa, porque aquele que está em seu ventre é do Espírito Santo. Ela terá um filho que será chamado Jesus; ele salvará seu povo de seus pecados”. José acordou de seu sono, deu graças a seu Deus, e contou sua visão a Maria e às virgens que estavam com ela. E depois de ser confortado por Maria, ele disse: “Eu pequei porque suspeitei de ti”.

Aconteceu que depois disto espalhou-se o murmúrio de que Maria estava grávida. José foi agarrado pelos emissários do Templo e levado ao sumo sacerdote que, junto com os sacerdotes, se pós a repreendê-lo, dizendo: “Como é que tu foste enganado de tal matrimônio e uma virgem a quem os anjos de Deus alimentaram como uma pomba no Templo, que desejou nunca ver homem algum, que tinha excelente instrução na lei de Deus? Se tu mesmo não a tivesses violado, hoje ela permaneceria virgem”. José, porém, fez um juramento, que ele jamais a tocara. Abiathar, o sumo sacerdote, lhe disse: “Como Deus vivo, portanto te farei beber a água da prova do Senhor, e imediatamente ele demonstrará teu pecado”.

Toda a multidão de Israel se reuniu, tantos que era impossível contá-los, e Maria foi conduzida ao Templo do Senhor. Sacerdotes e vizinhos e seus pais clamaram e disseram a Maria: “Confessa teu pecado aos sacerdotes, tu que foste como uma pomba no Templo de Deus e que aceitaste alimento da mão de um anjo”. José também foi chamado ao altar e lhe deram a água da prova do Senhor — que, se um homem faltoso beber e der sete voltas ao redor do altar, Deus fará seu pecado aparecer no rosto do homem. Quando então um alegre José bebeu e deu voltas ao redor do altar, nenhum sinal de pecado foi revelado nele. Então todos os sacerdotes e ministros e o povo o santificaram, dizendo: “Abençoado és tu porque nenhuma culpa foi descoberta em ti”. Depois eles chamaram Maria e lhe disseram: “Agora que desculpa podes ter? ou que sinal ele manifestará em ti além do que tua gravidez revela em teu ventre? Só exigiremos de ti que — porque José é inocente com respeito a ti — tu devas confessar quem é que te enganou. E melhor que tua confissão te traia do que a ira de Deus dê um sinal em teu rosto e te exponha em meio ao povo”.

Então Maria, firme e intrépida, disse: “Se existir em mim qualquer mácula ou pecado, ou se houve em mim qualquer concupiscência ou lascívia, que o Senhor me exponha à vista de todo o povo, para que eu possa ser um exemplo para a correção de todos”. E ela foi confiante até o altar de Deus, bebeu a água da prova, deu sete voltas ao redor do altar, e nenhuma falta foi encontrada nela.

E enquanto todo o povo se maravilhava e gaguejava, vendo que ela estava grávida e mesmo assim nenhum sinal de culpa aparecera em seu rosto, eles começaram a ficar agitados e a murmurar entre si como as multidões fazem. Alguns diziam uma bênção, outros por má consciência a acusavam. Então, vendo as suspeitas do povo, que eles não foram purgados pela integridade dela, com todos atentos, Maria falou em clara voz: “Como Deus vive, Adonai das hostes, em cuja presença estou, eu nunca conheci um homem; eu nem mesmo considerei conhecer um homem, porque desde a minha infância, por toda a minha vida, tive esta convicção. E esta oferenda que fiz a Deus desde a minha infância para que continuasse em integridade com aquele que me criou, viver nele somente com quem confabulo, e, enquanto eu viver, permanecer com ele somente, sem mácula”.

Então todos a beijaram, pedindo que os perdoasse por suas maléficas suspeitas. E todo o povo e os sacerdotes e todas as virgens, com exultação e louvor, a conduziram até sua casa, bradando e dizendo: “Abençoado o nome do Senhor, que revelou tua santidade para todas as multidões de Israel.”…

[O nascimento de Jesus. A história parece ser baseada no Evangelho de Tiago, e traz o exame ginecológico que Salomé fez em Maria. Este capitulo também retoma a narrativa da natividade segundo Lucas.]

No terceiro dia depois do nascimento do Senhor, Maria saiu da caverna; ela foi até o estábulo e colocou a criança numa manjedoura, e um boi e um burrico o adoraram. Então aquilo que foi dito através do profeta Isaías se cumpriu: “O boi conhece seu proprietário e o burrico a manjedoura de seu senhor”. Estes animais, tendo-o no meio deles, o adoravam de cessar. Assim, aquilo que foi falado através do profeta Habacuque se cumpriu: “Tu serás conhecido entre os dois animais”. José e Maria permaneceram ali com a criança durante três dias….505

[Ele vão a Belém. Jesus é circuncidado. A apresentação no Templo (ver Lucas 2). A vinda dos Magos. O massacre das crianças judias.]

Quando eles chegaram a uma determinada caverna e quiseram descansar nela, Maria desceu da mula de carga e, sentando-se, segurou Jesus no colo. Havia três rapazes viajando com José e uma menina com Maria. E eis que, de repente, muitos dragões saíram da caverna. Quando os rapazes viram-nos na frente deles, eles gritaram com grande medo. Então Jesus desceu do colo de sua mãe, e ficou de pé diante dos dragões. Eles, porém, o adoraram, e, enquanto adoravam, recuaram. Então aquilo que foi dito através do profeta Davi se cumpriu: `Vos dragões da terra, louvai o Senhor, vós dragões e todas as criaturas do abismo”. Então o menino Jesus caminhou diante deles e lhes ordenou que não machucassem homem algum. Mas Maria e José estavam com muito medo que o menino pudesse ser machucado pelos dragões. Jesus lhes disse: “Não tenhais medo, nem me considerai uma criança; eu sempre fui um homem perfeito e assim sou agora; é necessário que todos os animais selvagens da floresta sejam mansos diante de mim”.

Semelhantemente, leões e leopardos o adoraram e os acompanharam no deserto. Para onde quer que José e Maria fossem, eles os precediam; mostrando o caminho e inclinando suas cabeças, eles adoravam Jesus. No entanto, a primeira vez que Maria viu os leões e outros tipos de animais selvagens ao seu redor, ela ficou muito amedrontada. O menino Jesus, com o semblante alegre, olhou para trás e disse: “Não tenhas medo, Mãe, eles não vi-eram correndo para cá para machucar-te e sim eles correm para te obedecer”. Quando ele disse isto, tirou o medo o coração dela. os leões viajavam com eles e com os bois e os burricos e os animais de carga que carregavam suas necessidades, e eles não machucaram nenhum deles enquanto Permaneceram. Eram mansos entre as ovelhas e cordeiros que eles trouxeram consigo de Judéia e tinham com eles. Eles viajavam entre os lobos e não estavam amedrontados; não houve dano de um para o outro. Então aquilo que foi dito pelo profeta se cumpriu: “Lobos serão apascentados com os cordeiros, o leão e o boi comerão juntos”. Havia dois bois e a carroça, na qual eles carregavam suas necessidades, que os leões guiavam em sua jornada.

E aconteceu que, no terceiro dia depois de sua partida, Maria estava cansada pelo calor excessivo do sol no deserto e, vendo uma palmeira, disse a José: “Desejo descansar um pouco debaixo de sua sombra”. José rapidamente a conduziu até a palmeira e a ajudou a descer do animal. Enquanto Maria estava sentada, ela olhou ao topo da palmeira e a viu cheia de frutos. Ela disse a José: “Desejo, se possível, comer alguns frutos desta palmeira”. José lhe disse: “Estou assombrado com que tu dizes, quando vês como é alta esta palmeira, que penses em comer o fruto dela. Penso mais na água, que já nos falta nos sacos de água; agora não temos nada com que nos refrescar nem os animais”.

Então o menino Jesus, que estava descansando com um sorriso no rosto no colo de sua mãe, disse à palmeira: “Curva-te, árvore, e alimenta minha mãe com teus frutos”. E imediatamente, à sua voz, a palmeira curvou sua copa aos pés de Maria, e eles colheram os frutos dela com os quais todos se alimentaram. Depois que eles colheram todos os seus frutos, ela continuou curvada, esperando para se erguer ao comando daquele que lhe havia ordenado se curvar. Então Jesus lhe disse: “Ergue-te, palmeira, e sê forte e companheira de minhas árvores que estão no Paraíso de meu Pai. Abre um curso de água que está escondido na terra sob tuas raízes, e dele deixa correr águas para satisfazer-nos”. E a palmeira se ergueu imediatamente, e fontes de água, muito clara e fria e doce, começaram a jorrar através das raízes. Quando eles viram as fontes de água, se regozijaram com grande júbilo, e eles e os animais de carga ficaram todos satisfeitos, e deram graças a Deus.

No dia seguinte eles saíram dali. Ao iniciar a viagem, Jesus se voltou para a palmeira e disse: “Eu te dou o privilégio palmeira que um de teus galhos seja carregado por meus anjos e plantado no Paraíso de meu Pai. Eu te confiro esta bênção, que todos que ganharem numa luta, lhes será dito: ‘tu conquistaste a palma da vitória’. Quando ele disso isto, eis que um anjo do Senhor apareceu e ficou acima da palmeira. Ele pegou um de seus galhos e voou para o Céu com o galho na mão. Quando eles viram isto, caíram com suas faces por terra e ficaram como mortos. Jesus falou com eles, dizendo: “Por que o medo se apossou de vossos corações? Não sabeis que esta palmeira, que eu mandei levar para o Paraíso, estará pronta para todos os santos no lugar das delicias, assim como ela estava pronta para vós neste lugar deserto”. Eles ficaram cheios de alegria e se levantaram. Enquanto eles continuavam a viajar, José disse-lhe: “Senhor, o calor excessivo está nos cozinhando; se for de teu agrado, deixa que caminhemos pelo mar, para que possamos viajar, descansando nas cidades ribeirinhas”. Jesus lhe disse: “Não tenhas medo, José, eu encurtarei tua viagem, para que aquilo que tu atravessarias no espaço de trinta dias, terminarás em um dia”. Enquanto isto estava sendo dito, eis que eles começaram a ver as montanhas e as cidades do Egito.

Rejubilando-se e exultando, eles chegaram à região de Hermópolis, e entraram numa das cidades egípcias chamada Sotinen. Como não conheciam ninguém de quem pudessem pedir hospitalidade, foram para o templo que era chamado o “Capitólio do Egito”. Haviam sido colocados neste templo trezentos e Sessenta e cinco ídolos, aos quais, em dias determinados, era dada honra divina em cerimônias sacrílegas.

E ,aconteceu que, quando a abençoadíssima Maria, com seu filho, entrou no templo, todos os ídolos foram jogados ao chão, ficando todos esmagados, convulsos e com suas faces despedaçadas. Assim eles revelaram abertamente que eram nada. Então aquilo que foi dito pelo profeta Isaias se cumpriu: “Eis que o Senhor Virá numa nuvem ligeira e entrará no Egito, e todos os ídolos feitos pelos egípcios serão removidos de sua presença”.

Quando isto havia sido anunciado a Afrodosius, o governador da Cidade, ele veio ao templo com seu exército inteiro. Quando os sacerdotes do templo viram que Afrodosius se precipitava para o templo com seu exército inteiro, eles supuseram que viram sua vingança sobre aqueles por causa de quem os ídolos foram derrubados. Ele entrou no templo, e quando viu que todos os ídolos estavam prostrados sobre suas faces, foi até Maria e adorou a criança que ela carregava em seu seio, e enquanto ele o adorava, disse a seu exército inteiro e a seus amigos: “Se ele não fosse o Deus de nossos deuses, nossos deuses certamente não teriam caído diante dele sobre suas faces, nem jazeriam prostrados em sua presença. Eles assim confessam silenciosamente que ele é seu Senhor. Se nós todos não fizermos por prudência aquilo que vemos os nossos deuses fazerem, possivelmente incorreremos em sua indignação e todos seremos destruídos, assim como aconteceu com o Faraó, rei dos egípcios, que não acreditou em tais maravilhas e foi afogado no mar com seu exército inteiro”. Então todas as pessoas daquela cidade acreditaram no Senhor Deus através de Jesus Cristo.

Depois de pouco tempo o anjo disse a José: “Volta para a terra de Judá; aqueles que buscavam a vida do menino estão mortos”. Fim

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Apócrifos, José e Asenath

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Capítulo 1

Asenath

1 No quinto dia do segundo mês, no primeiro ano dos sete anos gordos, o Faraó ordenou a José que fizesse um giro por toda a terra do Egito. Assim, no décimo oitavo dia do quarto mês do primeiro ano José chegou à região de Heliópolis, a fim de recolher o trigo todo da terra, a qual se assemelhava às areias do mar.

2 Havia um homem naquela cidade por nome Pentephres. Era sacerdote em Heliópolis e sátrapa do Faraó, o principal dentre todos os seus príncipes e sátrapas. Esse homem era incomensuravelmente rico, prudente e manso de coração. Conselheiro do Faraó, era o mais sábio de todos os seus príncipes.

3 Pentephres tinha uma filha, chamada Asenath, virgem de dezoito anos, esbelta e viçosa, que sobrepujava em beleza todas as jovens do país. Efetivamente, Asenath não se parecia em nada com as moças egípcias; parecia-se muito mais comas filhas dos hebreus. Era tão esbelta quanto Sara, tinha o frescor de Rebeca e a beleza de Rachel.

4 A fama de sua beleza percorreu toda a terra, até os confins do mundo. Todos os filhos dos grandes e dos sátrapas, e até os filhos dos reis soberanos, queriam pedi-la em casamento. Todos jovens e vigorosos, entre eles nasceu logo grande porfia por” causa dela e até já se hostilizavam entre si.

5 Também o filho primogênito do Faraó ouviu falai” de Asenath e pediu ao pai que ela lhe fosse dada em casamento, falando-lhe assim: “Meu pai! Dá-me por esposa Asenath, a filha de Pentephres, o homem mais importante de Heliópolis!” Respondeu-lhe então o Faraó: “Por que procuras tu uma mulher que está abaixo da tua condição, se vais ser o rei de todo este pais? Por acaso a filha de Joachim, rei de Moab, não é tua noiva? Ela será efetivamente uma rainha, e é bela acima de toda medida. A ela, pois, escolhe por tua esposa!”

Capítulo 2

Adornos e morada de Asenath

1 Asenath, porém, era avessa a todos os homens e os repudiava. inacessível no seu orgulho, homem algum chegava sequer a vê-la. Na mansão de Pentephres havia uma torre, muito grande e muito alta, em cuja parte superior havia um solar constituído de dez cômodos.

2 O primeiro aposento era sobremodo grande e bonito, marchetado de pedras purpúreas, com paredes em pedras nobres, de variada cor; e o forro era de ouro, inúmeras divindades egípcias, de ouro e prata, estavam reunidos nesse quarto. E Asenath a todas adorava, com grande reverência, oferecendo-lhes sacrifícios todos os dias.

3 No segundo aposento recolhiam-se todos os adornos de Asenath, bem como todos os seus pertences. Nele se depositavam muito ouro e muita prata, numerosos vestidos bordados com ouro, pedras preciosas raras e vestes de linho, a par de todos os demais enfeites de uma jovem. O quarto de provisões de Asenath constituía o terceiro compartimento e continha todos os melhores gêneros da terra.

4 Nos restantes sete quartos moravam sete jovens virgens, cada qual em seu quarto,para servirem a Asenath. Eram todas da mesma idade e nascidas como Asenath numa mesma noite. Ela as amava muito; eram maravilhosamente belas, comparáveis às estrelas do céu. Nem homem nem jovem jamais lhes dirigiu a palavra.

5 Havia três janelas no aposento maior, onde a donzela Asenath Cultivava e embalava a sua virgindade. A primeira janela era muito ampla e dava para o pátio, na face leste; a segunda dava para o sul e a terceira, para a rua.

6 Uma cama de ouro ocupava o quarto, do lado do nascente. O leito tinha cobertas de púrpura com arremates de ouro, tecidas em escarlate e de finíssimo pano de linho. Nessa cama Asenath dormia sozinha. Jamais se deitara nela um homem, nem outra mulher, mas tão-somente Asenath.

7 A casa era circundada de um amplo pátio cercado de altos muros, construídos com grandes blocos de pedra. O pátio tinha quatro portões forte-mente guarnecidos de ferro. Neles montavam guarda dezoito soldados armados, jovens e vigorosos. Junto ao muro, na parte interna do pátio, cresciam árvores frutíferas de espécies variadas e preciosas, carregadas de frutos maduros da estação.

8 No lado direito do pátio havia uma rica fonte de água, e abaixo dela um tanque de considerável proporção que recolhia as águas da fonte. A partir dele, semelhantemente a um córrego, as águas fluíam no pátio todo e irrigavam suas plantas.

Capítulo 3

Chegada de José

1 No dia vinte e oito do quarto mês, no primeiro dos sete anos gordos, José chegou à região de Heliópolis para recolher o trigo daquela terra. Ao aproximar-se da cidade, destacou doze homens para que fossem à sua frente levai-a Pentephres, sacerdote de Heliópolis, a seguinte mensagem: “Chegarei hoje à tua casa, pois se faz meio-dia e é hora de refeição; também grande é o calor do sol; por isso aprazer-me-á refrigerar-se sob o teto da tua casa”.

2 Quando Pentephres ouviu essas palavras, alegrou-se grandemente e falou: “Louvado seja o Senhor, o Deus de José! Meu Senhor! José me julga digno!” Então Pentephres mandou vir o administrador da casa e falou-lhe: “Por depressa minha casa em ordem e prepara um almoço festivo, porque hoje José, o herói de Deus, chegará à nossa morada.

3 Asenath, ao perceber que o pai e a mãe acabavam de voltar para casa, vindos da sua propriedade rural, disse com toda alegria: “Eu vou e quero ver o pai e a mãe, que voltam do campo”. Era o tempo da colheita.

4 Ela correu ao quarto onde guardava as suas roupas, vestiu um finíssimo vestido de linho, debruado em escarlate e ouro, cingiu-se com um cinto dourado, colocou braceletes nos braços e correntes de ouro nus tornozelos. No pescoço pôs um colar valiosíssimo de pedras preciosas polidas de todos os lados e levando inscritos os nomes dos deuses egípcios, que também estavam gravados nos braceletes e nas demais jóias. Colocou o turbante na cabeça, aplicou um diadema às têmporas e cobriu a cabeça com um véu.

Capítulo 4

Asenath e seus tais

1 Asenath saiu do solar, desceu rapidamente as escadas, aproximou-se do pai e da mãe e os saudou. Pentephres e sua mulher alegraram-se profundamente com a presença da filha e por vê-la assim tão enfeitada e radiosa, como uma noiva divina.

2 Tomaram dos gêneros que haviam trazido da sua propriedade e os ofereceram à filha. E Asenath ficou encantada com esses bens: frutas, como uvas, tâmaras, romãs e figos, todas maduras e apetitosas. Nesse momento, Pentephres chamou Asenath: “O filha”. Ela respondeu: “Sim, meu Senhor”. Disse-lhe ele: “Senta-te aqui, entre teu pai e tua mãe! Desejo dizer-te o que vai no meu pensamento”.

3 Ela sentou-se entre eles. Pentephres estendeu sua mão direita, tomou a mão direita dela, beijou-a e disse: “Filhinha querida!” Ela retrucou: “Sim, meu senhor e pai”.

4 Pentephres continuou: “José, o herói de Deus, chegará hoje à nossa casa. Ele é o príncipe soberano de toda a terra do Egito. O rei Faraó constituiu-o administrador de todo o nosso pais, a toda esta terra ele distribui alimentos para salvá-la da fome que [lá de vir. José é um homem temente a Deus, virgem, como és tu hoje, homem forte em sabedoria e conhecimentos; o espírito de Deus está com ele e a graça do Senhor” nele habita. Vem, pois, filha querida! Vou oferecer-te a ele como esposa, e tu serás sua esposa, e ele será o teu esposo para todo sempre”.

5 Ao ouvir tais palavras do seu pai, o rosto de Asenath cobriu-se de suor. Tomada de grande indignação, olhou de soslaio para o pai e falou: “Por que me falas tais coisas, meu senhor e pai? Queres entregar-me como prisioneira a um homem estranho, que foi um fugitivo, a um homem que, além de tudo, foi vendido? Por acaso não é ele o filho de um pastor de Canaã? Não foi, enfim, por ele repudiado? Não é aquele que, tendo deitado com sua ama, foi lançado por seu patrão numa prisão escura, de onde o Faraó o fez libertar por haver ele interpretado os seus sonhos, como fazem as velhas feiticeiras do Egito? Não! Prefiro casar-me com o filho primogênito do Faraó, pois este será o rei de todo o país”.

6 Tudo o entusiasmo de Pentephres para continuar a falar com sua filha Asenath sobre José esmoreceu, pois ela acabava de responder-lhe com muita ira e grande orgulho.

Capítulo 5

A visita de José

1 Nesse momento entrou a correr um jovem serviçal e falou assim a Pentephres: “José já está às portas do pátio”. Ao ouvir estas palavras, Asenath fugiu da presença do seu pai e da mãe, subiu as escadas do solai”, entrou no seu quarto e postou-se à grande janela que dava para o nascente, para poder ver José quando entrasse na casa paterna.

2 Então Pentephres e sua mulher saíram a saudar José, acompanhados de todos os parentes e dos serviçais. Ao ser aberto o portão do pátio que dava para o oriente, José fez sua entrada. Viajava no segundo carro do Faraó, rica carruagem acabada em ouro puro e puxada por quatro cavalos brancos como a neve, com bridas douradas.

3 José vestia uma maravilhosa túnica branca e se cobria com um manto de púrpura, de um fino linho bordado a ouro. Sobre a cabeça, uma coroa de ouro com doze pedras preciosas que coruscavam em reverberações douradas. Na mão direita portava um cetro real e um ramo de oliva carregado de frutos.

4 Quando José entrou no pátio, os portões foram fechados e todas as pessoas estranhas, homens e mulheres, tiveram de permanecer do lado de fora. Apresentam-se então Pentephres e sua mulher, e todos os parentes, menos a filha Asenath. Prostraram-se no chão diante de José. Então José desceu do carro e, com um aperto de rirão, a todos saudou.

Capítulo 6

Asenath impressiona-se com José

1 Tendo Asenath visto José, ficou fortemente perturbada no seu íntimo. Seu coração palpitava e seus joelhos vacilaram. Todo o seu corpo tremia e uma grande angústia apossou-se dela. Com fortes suspiros, assim falou em seu coração: “Para onde eu, desgraçada, deverei fugir agora? Onde esconder-me da sua face? Como poderá José, esse filho de Deus, volver os seus olhos para mim, eu que tanto mal falei dele?

2 “Ai de mim, desafortunada! Aonde irei esconder-me? Pois ele vê tudo o que está escondido, sabe todas as coisas e nada do que está oculto lhe escapa, por causa da grande luz que traz dentro de si. Seja neste momento o Deus de José clemente comigo, pois sem saber pronunciei coisas tão graves contra ele! Que devo fazer, ó mísera de mim?

3 “Por acaso eu não disse que ele é filho de um pastor de Canaã? Agora vem ele a nós, semelhante a um sol divino, em seu carro, dando entrada em nossa casa e iluminando-a como a luz que ilumina toda a terra. Eu, porém, fui tão tola e atrevida, a ponto de proferir contra ele coisas graves, sem saber que José é um filho de Deus.

4 “Pois que homem sobre a terra pôde gerar tamanha beleza, e que ventre materno pôde dar à luz tamanho esplendor? Como fui infeliz e tola, respondendo ao meu pai com palavras tão perversas! ó pai, entrega-me a José como sua serva, melhor ainda, como sua escrava! Sim, desejo ser sua escrava para sempre.”

Capítulo 7

Entrada de José na casa dos pais

1 E José entrou na casa de Pentephres e assentou-se sobre um trono. Lavaram-lhe os pés e prepararam-lhe uma mesa em separado, porque José não comia com os egípcios: isso significava para ele abominação. Nisso, José, levantando os olhos, viu Asenath; notou como ela o espiava furtivamente, e então falou a Pentephres: “Quem é essa mulher postada à janela do solar? Quero que saia desta moradia!” José pensava, e temia, que ela quisesse importuná-lo.

2 Acontecia que todas as mulheres e filhas dos príncipes e sátrapas do Egito lhe eram incômodas, por causa da insistência em se manterem junto dele. E não havia mulher egípcia, casada ou solteira, que não se apaixonasse por José por causa da sua beleza. Aos mensageiros que as mulheres enviavam a ele com presentes valiosos, de ouro e prata, José expulsava com indignação e ameaças, fiel ao seu princípio: “Jamais haverei de pecar contra Deus, o Senhor, nem contra a face do meu pai, Israel”.

3 José realmente tinha Deus sempre diante dos olhos, e constantemente lembrava as advertências de seu pai. Muitas vezes Jacó disse a José e inculcou em seu coração e no de todos os seus outros filhos: “Filhos, guardai-vos das mulheres estrangeiras! Nunca deixeis que elas vos envolvam! A relação com elas é desgraça e perdição”. Foi por isso que José falou: “Que esta mulher se retire desta casa!”

4 Ao que Pentephres retrucou: “Meu Senhor! Aquela que vês postada no solar não é uma estranha; ela é nossa filha, que tem desprezado todos os homens. Ela nunca viu outro homem até hoje, a não ser tu. Se for do teu agrado, Senhor, ela se apresentará e te dirigirá a palavra, pois nossa filha é como se fosse tua irmã”.

5 Essas palavras alegravam o coração de José. Sabendo pelo próprio Pentephres que ela era virgem, e mais, que desconhecia e desprezava os homens, José disse a Pentephres e sua mulher: “Se essa é vossa filha e é virgem, que venha pois até aqui. Nesse caso, ela é minha irmã, e a partir deste momento, eu a amarei como tal”.

Capítulo 8

Encontro de José com Asenath

1 Ao ouvir essas palavras, a esposa de Pentephres subiu ao solar e conduziu Asenath até José. Pentephres disse a ela: “Saúda o teu irmão! Ele é virgem, como tu também o és hoje, e ele se aborrece com toda mulher estranha assim como tu também te aborreces com todos os homens estranhos”.

2 Então Asenath falou a José: “Sejas bem-vindo, Senhor, o abençoado do Deus altíssimo!” E José assim respondeu: “Jovem! Que te abençoe Deus, que a todas as coisas dá a vida!” Pentephres disse então à sua filha Asenath: “Vamos. Beija o teu irmão!”

3 Quando Asenath se dispunha a beijar José, este a reteve com um gesto da mão direita, que colocou sobre o peito. E disse: “Não convém a um homem temente a Deus, que com sua boca louva o Deus vivo e come o sagrado pão da vida, e bebe a bebida sagrada da imortalidade, beijar uma mulher estranha, a qual com a boca louva deuses mortos e mudos, que da sua mesa come alimentos sufocados, que das suas bebidas rituais bebe o cálice da impostura, e que se unge com a unção da desgraça.

4 “O homem temente a Deus, muito mais há de beijar sua mãe e sua irmã, filha de sua mãe, e sua irmã da mesma linhagem e sua esposa, que compartilha seu leito e que com sua boca louva o Deus vivo. Da mesma forma, não convém a uma mulher temente a Deus beijar um homem estranho, pois isso, diante de Deus, o Senhor, é uma abominação.”

5 Quando Asenath ouviu de José tais palavras, ficou muito perturbada e sua respiração se acelerou. E como José a encarasse com olhar aberto e firme, os seus olhos encheram-se de lágrimas. Ao ver José que ela assim chorava, compadeceu-se dela profundamente, pois percebeu a sua doçura e bondade e o seu temor a Deus.

6 Colocou então a mão direita sobre a cabeça da jovem e disse: “Senhor Deus dos pais de Israel! O tu, altíssimo e forte Deus, que a tudo conferes a vida, que a tudo tiras das trevas e trazes à luz, que tudo conduzes do erro para a verdade, da morte para a vida. Ah, abençoa também esta jovem! Dá-lhe a vida, renova-a pela força do teu espírito santo, permite-lhe provar do teu pão da vida e beber do cálice da tua bênção, e conta-a entre o teu povo, que tu escolheste, antes que tudo fosse criado! Conduze-a à morada da tua paz, que preparas-te para os teus eleitos! Permite-lhe viver para sempre no seio da tua vida eterna!”

Capítulo 9

Partida de José

1 Asenath alegrou-se profundamente com a bênção de José. A toda pressa subiu ao solar e, exausta, atirou-se sobre a cama. No seu intimo reinavam ao mesmo tempo a alegria, a tristeza e a angústia. Ainda ecoavam em seus ouvidos aquelas palavras de José falando lhe em nome do Deus altíssimo. Prorrompeu então num choro alto e amargo e, cheia de arrependimento, aborreceu os seus deuses, que adorava, e as imagens dos seus ídolos, que já começava a maldizer, e assim permaneceu até o cair da noite.

2 José comeu e bebeu e a seguir ordenou aos seus servos que atrelassem os cavalos ao seu carro, a fim de continuar a percorrer a região. Falou então Pentephres a José: “Permanece hoje aqui, meu Senhor! Segue amanhã o teu caminho”. Mas José lhe respondeu: “Não, eu irei hoje; pois este é o dia em que o Senhor iniciou a criação de todas as coisas. No oitavo dia eu voltarei, e então permanecerei convosco”.

Capítulo 10

Arrependimento de Asenath

1 Quando José partiu, Pentephres dirigiu-se para o campo, acompanhado de todos os seus. Só Asenath e as suas sete virgens permaneceram em casa. Mas Asenath ficou alheia a tudo e debulhada em lágrimas, até o pôr-do-sol. Não comeu pão nem bebeu água; e quando todos já estavam mergulhados no sono, só ela permanecia acordada, derramando lágrimas e batendo repetidamente no peito.

2 Em dado momento levantou-se e desceu as escadas do solar. Junto à porta de entrada encontrou a guardiã adormecida nas suas dependências, juntamente com as suas crianças. Então habilmente desprendeu o cortinado da porta, encheu-o de cinzas, carregou-o até o solar e, chorando e suspirando, espalhou as cinzas pelo chão.

3 Aquela jovem, que era a que mais amava Asenath, percebeu os seus suspiros. Levantou-se mais que depressa e foi postar-se à porta, após ter acordado também as outras virgens; mas Asenath havia trancado a porta e corrido o ferrolho. Ouvindo que não cessavam os suspiros e as lamentações de Asenath, chamou-a do lado de fora, dizendo: “O que está acontecendo, minha senhora? O que tanto te entristece? O que assim te atormenta? Abre a porta, para que possamos ver-te”.

4 De dentro, Asenath respondeu: “Um sofrimento muito grande e muito pesado abateu-se sobre mim; estou estirada sobre meu leito e não consigo levantar-me para abrir-vos a porta, pois doem-me todos os membros. Que todas voltem para seus quartos, descansem e me deixem em paz!”

5 Quando as jovens tornaram a recolher-se, Asenath levantou-se, abriu silenciosa-mente a porta do seu aposento Jose, dirigiu-se até o segundo compartimento, onde se guardavam os seus adornos, e abriu os baús. Apanhou um vestido preto e sombrio que vestira por ocasião da morte do seu irmãozinho mais velho, levou-o ao seu quarto e cerrou e novo cuidadosamente a porta, correndo a tranca de ferro.

6 Então tirou suas vestimentas reais e vestiu o vestido de luto. Desprendeu o cinto de ouro e cingiu-se com uma corda tirou o turbante, o diadema, os braceletes e as fitas de ouro e amontoou tudo isso no chão. Então agarrou o seu vestido de luxo, bem como o cinto de ouro, o turbante e o diadema, e atirou tudo aos pobres pela janela que dava para o norte.

7 Depois, reuniu o grande número das estátuas de seus deuses leitos de ouro e prata, que se encontravam no quarto, quebrou-os em mil pedaços e atirou-os pela janela, aos mendigos e necessitados. Em seguida, Asenath tomou suas provisões reais, carnes gordas, peixe e assados de vitela, bem como todas as oferendas dos seus deuses, também os utensílios e as reservas de vinho, e atirou tudo aos cachorros pela janela que dava para o norte.

8 Feito isso, tomou o cortinado com as cinzas e esvaziou-o completamente pelo chão. Tomou uma roupa de penitência, envolveu com ela os rins, soltou as tranças dos cabelos e espalhou cinzas sobre a cabeça. Como havia esparzido as cinzas pelo chão, sentou-se no meio delas, batendo-se no peito repetidamente com os punhos cerrados; chorou e suspirou amargamente pelo resto da noite, até o amanhecer.

9 Quando, pela manhã, Asenath se deu conta, viu que as cinzas do chão haviam-se convertido em lodo, tantas as lágrimas derramadas. Então, mais uma vez, atirou-se com a face por terra, e assim permaneceu até o pôr-do-sol. Assim procedeu durante sete dias, não se alimentando de uma migalha sequei”.

Capítulo 11

Conversão de Asenath

1 No oitavo dia, ao alvorecer, quando os passarinhos começavam a cantar e os cachorros a latir para os transeuntes, Asenath soergueu-se um pouco do monte de cinzas em que se assentava. Esgotada pelo prolongado jejum, sentiu os membros entorpecidos e fracos e aniquiladas sua energia e suas forças. Recostou-se então contra a parede, sob a janela onde estava sentada, do lado do nascente, deixou pender a cabeça, em penitência, e colocou os dedos da mão direita sobre o joelho direito. Sua boca permanecia fechada; nenhuma vez a abrira nos sete dias e sete noites do seu jejum. E no seu íntimo ela falou, sem entreabrir a boca: “Que deverei fazer, ó pobre de mim? Aonde irei? Junto a quem refutar-me-ei? Com quem poderei falar agora, desamparada, solitária, por todos abandonada e virgem desprezada?

2 “Ninguém mais terá consideração por mim, nem meu pai, nem minha mãe, porque repudiei os seus deuses, fi-los em pedaços e os dei aos pobres como objeto de destruição. Assim dirão meu pai e minha mãe: `Esta não é a nossa filha Asenath’. Também me odiarão todos os parentes e as demais pessoas, porque destruí os deuses deles.

3 “Por acaso também eu não desprezei todos os homens e todos os meus pretendentes? Assim agora eu também, neste meu estado de fraqueza, serei simplesmente desprezada; todos se alegrarão com o meu infortúnio. O Senhor e Deus do herói José, porém, aborrece todos os adoradores de deuses falsos, pois Ele é, segundo ouvi dizer, um Deus colérico e terrível para com todos aqueles que veneram divindades estranhas.

4 “Também a mim Ele odiou, porque adorei e louvei estátuas de deuses mortos e mudos. Agora eu repudiei os seus sacrifícios e a minha boca absteve-se da sua mesa. Contudo, não tenho a coragem de invocar o Senhor, o Deus do céu, o Altíssimo, o poderoso Deus do herói José, porque minha boca esteve contaminada pelas oferendas dos falsos deuses.

5 “Mas muito ouvi falar que o Deus dos hebreus é um Deus verdadeiro, um Deus vivo, um Deus misericordioso, compassivo, indulgente, remitente, suave, que não leva em conta os pecados de quem agiu principalmente por ignorância, e que não exige satisfação pela culpa de uma pessoa em grande aflição e necessidade. Agora também eu, ó pobre de mim, me aventuro a voltar-me para Ele, e nele refugiar-me, e diante dEle reconhecer todos os meus pecados e derramar todas as minhas súplicas; Ele terá compaixão da minha profunda indigência.

6 “Vendo-me agora tão humilhada, tão solitária em minha alma, quem sabe Ele terá piedade de mim? Quem sabe agora, vendo a virgem abandonada que sou, de tudo carente, Ele me protegerá, pois, como ouço dizer, Ele é o pai dos órfãos, o consolador dos aflitos, o refúgio dos perseguidos. Sim, ousarei, eu pobre, clamar por Ele.”

7 Então Asenath ergueu-se de junto à parede em que esteve recostada, pôs-se sobre os joelhos na direção do nascente, olhou para o céu, abriu a boca e falou a Deus.

Capítulo 12

Oração de Asenath

1 Prece e confissão de Asenath: “ó Senhor, Deus dos justos, Tu que criaste os mundos e que a tudo desta vida, que concedeste o espírito da vida a todo o criado, que trouxeste à luz o invisível; Tu, que a tudo deste origem, que desvelaste o que era oculto, que és o autor dos altos céus, que firmaste a terra sobre as águas, que deste fundamentação às grandes rochas nas profundezas do mar, a fim de que não desapareçam nos abismos, mas, ao contrário, cumpram a tua vontade até o fim dos séculos, porque Tu ordenaste, e tudo foi criado — a tua palavra, ó Senhor, é vida para todas as tuas criaturas.

2 “Junto de ti agora me refugio, senhor meu Deus: doravante eu clamo a Ti, Senhor, na tua presença reconheço os meus pecados, derramo as minhas súplicas, ó Senhor,e manifesto as minhas culpas e pecados. Poupa-me, Senhor! Peço perdão! Porque muito contra Ti pequei e transgredi tuas leis, comportei-me impiamente e falei coisas abomináveis diante da tua face.

3 “Minha boca está imunda, Senhor, das oferendas aos falsos deuses egípcios, das suas refeições sacrificiais. Eu pequei, Senhor, na tua presença; agi de modo profano, tanto consciente quanto inconscientemente, pois invoquei imagens de ídolos mortos e mudos. Não sou digna, Senhor, de abrir a boca na tua presença, pobre de mim, Asenath, a filha do sacerdote Pentephres, virgem e rainha, eu que já fui cheia de orgulho e suficiência, que pela minha riqueza paterna era mais feliz do que ninguém, mas que agora estou sozinha e deserdada, completa-mente abandonada de todos.

4 “Em Ti me refugio, Senhor; a Ti apresento a minha súplica e clamo: salva-me dos perseguidores, o Senhor, antes que eles me agarrem! Tal como uma criança que de alguém tem medo e recorre ao pai e à mãe, e o pai lhe estende as mãos e a aperta contra o seu peito, assim também Tu, Senhor, abre os teus braços puros e poderosos para mim, como um pai que ama os seus filhos, e arranca-me da mão do inimigo do meu espírito!

5 “Pois vê: o velho leão rude e selvagem me persegue, porque ele é o pai dos deuses egípcios, e os descendentes dele são os deuses dos possuídos por divindades falsas. Eu porém os destruí e odiei, porque são filhos do leão. Dessa forma, eu repudiei todos os deuses dos egípcios, e os reduzi a pedaços. O leão, porém, cujo pai é o demônio, ronda cheio de ira por mim e procura devorar-me. Mas Tu, Senhor, livra-me das suas garras, arranca-me das suas fauces, para não ser por” ele estraçalhada, para que eu não seja lançada ao fogo ardente, para que o fogo não me arrebate ao furacão, e o furacão não me arremesse às trevas, e eu não seja precipitada nas profundezas do mar; que eu não seja, enfim, tragada pelo grande e velho monstro e fique perdida para todo o sempre!

6 “Salva-me, Senhor, antes que tudo isso me aconteça. Salva uma pobre, solitária e desprotegida, pois meu pai e minha mãe já me renegaram. Eles disseram: ‘Esta não é a nossa filha Asenath’, pois eu quebrei e aniquilei os seus deuses e os repudiei completamente. Neste momento, sou totalmente órfã e abandonada. Outra esperança não me resta a não ser Tu, meu Senhor, e nenhum outro refúgio senão a tua piedade, ó Tu, o verdadeiro amigo dos homens. Apenas Tu és o pai dos órfãos, o protetor dos perseguidos, o auxilio dos torturados.

7 “tem pois piedade de mim, Senhor! Protege a virgem pura que se encontra na orfandade e no abandono! Só Tu, Senhor, és um pai doce, bom e suave. Quem, além de Ti Senhor, seda um pai tão doce e bom? Todos os presentes do meu pai Pentephres, que me foram dados como propriedade, são temporários e transitórios; porém, os dons da tua herança, ó Senhor, são duráveis e eternos.

Capítulo 13

Ainda a oração de Asenath

1 “Olha, Senhor, a minha indigência! Tem piedade desta órfã! Tem compaixão de mim, profundamente humilhada! Vê, Senhor, eu de todos fugi e refugiei-me em Ti, único amigo dos homens. Abandonei todos os bens terrenos e junto a Ti procuro abrigo, em saco e cinza, nua e só.

2 “Rejeitei as minhas roupas reais feitas de linho finíssimo e escarlate, bordadas de ouro, e cobri-me com uma escura veste de luto. Desprendi o meu cinto de ouro e atirei-o longe, e cingi-me com uma corda em sinal de penitência. Arranquei da minha cabeça o diadema e o turbante, e cobre-me de cinzas.

3 “O piso do meu quarto, revestido de pedras purpúreas e matizadas, o qual era tratado a óleo e polido com linho fino, está umidificado de minhas lágrimas, coberto de cinzas, imundo. As cinzas e as minhas lágrimas, ó Senhor, converteram meu aposento em lugar sórdido, como se fosse uma rua pública.

4 “Meu Senhor! Dei meus alimentos reais e minhas iguarias aos cachorros. Senhor! Estou em jejum há sete dias e sete noites, não comi pão, nem bebi água; minha boca está seca como um tambor, minha língua é como um chifre e meus lábios são como cacos de vidro; tenho o rosto completamente desfigurado e os teus olhos estão exauridos de tanto chorar.

5 “Senhor, meu Deus, livra-me das minhas inumeráveis culpas! Perdoa à virgem inexperiente, que tantos erros cometeu! Reconheci agora que todos aqueles deuses, que antes inocentemente eu adorava, não passam de ídolos mudos e mortos. Então a todos despedacei, embora de ouro e prata, para que fossem pisados pelos homens e roubados pelos ladrões. Junto de Ti, Senhor Deus, eu tire abriguei, pois Tu és o único e compassivo amigo dos homens.

6 “Perdoa-me, Senhor, por tanto haver pecado contra Ti, inconscientemente, e por haver falado coisas nefandas contra José. Coitada de mim, eu não sabia que ele é teu filho. Pessoas malignas e cheias de inveja disseram-me que José é um filho de pastores, procedente de Canaã. E eu, coitada, neles acreditei; deixei-me enganar e pouco caso fiz dele; falei muito mal a seu respeito, não sabendo de forma alguma que ele era teu filho.

7 “Quem dentre os homens pôde trazer ao mundo tamanha beleza? Quem poderia tê-la produzido? Que outro homem é tão sábio e poderoso como esse José maravilhosamente belo? Eu confesso, meu Senhor, eu o amo mais do que à minha própria alma. Conserva-o na sabedoria da tua graça, e entrega-me a ele como sua serva e escrava, para que eu possa lavar-lhe os pés, preparar-lhe a cama, e em tudo servi-lo com submissa atenção, como sua escrava, nada mais que escrava, por todos os dias da minha vida.”

Capítulo 14

Visita do Arcanjo Miguel

1 Quando Asenath chegou ao término da sua confissão diante do Senhor, levantava-se do céu, no lado do nascente, a estrela da manhã. Asenath olhou para ela e sentiu grande alegria. E assim falou: “Terá Deus, o Senhor, ouvido a minha súplica, uma vez que essa estrela é arauto e mensageiro da luz do grande dia?”

2 Nesse momento, o céu fendeu-se junto à estrela da manhã e apareceu uma luz imensa e indizível. Ao vê-la, Asenath caiu com sua face sobre as cinzas. No mesmo instante, aproximou-se um homem do céu que emitia raios de luz e postou-se junto dela.

3 Como ela ainda estava prostrada sobre a face, o mensageiro do céu dirigiu-lhe a palavra: “Levanta-te, Asenath”. Mas ela respondeu: “Quem é esse que me dirige a palavra, pois que está firmemente fechada a porta do meu quarto e a torre é muito alta? Como pode pois alguém peneirar no meu quarto?” Então o mensageiro chamou-a mais uma vez: “Asenath, Asenath!”

 4 Ela falou: “Sim, Senhor! Mas permite-me saber quem és tu”. Então ele respondeu: “Eu sou o príncipe do Senhor Deus, o chefe das legiões do Altíssimo. Levanta-te e põe-te sobre os teus pés! Quero dirigir-te a palavra”.

5 Ela então ergueu o rosto e olhou. Aí estava um homem, em tudo parecido com José, tanto pela sua vestimenta como pela sua coroa e pelo cetro real; só que o seu rosto era como o relâmpago, os seus olhos tinham o brilho do sol, seus cabelos eram como um facho aceso e as suas mãos e os seus pés eram como o ferro em brasa e emitiam faíscas.

6 Quando Asenath viu isso, caiu mais uma vez sobre a face, presa de grande temor, sem poder ter-se em pé. Todos os seus membros tremiam de imenso pavor. Então o homem falou-lhe deste modo: “tem coragem, Asenath, e nada receies. Levanta-te e fica de pé, para que eu possa transmitir-te a minha mensagem!”

7 Encorajada, Asenath ergueu-se e colocou-se em posição ereta. Então o Anjo falou-lhe assim: “Vai agora mesmo ao teu segundo quarto, desveste a roupa de luto com que te cobriste e tira dos teus quadris a veste de penitência! Remove as cinzas de tua cabeça! Lava as mãos e o rosto com água pura e veste uma roupa branca e intacta! Cinge os teus rins com o cinto puro e duplo da virgindade! Depois volta para junto de mim, para que eu possa transmitir-te a mensagem pela qual o Senhor me enviou a ti!”

8 Asenath dirigiu-se a toda pressa ao seu segundo quarto, repositório dos seus adornos, abriu a arca, retirou dela um vestido branco, fino e imaculado, e vestiu-o, depois de se desfazer da vestimenta preta e arrancar a corda e os andrajos de penitência que lhe envolviam os flancos. Depois colocou seu cinto duplo da virgindade, um nos quadris, outro no peito.

9 Isso feito, sacudiu as cinzas da cabeça, lavou as mãos e o rosto com água limpa, tomou também um véu fino e belíssimo e cobriu com ele a cabeça.

Capítulo 15

Palavras de Miguel

1 Asenath voltou então à presença do príncipe dos céus. E o Anjo do Senhor lhe disse: “Retira o véu da cabeça, porque tu és hoje unta virgem pura e tua cabeça é uma cabeça de criança”. Asenath obedeceu e de novo falou-lhe o mensageiro de Deus: “tem coragem, Asenath, virgem pura! O Senhor Deus escutou a tua confissão e a tua súplica.

2 “Ele viu também a tua humilhação e a tua indigência nos sete dias do teu jejum, quando as tuas lágrimas sobre as cinzas provocaram grande imundície ao teu redor. Alegra-te e anima-te, ó tu, virgem pura Asenath! Teu nome foi inscrito no livro da vida e dele não será nunca mais cancelado.

3 “A partir de hoje renascerás e de novo serás plasmada, dotada de vida nova; comerás o pão abençoado da vida e beberás do cálice transbordante da imortalidade e com óleo santo da incorruptibilidade serás ungida. Anima-te, Asenath, virgem pura! No dia de hoje o Senhor te deu a José como sua noiva; ele será o teu esposo para sempre.

4 “Também, de hoje em diante, não te chamarás mais Asenath; teu nome será agora cidade do refúgio, pois muitos povos recorrerão a ti e encontrarão descanso sob tua égide, e muitos encontrarão em ti proteção. Dentro dos teus muros sentir-se-ão seguros todos aqueles que, arrependidos, se volvem para o Deus Altíssimo, e isso abrandará sempre o coração de Deus, tanto em relação a ti quanto em relação a todos aqueles que se dispõem a fazer penitência. E dEle que procede a graça da conversão. A penitência é a coroa e o amparo de todas as virgens. Ela é intima de vós todas e é vossa intercessora junto ao Altíssimo, intercessora também de todos os contritos de coração. Ela assegura uma morada de paz no céu e renova a vida dos homens arrependidos.

5 “A penitência é uma coisa muito bela; ela é virgem, pura, suave e delicada. Por isso, amara o Deus Altíssimo e todos os anjos prezam-na profundamente. Também eu a amo profundamente, porque é minha irmã, e por ela amar a vós todas, virgens, assim a todas vós eu amo. Vou logo ter com José e tudo isso lhe direi a teu respeito. Ele virá ainda hoje para junto de ti e alegrar-se-á com a tua aparência, e será possuído de amor por ti. Ele será teu esposo e tu serás sua esposa para todo o sempre.

6 “Agora escuta bem, Asenath! Veste o teu vestido nupcial, o Primeiro e o mais antigo, que há muito tempo está guardado no teu quarto! Enfeita-te com os teus mais seletos adornos! Prepara-te como uma verdadeira noiva e estejas pronta para recebê-lo! Ele virá ainda hoje em pessoa ao teu encontro e ficará maravilhado com a tua imagem.”

7 Quando o anjo do Senhor, em forma humana, concluiu as suas palavras dirigidas a Asenath, ela encheu-se de alegria com tudo o que ouvira, e prostrou-se uma vez mais com a face no chão, beijou os pés do Anjo, e assim falou: “Louvado seja o Senhor, teu Deus, que te enviou para salvar-me das trevas e conduzir-me do mais profundo abismo para a luz! Louvado seja igualmente o teu nome para sempre. Se eu encontrei graça, meu Senhor, diante dos teus olhos, e se posso acreditar que todas as tuas palavras que diante de mim pronunciaste irão cumprir-se verdadeiramente, então a tua serva gostaria de dirigir-te uma palavra”.

8 Disse-lhe então o Anjo: “Pois fala!” E ela falou: “Eu te peço, Senhor, senta-te um pouco sobre esta cama! Esta cama é pura e imaculada, pois nunca um homem ou outra mulher nela repousou. Vou preparar-te uma mesa com pão, para dar-te de comer. Trarei para ti também um vinho velho e bom, cujo perfume se exala ao céu. Bebe dele, pois! E em seguida segue o teu caminho!” E ele respondeu: “Anda logo, e traze isso sem demora”.

Capítulo 16

A refeição admirável

1 Então Asenath arranjou a toda pressa uma mesa vazia e colocou-a diante dele. Mas quando se dispunha a buscar o pão, disse-lhe o anjo do Senhor: “traze-me também um favo de mel!” Ela ficou paralisada, embaraçada e triste, porque não havia favo de mel na câmara das suas provisões. Falou-lhe então o anjo de Deus: “Por que ficaste aí parada?”

2 Ela respondeu: “Meu Senhor! Mandarei agora mesmo uma das jovens à periferia da cidade, onde se encontra a propriedade rural dos meus pais. Ela estará bem depressa de volta com o favo, e então eu to apresentarei”. Mas o anjo do Senhor lhe disse: “Vai simples-mente ao teu compartimento de provisões e sobre a mesa encontrarás um favo de mel. Toma-o e traze-o aqui!”

3 Ela disse: “Senhor, no meu quarto de provisões não há favo de mel!” Ele respondeu: Vai tranqüila! Tu o encontrarás”.

4 Asenath então dirigiu-se à sua cela de provisões e efetiva-mente encontrou sobre a mesa um favo de mel. O favo era grande e branco como a neve, cheio de mel, e esse mel era como o orvalho do céu, e o seu perfume era como o perfume da vida. Diante disso, Asenath falou consigo, cheia de estupefação: “Será que este favo procederia da boca daquele homem?”

5 Tomou o favo e foi colocá-lo sobre a mesa. Então o Anjo lhe disse: “Dizias há pouco `no meu quarto não há favo de mel’ e agora trazes-me aqui um favo desse tamanho”? Ela então disse: “Senhor! Nunca eu trouxe para o meu quarto um favo de mel; contudo, só ao falares sobre ele, ele apareceu. Por acaso não saiu ele da tua boca, pois que o seu perfume se assemelha ao perfume do bálsamo?”

6 Então o homem sorriu, por causa da perspicácia da mulher. Chamou-a para junto de si e quando ela se aproximou ele estendeu a mão direita, tomou a sua cabeça e moveu-a suave-mente. Mas Asenath sentiu medo da mão do Anjo, pois dela procediam radiações como as do ferro em brasa. Assim, ela fitava a mão do anjo o tempo todo ansiosa e trêmula.

“‘7 Ele, porém, sorria, e falou assim: “Oh, feliz de ti, Asenath, pois segredos inefáveis de Deus te foram desvelados. Bem-aventurados são todos aqueles que, pela penitência, se aproximam do Senhor Deus, pois eles haverão de comer desse favo! Esse favo é na realidade o espírito da vida, e foi preparado pelas abelhas do paraíso das delícias, extraído do orvalho e das rosas da vida do paraíso de Deus, bem como de todas as suas outras florações. Dele se alimentam também os anjos e todos os escolhidos de Deus, e todos os que são seus filhos. Aquele que dele comer não morrerá para todo o sempre”.

8 Então o anjo de Deus estendeu a sua mão, tomou uma pequena porção do favo e comeu. Com a própria mão tomou outra parte e chegou-a à boca de Asenath, dizendo: “Come tu também!” E ela comeu.

9 Então o Anjo pronunciou as seguintes palavras: “Agora comeste o alimento da vida e bebeste a bebida da imortalidade, e foste também ungida com o óleo da incorruptibilidade. Tua carne, doravante, graças ao renascimento por meio do Altíssimo, fará brotar flores de vida, e teus ossos produzirão cedros comparáveis aos do paraíso de delicias de Deus, e bem assim serás robustecida por forças novas. Além disso, tua juventude não conhecerá velhice e tua beleza nunca murchará. Serás para todos uma cidade, grandemente fortificada”.

10 Então o Anjo aproximou sua mão do favo, e muitas abelhas apareceram nos seus alvéolos; os alvéolos eram inumeráveis, dez mil, cem mil. As abelhas eram brancas como a neve, e suas asas tinham a cor da púrpura e do escarlate, como o carmesim; elas possuíam ferrões afiados, mas a ninguém ofendiam.

11 Todas as abelhas pousaram sobre Asenath, desde a cabeça até os pés, e outras abelhas maiores, parecidas com suas rainhas, saíram do favo, pousaram na sua face e nos seus lábios, e prepararam na sua boca e nos seus lábios um favo parecido com o que se encontrava diante do Anjo. E todas aquelas abelhas alimentavam-se do favo preparado na boca de Asenath. Então o Anjo falou às abelhas: “Voltai agora ao vosso lugar!”

12 Então todas elas levantaram vôo e voltaram para o céu. Aquelas, porém, que quiseram ofender Asenath caíram todas mortas no chão. O Anjo estendeu o seu cetro sobre essas abelhas mortas e falou-lhes: “Levantai-vos e ide também vós ao vosso lugar!” Então todas aquelas abelhas mortas se avivaram e voaram para o pátio da casa de Asenath e pousaram sobre as árvores frutíferas.

13 Então o Anjo estendeu a mão e, com o dedo indicador, tocou o canto do favo do lado do nascente; e a linha deixada pelo seu dedo tomou a cor do sangue. Então pela segunda vez ele estendeu a mão, tocou o favo no seu lado voltado para o norte; e mais uma vez a linha do dedo tomou a cor do sangue. E Asenath postada à esquerda do Anjo, e viu tudo quanto ele realizou.

Capítulo 17

A benção de Miguel

1 Então o Anjo assim falou a Asenath: “Presenciaste tudo isso?” E ela disse: “Sim, meu Senhor, eu vi tudo perfeitamente”. Falou-lhe a seguir o anjo de Deus: “Assim acontecerá com todas as minhas palavras que hoje te dirigi”. Pela terceira vez o anjo do Senhor estendeu a mão direita e tocou um dos cantos do favo. Então da mesa rompeu uma chama rápida que consumiu todo o favo, sem danificar a mesa.

2 Do fogo do favo desprendeu-se um odor doce e bom, que encheu todo o quarto. Então Asenath falou ao anjo de Deus: “Tenho sete virgens, Senhor, criadas comigo desde a minha infância, nascidas como eu numa mesma noite; elas me servem, e a todas amo como minhas irmãs. Eu gostaria de chamá-las agora, para que as abençoasses como a mim abençoaste”. Então disse o Anjo: “Sim, podes chamá-las!”

3 Asenath chamou as sete virgens e apresentou-as ao Anjo. O Anjo dirigiu-se a elas com as seguintes palavras: “Abençoe-as, ó Senhor, Deus altíssimo; havereis de ser sete colunas de amparo em sete cidades, e todos aqueles eleitos que nelas habitarem encontrarão em vós a paz por toda a eternidade!” O anjo de Deus em seguida falou a Asenath: “Podes agora levar embora esta mesa!”

4 E quando Asenath voltou-se para retirar a mesa ele desapareceu rapidamente dos seus olhos. Asenath apenas observou que algo parecido com um carro puxado por quatro cavalos subia para o céu. O carro, porém, era como chama de fogo, e os cavalos pareciam-se  raios, e o Anjo andava sobre aquele carro.

5 Então Asenath como que despertou, dizendo: “Como fui tola e parva, eu, pobrezinha, ao pronunciar-me como se aquele fosse apenas um homem superior que tivesse entrado no meu quarto. Na realidade, eu não percebi que aqui dera entrada um ser divino. Agora ele torna ao seu lugar, o céu. Falou então consigo mesma: “Tem piedade da tua escrava, Senhor! Poupa tua serva que, sem saber, pronunciou palavras temerárias na tua presença.

Capítulo 18

Noivado de José e Asenath

1 Enquanto Asenath se entretinha com tais pensamentos, havia chegado um jovem da comitiva de José, anunciando: “Hoje chegará até vós José, o herói de Deus”. Asenath então mandou chamar depressa o administrador da casa e falou-lhe do seguinte modo: “Enfeita rapidamente a minha casa e prepara um lauto banquete! Pois hoje José, o herói de Deus, virá à nossa casa”.

2 O administrador então olhou para a sua face — a face dela estava muito abatida pela carência, pelas lágrimas e pelo jejum de sete dias. Ele suspirou preocupado, tomou sua mão direita, beijou-a e disse: “Mas o que te aconteceu, minha senhora? O teu rosto está tão abatido!” Ela disse: “Muitas preocupações assaltaram o meu pensamento e o sono fugiu dos meus olhos”.

3 O administrador afastou-se então e foi preparar a casa e a mesa. Asenath, entretanto, lembrando-se das palavras e das recomendações do Anjo, dirigiu-se depressa à sua segunda câmara, que continha o repositório dos seus adornos, e abriu a grande arca. Dela retirou o seu vestido primeiro, que era de um brilho fulgurante, e vestiu-o.

4 Cingiu-se com um cinto imaculado, de realeza, confeccionado em ouro e pedras preciosas. Colocou braceletes de ouro nos braços e fitas douradas nos tornozelos, no pescoço, enfeites preciosos, na cabeça, um diadema, igualmente de ouro. No diadema que circundava sua fronte estava incrustada uma grande safira e ao redor da safira havia seis pedras de raro valor; e cobriu a cabeça com um véu magnífico.

5 Nesse momento, Asenath lembrou-se das palavras do administrador: dissera ele que a sua fisionomia estava muito abatida. Ela então suspirou, cheia de preocupação, e disse: “Ai de mim, infeliz, com esta face tão horrível! Se José me vir assim, serei por ele desprezada”. Falou então à sua governanta: “Traze-me água limpa da cisterna!”

6 E ela trouxe. Asenath derramou-a numa bacia e curvou-se sobre ela para lavar o rosto. Nesse momento, ela viu a sua própria imagem, luminosa como o sol, seus olhos eram como a estrela da manhã ao nascer e suas faces como as estrelas do céu. Seus lábios assemelhavam-se a rosas vermelhas; os cabelos eram como a parreira que no paraíso de Deus crescia farta de frutos; o pescoço parecia lavor talhado em cipreste.

7 Quando Asenath viu tudo isso, ficou muito surpresa com o esplendor da sua aparência e sentiu o coração encher-se de grande felicidade. Desistiu de lavar o rosto, considerando que a ablução da água poderia apagar uma beleza tão extraordinária e maravilhosa.

8 Nessa hora, apresentou-se de novo o administrador da casa, para comunicar-lhe: “As suas ordens já foram cumpridas”. Mas quando ele a encarou, foi tomado de grande perturbação, começou a tremer fortemente e caiu aos seus pés, pronunciando as seguintes palavras: “Mas o que é isso, minha Senhora? Que milagre de beleza te envolve, tão fantástico e maravilhoso! Por acaso o Senhor, o Deus dos céus, escolheu-te para ser a noiva de José, o filho de Deus?”

Capítulo 19

Segunda visita de José

1 Enquanto eles ainda nisso se entretinham, veio a correr um serviçal, para anunciar a Asenath: “Vê, José já está às portas do pátio!” Ouvindo isso, Asenath chamou suas sete virgens, e todas desceram rapidamente as escadas do solar para receberem José; e ela mesma postou-se no átrio da sua casa.

2 Tendo José entrado no pátio, foram cerrados os portões, e todas as pessoas estranhas tiveram de permanecer do lado de fora. Asenath desceu ao encontro de José. Este, ao vê-la, ficou pasmado por causa da sua beleza e assim lhe falou: “Quem és tu, ó jovem? Dize-me depressa!”

3 Ela respondeu: “Senhor, eu sou Asenath, tua escrava; afastei de mim todas as imagens dos ídolos, eles não existem mais para mim. Do céu apareceu-me hoje um homem que deu-me a comer o pão da vida; dele comi e também bebi do cálice sagrado. Ele falou-me: `Entreguei-te hoje José como teu noivo, e ele será teu esposo para sempre. E o teu nome não será mais Asenath, mas sim ‘cidade do refúgio’, e Deus, o Senhor, reinará sobre muitos povos, por teu intermédio. E por meio de ti eles encontrarão proteção junto ao Altíssimo’.

4 “E o homem falou-me também: ‘Eu irei ter com José, para sussurrar aos seus ouvidos as palavras que eu disse a teu respeito’. Por acaso senhor, aquele homem te procurou para falar-te a meu respeito?” José então dirigiu a Asenath as seguintes palavras:

“Tu és abençoada do Deus altíssimo, ó mulher. Louvado seja o teu nome para sempre, pois o Senhor Deus fortificou os teus muros, e os filhos do Deus vivo habitam a tua cidade de refúgio, e Deus, o Senhor, reinará sobre eles por todo o tempo futuro.

5 “Sim, eu confirmo que aquele homem veio hoje a mim, procedente do céu; e ele falou-me aquelas palavras a teu respeito. Vem pois para junto de mim, ó tu, virgem pura! Por que permaneces à distante?” José então abriu os braços e ela atirou-se neles, e ambos se abraçaram e beijaram-se longa-mente. Renasceram ambos no seu espírito. E José deu um beijo em Asenath, conferindo-lhe o espírito da Vida. Um segundo beijo, para dar-lhe o espírito da Sabedoria. E beijou-a pela terceira vez suavemente, transmitindo-lhe o espírito da Verdade.

Capítulo 20

O banquete

1 E assim, após longo abraço, de mãos dadas e firmemente seguras, Asenath falou José: “Vamos, senhor, entra em nossa casa! Mandei preparai para ti um grande banquete” Ela tomou-o pela mão direita conduziu-o para dentro de casa e indicou-lhe o trono do seu pai Pentephres para que nele tomasse assento. E para lavar-lhe os pés, mandou que trouxessem água.

2 José disse: “Que venha uma das jovens e me lave o pés!” Mas Asenath retrucou lhe: “Não, meu senhor! Pois ago ra tu és o meu amo e eu a tu serva. Por que propões que um outra jovem te lave os pés? Pois os teus pés já são os meus pé, as tuas mãos, minhas mãos, a tua alma, minha alma. Nenhuma outra, pois, lavar-te-á o pés!” Assim, Asenath lavou o pés de José, contra a vontade dele. Ele então pegou a mão direita dela e beijou-a docemente. Asenath, por sua vez, beijou sua fronte; em seguida, José fila sentar-se à sua direita.

3 Nessa hora, seu pai e sua mãe, e todos os parentes que voltavam do campo viram-na sentada ao lado de José, trajada com vestes núpcias. Todos ficaram maravilhados pela sua formosura, alegraram-se sobre-maneira e louvaram a Deus, que aos mortos torna a dar a vida. E assim, todos comeram e beberam com grande alegria. Falou em seguida Pentephres a José: “Procurarei amanhã todos os potentados e sátrapas da terra do Egito, com vistas aos preparativos do teu casamento. E então tomarás a minha filha Asenath por esposa”.

4 A isso retrucou José: “Eu estarei amanhã com o Faraó, meu pai, que me estabeleceu como príncipe de toda esta terra. Eu lhe falarei de Asenath e pedirei que me conceda Asenath por esposa”. Ao que Pentephres ponderou: “Pois então seja conforme a tua vontade!”

Capítulo 21

Casamento de José e Asenath

1 Naquele dia, José permaneceu na casa de Pentephres, mas não procurou Asenath, pensando consigo: “Não convém a um homem temente a Deus ficar com sua mulher antes do casamento”. No dia seguinte, José levantou-se cedo, dirigiu-se imediatamente ao Faraó e falou-lhe: “Dá-me Asenath, a filha de Pentephres, sacerdote de Heliópolis, como esposa”. Com essas palavras alegrou-se o Faraó, e disse a José: “Por acaso não te estava ela prometida desde toda a eternidade como tua esposa? Pois seja ela agora tua mulher, desde hoje para sempre”.

2 Então o Faraó deu ordens e mandou que fosse chamado Pentephres à sua presença. Este compareceu, levando consigo Asenath, para apresentá-la ao Faraó. Ao vê-la, o Faraó ficou grandemente maravilhado com a beleza da jovem. E assim falou: “Sê abençoada do Senhor e Deus de José, que é meu filho; e que esta tua formosura permaneça para sempre. O Senhor e Deus de José escolheu-te para ser a sua noiva. E eu sei que José se parece com um filho do Altíssimo, e tu serás desde agora e para sempre a sua esposa”.

3 A seguir, o Faraó chamou para junto de si José e Asenath e colocou sobre suas cabeças coroas-diademas de ouro, que se conservavam no palácio desde tempos antiqüíssimos. E colocou Asenath à direita de José. Então o Faraó impôs suas mãos sobre suas cabeças e falou-lhes: “Abençoe-vos o Senhor, Deus altíssimo! Que Ele vos fortaleça, exalte e glorifique por toda a eternidade!”

4 Depois disso, o Faraó fê-los voltarem-se face a face para que aproximassem os seus lábios, e eles se beijaram. Isso consumado, o Faraó mandou preparar as bodas com um grande banquete que duraria sete dias. Convidou todos os príncipes do Egito e todos os reis dos povos vizinhos; e mandou publicar um édito por toda a terra egípcia: “Aquele que trabalhar nos sete dias das bodas de José e Asenath será conde-nado à morte”.

5 Após as comemorações do casamento, e terminados todos os festejos, José procurou Asenath. E Asenath engravidou de José e deu à luz Manassés e seu irmão Ephraim, na casa de José.

Capítulo 22

Asenath junto a Jacó

1 Terminados os sete anos gordos, começaram sete anos de fome. Então Jacó teve notícias do seu filho José. E pouco tempo depois transferiu-se com todo o seu clã para o Egito, no segundo dos anos magros, aos vinte e um dias do segundo mês, e foi estabelecer-se na terra de Gessem.

2 E Asenath falou a José: “Eu gostaria de conhecer o teu pai, pois o teu pai Israel é como se fosse o meu pai e Deus”. José então disse-lhe: “Vem comigo e verás o meu pai”. E José dirigiu-se com Asenath até junto de Jacó, na região de Gessem. E os irmãos de José vieram ao seu encontro e diante deles prostraram-se com a face por terra. Foram então ambos ter com Jacó, e encontraram-no sentado no seu leito; era um ancião de idade avançada.

3 Quando Asenath o viu, surpreendeu-se com a sua beleza, pois a aparência de Jacó era realmente muito bela. Sua velhice era muito mais como a juventude de um homem maduro. Era completamente branca como a neve a sua cabeça, mas os cabelos eram densos e fortes; sua barba era branca e chegava até o peito; seus olhos eram alegres e radiosos; seus músculos, seus ombros e seus braços pareciam os de um Anjo; suas coxas, suas pernas e seus pés eram como os de um gigante.

4 Diante dele Asenath ficou admirada e prostrou-se no chão sobre a sua face. Jacó então disse a José: “É esta minha filha, tua mulher? Seja ela abençoada pelo Deus altíssimo!” Então Jacó chamou-a para junto de si, deu-lhe a bênção e beijou-a. Asenath em seguida abriu os braços, enlaçou o pescoço de Jacó e beijou-o suavemente. Depois disso, comeram e beberam. Terminado o repasto, José e Asenath voltaram para casa.

5 Simão e Levi, filhos de Lia, foram os únicos que os acompanharam; os filhos de Baila e de Zelpha, as escravas de Lia e de Rachel, não fizeram o mesmo, pois tinham-lhes inveja e ódio. Levi colocou-se à direita de Asenath e Simão à sua esquerda.

6 Asenath tomou a mão direita de Levi, porque o estimava mais que a todos os irmãos de José; tinha-o como um vidente e homem temente a Deus; ele era em verdade um homem prudente e profeta do Altíssimo. Também sabia discernir os sinais do céu, lia-os e ensinava-os em segredo a Asenath. Do mesmo modo, Levi também nutria por Asenath uma estima profunda, e via nas alturas do céu a sua morada de paz.

Capítulo 23

Ameaça contra Asenath

1 Quando José e Asenath voltaram da sua viagem de visita a Jacó, foram vistos pelo filho primogênito do Faraó, por sobre os muros do palácio. Quando ele viu Asenath, ficou completamente transtornado pela sua formosura.

2 Mandou então emissários com a ordem de convocar Simão e Levi à sua presença. Quando eles chegaram e se postaram diante dele, assim falou-lhes o primogênito do Faraó: “Tenho pleno conhecimento de que vós sois ainda homens valentes, mais fortes do que todos os homens deste pais. Por vosso braço direito foi outrora arrasada a cidade dos siquemitas; por meio das vossas duas espadas foram exterminados 30 mil guerreiros.

3 “Pois hoje desejo contar-vos entre os meus aliados; dar-vos-ei ouro e muita prata, empregados, servas e casas, bem como extensas propriedades rurais. Basta que aceiteis ficar do meu lado e sejais amistosos comigo. Eu fui tratado com desprezo pelo vosso irmão José, por ter tomado para si como esposa Asenath, aquela que de há muito me estava prometida.

Ficai, portanto, do meu lado! Eu desejo entrar em luta com José, aniquilá-lo com esta minha espada e tomar Asenath por minha esposa. Vós então devereis ser como meus irmãos e fiéis amigos. Caso não concordardes comigo, eu vos matarei com esta minha espada”.

4 Pronunciando essas palavras, arrancou sua espada e brandiu-a diante deles. Simão, homem intrépido e audaz, teve ímpetos de agarrar sua espada e golpear o filho do Faraó, diante de sua proposta inadmissível. Mas Levi percebeu as intenções de Simão, pois era um profeta, e com um toque de pé advertiu-o, dando-lhe a entender que devia abrandar sua ira.

5 E falando com calma a Simão, disse-lhe: “Por que te irritas contra esse homem? Afinal, somos homens tementes a Deus, e não convém retribuir o mal com o mal”. Dito isso, Levi falou ao filho do Faraó, com altivez, mas ao mesmo tempo com mansidão: “Por que, senhor, nos dizes tais coisas? Nós somos homens tementes a Deus, nosso pai é amigo do Deus altíssimo, e nosso irmão se parece com um filho de Deus.

6 “Como poderíamos come-ter tamanha perversidade, pecar contra nosso Deus, contra nosso pai Israel e contra o nosso irmão José? Ouve, pois, minhas palavras: não convém a um homem temente a Deus causar prejuízo a quem quer que seja. Se alguém deseja fazer o mal a um homem temente a Deus, nenhum homem que teme a Deus se colocará do seu lado, e nas suas mãos não haverá espada. Guarda-te pois de falar tais coisas sobre o nosso irmão José. Se insistires no teu plano perverso, nossas espadas serão desembainhadas contra ti.

7 Simão e Levi sacaram então suas espadas, pronunciando as seguintes palavras: “Vês estas espadas? Com estas duas armas o Senhor vingou severamente a prepotência dos siquemitas. Pois Siquém, filho de Emmor, desonrou nossa irmã Dina, ofendendo assim os filhos de Israel”.

8 Assim que o filho do Faraó viu as espadas desembainhadas, assustou-se muito e pôs-se a tremer, pois elas reluziam como chamas de fogo. Seus olhos escureceram e ele tombou com o rosto no chão, aos pés de Simão e Levi.

9 Diante disso, Levi estendeu sua mão e tocou-o, dizendo: “Levanta-te e não tenhas nenhum receio! Guarda-te apenas de dizer outras palavras más a respeito do nosso irmão José!” Com isso, Simão e Levi afastaram-se dele.

Capítulo 24

Conspiração contra o jovem casal

1 O filho do Faraó encheu-se de temor e tristeza, pois tinha medo dos irmãos de José; no entanto, voltaram-lhe de novo os pensamentos torpes por causa da beleza de Asenath, e, assim, consumia-se cada vez mais. Foi quando os seus servos sussurraram-lhe nos ouvidos: “Os filhos de Balla e os filhos de Zelpha, escravas de Lia e de Rachel, mulheres de Jacó, odeiam e abominam José e Asenath; eles estarão prontos a apoiar teus planos”.

2 Ouvindo isso, o filho do Faraó enviou a toda pressa emissários até eles, chamando-os à sua presença. Na primeira hora da noite, eles apareceram e a ele se apresentaram. Ele então disse-lhes: “Ouvi dizer de muitas bocas que vós sois homens corajosos”. A isso responderam-lhe Dan e Gad, os irmãos mais velhos: “Fale o nosso senhor aos seus servos o que deseja, para que os seus servos escutem, e faremos segundo a tua vontade!”

3 Com essa resposta alegrou-se o filho do Faraó, e disse aos seus imediatos: “Retirai-vos por alguns momentos. Desejo ter com estes homens um breve acerto, em particular”. Todos se afastaram. Então o filho do Faraó, usando de mentiras, falou-lhes: “Considerai bem, está em vosso poder a bênção ou a maldição! Escolhei a bênção, ao invés da morte! Sois homens corajosos e não querereis morrer como mulheres. Sede, pois, audaciosos! Vingai-vos dos vossos inimigos!

4 “Escutei pessoalmente, certa vez, quando José, o vosso irmão, disse ao meu pai Faraó: Dan, Gad, Nephtali e Aser não são meus irmãos; eles são muito mais filhos das escravas do meu pai. Espero apenas que aconteça o falecimento do meu pai, para então exterminá-los da face da terra, tanto eles como a sua geração. Eles não terão nunca parte na nossa herança, porque são filhos de escravas! Também, outrora, eles me venderam aos israelitas, e por isso vou responder à prepotência com que me trataram. Para tanto, aguardo só que o meu pai chegue ao seu fim. “Meu pai, então, deu-lhe toda a razão e o louvou, dizendo-lhe: ‘Falaste muito bem, meu filho! Poderás contar com meus homens fortes para castigá-los pelo que contra ti perpetraram. E nisso eu te darei todo o apoio’.”

5 Quando Dan e Gad ouviram isso da boca do filho do Faraó, encheram-se de preocupação e de medo, e disseram-lhe: “Rogamos-te, senhor: dá-nos a tua ajuda! Doravante seremos teus servos e contigo desejamos morrer”. Então disse o filho do Faraó: “Eu serei o vosso protetor, se escutardes as minhas palavras”.

6 Eles então responderam-lhe: “Ordena-nos o que tu desejas! Faremos segundo a tua vontade”. Então falou-lhes o filho do Faraó: “Ainda nesta noite eu matarei o meu pai Faraó, porque ele é como um pai para José, e porque prometeu-lhe ajudá-lo contra vós. A vós caberá matar José; então eu tomarei Asenath para mim como esposa. Vós sereis meus irmãos e juntamente comigo sereis herdeiros de tudo o que possuo. Basta que cumprais a proposta!”

7 Diante disso, responderam-lhe Dan e Gad: “A partir de hoje somos teus servos e faremos tudo o que ordenares. E, a propósito, ouvimos José falar a Asenath: `Vai amanhã à nossa propriedade, pois é tempo de colheita!’ Mandou também que a acompanhassem seiscentos guerreiros e cinqüenta soldados ligeiros. Agora pedimos a tua atenção! Gostaríamos de uma palavra em particular com o nosso amo!” Então, em segredo, combinaram o plano com ele. A seguir, o filho do Faraó destacou quinhentos homens para cada um dos quatro irmãos e constituiu a estes como seus chefes e comandantes.

8 Dan e Gad então disseram a ele: “Somos hoje teus criados e faremos tudo de acordo com as tuas ordens; partiremos ainda estas noite e nos coloca-remos de emboscada junto ao desfiladeiro, escondendo-nos no espesso mato de juncos. Por tua parte, leva contigo flecheiros montados, mais ou menos em números de cinqüenta. E segue a uma boa distância em nossa frente. Quando Asenath se aproximar, ela cairá em nossas mãos. Daremos fim a todos os homens que a acompanham. Ela, porém, poderá fugir para a frente, no seu carro, e assim cairá nas tuas mãos. Então poderás fazer com ela o que o teu coração deseja. Após isso, mataremos também José, que estará a lamentar-se por Asenath. Da mesma forma, mataremos os seus filhos, diante dos seus próprios olhos.” Quando o filho do Faraó ouviu isso tudo,encheu-se de grande satisfação e despachou-os com dois mil guerreiros.

9 Eles chegaram junto ao desfiladeiro e atocaiaram-se no juncai. Dividiram-se em quatro partes, em frente ao desfiladeiro, postando quinhentos homens de cada lado da estrada. Os demais também ficaram nas proximidades e esconderam-se no juncal; também eles, quinhentos de um lado e quinhentos do outro lado da estrada; entre eles passava o caminho, largo e cômodo.

Capítulo 25

Atentado contra o Faraó

1 No correr daquela noite, o filho do Faraó levantou-se e dirigiu-se aos aposentos do seu pai. Tinha a intenção de matá-lo com sua espada. Contudo, os guardas cio seu pai impediram-lhe o acesso e perguntaram: “Que ordenas, senhor?” Falou-lhes o filho do Faraó: “Desejo apenas ver meu pai, pois estou de partida para acompanhar o final da colheita da minha recente plantação de vinhas”.

2 Os guardas, porém, responderam-lhe: “Teu pai não passa bem; esteve insone a noite inteira e só agora conseguiu repousar. Recomendou-nos que a ninguém deixássemos entrar, nem mesmo seu primogênito”.

3 Ao ouvir isso, ele se afastou profundamente irado, convocou às pressas flecheiros montados, em número de cinqüenta, e partiu com eles, da forma como Dan e Gad haviam disposto.

4 Os irmãos mais jovens, Nephtali e Aser, falaram aos mais velhos Dan e Gad: “Mas por que afinal mais uma vez procedem com tanta maldade contra seu pai Israel e contra seu irmão José? A este Deus protege como à pupila dos seus olhos. Já não o venderam uma vez? E não é ele hoje o príncipe de toda a terra do Egito, um salvador e distribuidor de alimentos? Se mais uma vez pretendeis tratá-lo com ignomínia, ele chamará pelo Altíssimo e este mandará o fogo do céu para exterminar-vos, e os seus anjos virão para lutar contra vós”.

5 Os irmãos mais velhos encheram-se de raiva contra eles e disseram: “Pensais então que aceitaremos morrer como mulheres? Jamais!”

Capítulo 26

A Salvação de Asenath

1 Asenath levantou-se bem cedo naquela manhã e falou a José: “Desejo ir até nossa propriedade, como tu disseste; no entanto, sinto muito medo pelo fato de tu não estares comigo”. Mas José tranqüilizou-a: “Tem coragem e nada receies! Vai com alegria e de ninguém tenhas medo! O Senhor está contigo e Ele te protegerá de todo o mal, como a pupila dos seus olhos. Eu irei agora para a minha tarefa de distribuição de trigo, e o darei dos depósitos do Estado a todas as pessoas, para que no Egito ninguém morra de fome.” Asenath então pôs-se a caminho, e José dirigiu-se para o seu trabalho de administração.

2 Entretanto, Asenath e os seiscentos homens de sua escolta já se aproximavam do desfiladeiro quando, de repente, os soldados do filho do Faraó saltaram do seu esconderijo e caíram em cima dos homens de Asenath, golpearam-nos com suas espadas, abatendo um a um, matando a todos os seus soldados ligeiros; e Asenath empreendeu a fuga, no seu carro.

3 Nesse momento, porém, Levi, o filho de Lia, teve uma premunição, pois era um profeta, e falou a seus irmãos sobre o perigo a que Asenath estava exposta. Rapidamente cada um apanhou sua espada, seu escudo e sua lança e partiram em marcha velocíssima atrás de Asenath.

4 Quando Asenath fugia estrada afora, veio-lhe ao encontro o filho do Faraó com os seus cinqüenta cavaleiros. Ao vê-lo, Asenath foi tomada de grande pavor e, estremecendo, invocou o nome do seu Deus e Senhor.

Capítulo 27

A batalha

1 Benjamim ia sentado no carro, à direita de Asenath. Era um jovem vigoroso de dezenove anos, de uma beleza extraordinária e de uma força como a de um leão novo; e era muito temente a Deus. Ele saltou rapidamente do carro, apanhou do riacho um seixo redondo e com a mão arremessou-o contra o filho do Faraó, acertando-o na têmpora esquerda e infligindo-lhe um grave ferimento.

2 Semimorto, o filho do Faraó caiu do cavalo e foi ao chão. Imediatamente, Benjamim subiu a uma rocha e gritou para o cocheiro de Asenath: “Traze-me pedras do riacho!” O cocheiro entregou-lhe cinqüenta seixos. Benjamim, com tiros certeiros, matou os cinqüenta homens da comitiva do filho do Faraó. Todos tiveram as têmporas atravessadas pelas pedras.

3 Nesse meio tempo, os filhos de Lia, Ruben, Simão, Levi, Judá, Isacar e Zabulão, lutavam contra os homens que haviam emboscado Asenath, caindo em cima deles com vigor e abatendo a todos. Assim, apenas seis homens mataram dois mil setecentos e seis. Mas os filhos de Baila e de Zelpha diante deles fugiram, dizendo as seguintes palavras: “Haveremos de perecer pela mão dos nossos irmãos? O filho do Faraó morreu pela mão do jovem Benjamim e todos os que com ele estavam foram também mortos por Benjamim. Vamos, pois! Vamos dar cabo de Asenath e Benjamim, e em seguida desapareceremos no juncai!”

4 Aproximaram-se então de Asenath com suas espadas desembainhadas e manchadas de sangue. E quando Asenath os viu foi tomada de grande medo e invocou o Senhor: “Senhor Deus! Tu me deste a vida e me livraste dos falsos deuses, da ruína mortal e me prometeste que minha alma viveria para sempre. Livra-me agora desses homens maus!”

5 E o Senhor Deus ouviu a voz de Asenath e no mesmo instante as espadas dos seus inimigos caíram de suas mãos ao chão e converteram-se em pó.

Capítulo 28

Magnanimidade de Asenath

1 Quando os filhos de Baila e Zelpha viram esse estranho prodígio, exclamaram, possuídos de pavor: “Agora o Senhor luta do lado de Asenath contra nós”. Então caíram com suas faces por terra e prostraram-se aos pés de Asenath, pronunciando as seguintes palavras: “Tem piedade de nós, teus escravos, pois tu és nossa senhora e nossa rainha! Agimos perversamente contra ti e contra o nosso irmão José. E o Senhor já nos dá a paga pelas nossas obras. Por isso, nós, teus escravos, te suplicamos: tem compaixão de nós, pobres e miseráveis! Protege-nos da mão dos nossos irmãos! Não caiam eles sobre nós como vingadores pela nossa intenção de aniquilar-te! Não queiram voltar as suas espadas contra nós! Nós bem sabemos que os nossos irmãos são homens tementes a Deus, e que a nenhum homem retribuem o mal com o mal. Protege deles os teus escravos, por piedade, ó tu que és senhora nossa!”

2 Asenath então disse-lhes: “Tende coragem e nenhum receio dos vossos irmãos! Eles são realmente homens piedosos e cheios de temor de Deus. Mas desaparecei agora no fundo do juncal até que eu os converta a vosso favor e acalme a sua ira pelo que ousastes fazer contra eles. Entretanto, seja como a Deus aprouver; será Ele o juiz entre mim e vós”.

4 Nisso, Dan e Gad fugiram para o meio do juncai. Mas os seus irmãos, filhos de Lia, já vinham correndo velozes como Cervos, para precipitarem-se contra eles. Asenath, nesse momento, desceu do seu carro coberto e, chorando muito, estendeu para eles a sua mão direita; eles então jogaram-se respeitosamente ao chão, aos pés dela, e prorromperam num choro alto. Perguntaram pelos ir-mãos, filhos das escravas com a intenção de aniquilá-los.

5 Então Asenath falou-lhes: “Eu vos peço: poupai vossos irmãos! Não queirais pagar-lhes o mal com o mal! O próprio Senhor salvou-me deles, Pois Ele destruiu as suas espadas nas suas próprias mãos; elas dissolveram-se e viraram cinzas, como cera diante do fogo; e é suficiente que o próprio Senhor esteja contra eles, a nosso favor. Portanto, poupai vossos irmãos! Eles são afinal vossos irmãos, sangue do vosso pai Israel”

6 Inconformado, retrucou Simão: “Por que nossa ama pronuncia palavras bondosas em favor dos seus inimigos? Não! Preferimos esquartejá-los agora, membro a membro, com as nossas espadas. Eles planejaram algo de gravíssimo contra o nosso irmão José, contra o nosso pai Israel e, hoje, contra ti, nossa rainha.”

7 Então Asenath estendeu a mão direita, tocou a barba de Simão, beijou sua face e disse: “De forma alguma, irmão, deverás retribuir ao teu próximo o mal corri o mal. O Senhor haverá de castigar tamanha presunção. Eles são teus irmãos, geração do teu pai Israel. Além disso, já fugiram para bem longe. Perdoa-os, portanto!”

8 Levi adiantou-se e beijou a mão direita de Asenath. Percebeu que ela desejava salvar os homens da ira deles, seus irmãos, evitar que os matassem; e sabia que os traidores estavam ali por perto, escondidos no espesso caniçal. Mas Levi não revelou o que sabia aos seus irmãos, com receio de que estes, em sua grande ira, os matassem.

Capítulo 29

Fim

1 O filho do Faraó recobrara os sentidos e estava sentado no chão a cuspir o sangue que das têmporas lhe escorria aos lábios. Então Benjamim correu na sua direção e tomou sua espada, decidido a atravessar-lhe o peito com ela, já que não portava nenhuma arma consigo.

2 Levi correu-lhe ao encalço, pegou-o pela mão e disse: “De forma alguma, irmão, tu farás isso; pois somos homens tementes a Deus e não convém a um homem temente a Deus pagar o mal com o mal, nem pisotear um homem derrotado, nem massacrar um inimigo até a morte. Devolve-lhe então a espada! Vem e ajuda! me! Vamos curar o seu ferimento e se ele sobreviver será nosso amigo, e o Faraó, seu pai, será nosso pai.”

3 Então Levi ergueu do chão o filho do Faraó, limpou-lhe o sangue do rosto, cuidou de suas feridas, colocou-o sobre o seu cavalo, conduziu-o de volta ao seu pai Faraó e relatou a este todo o ocorrido. Surpreso, o Faraó ergueu-se do trono e prostrou-se diante de Levi, prestando-lhe homenagem.

4 Passados três dias, o filho do Faraó morreu, em conseqüência da pedrada de Benjamim. E o Faraó lamentou tão profundamente a morte do seu primogênito que, de tristeza, contraiu uma enfermidade e dela veio a falecer, aos 109 anos de idade.

5 Sua coroa passou ao maravilhoso José, que assim se tornou o senhor plenipotenciário do Egito pelo espaço de quarenta e oito anos. Apos esse período, José passou a coroa ao filho mais novo do Faraó, que à época da morte do pai ainda era um lactente. E José, daí em diante, foi como um pai para o jovem filho do Faraó do Egito. E louvou a Deus e glorificou-o até o fim dos seus dias. Fim

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